sexta-feira, 7 de outubro de 2016

O Direito de escolha do Menor





O Estatuto da Criança e do Adolescente[1] define criança como sendo a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Ambos gozam de todos os direitos fundametais inerentes à pessoa humana e esses direitos devem ser protegidos por Lei a fim de lhes conceder o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Com o objetivo incentivar os países membros a implementarem o desenvolvimento pleno e harmônico da personalidade de suas crianças, preparando-as plenamente para viverem uma vida individual em sociedade e serem educadas no espírito dos ideais proclamados na Carta das Nações Unidas, em espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade, a Convenção sobre os Direitos da Criança[2] declara que os Estados Partes assegurarão à criança que estiver capacitada a formular seus próprios juízos, o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados com a criança, levando-se devidamente em consideração essas opiniões, em função da idade e maturidade da criança.

Teoria do menor amadurecido

A Convenção trata do direito à livre expressão de opiniões, pensamento e crenças das crianças e dos adolescentes, respeitados os direitos alheios, tal liberdade garante ao menor  o direito de ser ouvido, bem como de ter seu direito de escolha respeitado. Os Estados Partes respeitarão o direito da criança à liberdade de pensamento, de consciência e de crença, respeitarão os direitos e deveres dos pais e, se for o caso, dos representantes legais, de orientar a criança com relação ao exercício de seus direitos de acordo com a evolução de sua capacidade. A criança deve ser livre para ter opiniões sobre todas as questões que lhe digam respeito, opinião essa que deve ser devidamente tomada em consideração de acordo com a sua idade e maturidade. Este princípio se baseia na ideia de que as crianças têm o direito de serem ouvidas e que as suas opiniões sejam seriamente levadas em consideração, incluindo em qualquer processo judiciário ou administrativo que as afetem. Quando os tribunais, instituições de segurança social ou autoridades administrativas lidarem com crianças, o interesse superior da criança deve consistir numa consideração primordial.

A teoria do menor amadurecido deve ser analisada sob o olhar bioético e humanista e, embora pouco conhecida no Brasil, já é aplicada em países como Espanha, Estados Unidos da América e Inglaterra, e vem ganhando espaço no âmbito do intervencionismo médico, em diversas situações. O conceito de menor maduro foi instituído por volta de 1970, nos Estados Unidos e desenvolveu-se progressivamente na literatura bioética-médica-jurídica.

A teoria do menor amadurecido reconhece que existe um subgrupo de adolescentes que têm maturidade e inteligência suficiente para compreender os benefícios, riscos e probabilidade de sucesso e insucesso das intervenções médicas, bem como de outras opções terapêuticas existentes, podendo raciocinar e escolher de forma livre e voluntária.

A maioria dos Estados possuem Estatutos do Menor Amadurecido onde a idade do menor, a maturidade geral, habilidades cognitivas, situação social, bem como a gravidade da situação médica são levadas em consideração em uma determinação judicial, a fim de identificar se um menor juridicamente incapaz é suficientemente maduro para tomar uma decisão de modo a dar o seu próprio consentimento para os cuidados médicos necessários.

Vale ressaltar que o processo de desenvolvimento do julgamento moral e as transformações progressivas na estrutura cognitiva não estão relacionadas diretamente com idade, podendo haver variações conforme os níveis evolutivos mediante o resultado da interação do indivíduo com o meio social.

Embora comumente utilizado na prática com adultos, o julgamento substittutivo é incomum para a tomada de decisões no cenário pediátrico. Uma exceção ocorre quando adolescentes maduros, geralmente com doenças crônicas, expressam seus desejos sobre determinados procedimentos médicos antes da deterioração de suas funções cognitivas. Esses desejos podem ser respeitados pelos pais e médicos de um modo semelhante ao julgamento substitutivo de tomada de decisão para adultos. A oportunidade de fornecer orientações sobre os seus cuidados médicos futuros devem ser discutidos durante seus cuidados de saúde em curso de uma maneira consistente com o seu desenvolvimento cognitivo e sua maturidade.

A tomada de decisões dos adolescentes depende de vários fatores, o que inclui a capacidade cognitiva, a maturidade do julgamento e a autoridade moral. Muitos menores atingem um estágio operacional do desenvolvimento cognitivo que permite o pensamento abstrato e a capacidade de lidar com tarefas de alta complexidade comuns para adolescentes mais velhos. A remodelação do cérebro com a melhora da conectividade geralmente se dá através da terceira década da vida, sendo que o córtex pré-frontal, local das funções executivas e controle de impulsos está entre os últimos a amadurecer. Em contraste, as áreas responsáveis por assumir riscos e a busca por emoções (regiões límbicas e paralímbicas) se desenvolvem em torno da puberdade. Este desequilíbrio temporal entre os dois sistemas pode levar a comportamentos de risco comuns na adolescência.

Embora ainda não exista uma linha clara que determine quando um menor se torna suficientemente "maduro" para tomar decisões de forma independente quanto aos critérios envolvidos no consentimento informado ou recusa, os tribunais têm considerado esta questão com uma variedade de resultados. Quando persistirem conflitos sobre o tipo de tratamento, apesar da orientação do médico e a estreita colaboração com o paciente e sua família, a equipe deve consultar profissionais da ética, psicólogos, psiquiatras e quando apropriado, uma equipe de cuidados paliativos. Uma intervenção judicial deve ser sempre a última opção.

O mais notável pesquisador do desenvolvimento cognitivo infantil foi o psicólogo e filósofo suiço Jean Piaget[3]. Piaget iniciou seus estudos experimentais sobre a mente humana e começou a pesquisar também sobre o desenvolvimento das habilidades cognitivas. Seu conhecimento em Biologia levou-o a enxergar o desenvolvimento cognitivo de uma criança como sendo uma evolução gradativa. Ele revolucionou as concepções de inteligência e de desenvolvimento cognitivo partindo de pesquisas baseadas na observação e em entrevistas que realizou com crianças. Interessou-se fundamentalmente pelas relações que se estabelecem entre o sujeito que conhece e o mundo que tenta conhecer.  Sua teoria consiste na classificação de quatro estágios de desenvolvimento onde o conhecimento se desenvolve e aumenta até alcançar o ponto onde se torna completamente eficaz. Os estágios são influenciados pelo autoaprendizado e pela educação. O último estágio de desenvolvimento ocorre entre os onze e quinze anos, pelo qual a criança adquire pensamento independente, está apta a tirar conclusões e compreender teorias. A partir dos quinze anos a criança está num estágio de maturidade que inclui o processo do pensamento maduro.

Mais recentemente, alguns pesquisadores da área do comportamento adolescente concluíram que o processo de tomada de decisão dos adolescentes de quatorze anos pode ser comparado ao dos adultos, e que quanto mais velho o adolescente mais consideração dará aos riscos e às consequências futuras. Também concluíram que a habilidade de comparar informações melhora entre os dez e os treze anos. Entretanto, embora os pesquisadores concordem que a sociedade e o ambiente influenciam o desenvolvimento do adolescente, eles divergem tanto em quanto, quando e em que proporção isto ocorre. Elizabeth Scott[4], professora de Direito da Universidade de Columbia, declara que muitos estudos referentes à avaliação da capacidade dos adolescentes em tomar decisões, falham por não levar em consideração a influência dos colegas, a tendência em focar nas coisas imediatas e não nas consequências a longo prazo, além da inclinação em fazer escolhas arriscadas.

O Comitê de Bioética da Academia Americana de Pediatria (AAP)[5], publicou seu posicionamento reconhecendo a habilidade da criança e sua capacidade em fazer escolhas de tratamento em situações de preservação da vida e incluiu orientações para os médicos. Embora as orientações declaram que os menores que possuem a capacidade de tomar decisões devem ser informados e devem decidir sobre os cuidados médicos a que serão submetidos, não explicam de que forma essas orientações devem ser implementadas mas definem a capacidade de tomar decisões como sendo: a habilidade de entender e comunicar informação relevante para uma decisão; a habilidade de raciocinar e deliberar a respeito da decisão; e a habilidade de aplicar um conjunto de valores para uma decisão que possa envolver elementos conflitantes. Porém, não há uma discussão sobre como essas determinações devem ser feitas, quem fará a determinação ou quem finalmente decidirá que a capacidade do menor é suficientemente adequada para rejeitar o tratamento.

O Centro para a Bioética Prática[6] baseou seu modelo na hipótese de que a idade não determina necessariamente a capacidade de tomar decisão, as crianças não são propriedade de seus pais, os menores possuem condição moral e posição legal independentes e os menores amadurecidos devem ser conduzidos por uma presunção de capacidade. Isto sugere que as crianças deve ser envolvidas nas decisões com respeito aos cuidados com a sua saúde e que o paciente menor deve ser incluído no processo do consentimento informado. Deve haver uma relação dialógica entre médico-paciente e médico-pais ou responsável legal  e quando surgir desacordos entre a criança e seus pais, o centro sugere que conversar com outro prestador de serviços de saúde ou consultar o comitê de ética do hospital pode ajudar a resolver o conflito.

Os tribunais são notoriamente inconsistentes na utilização de um modelo de prova necessário para a aplicação da doutrina do menor amadurecido. Alguns tribunais têm confiado no teste de evidência clara e convincente que prove a maturidade do menor. Os tribunais têm também aplicado o modelo da Rule of Sevens (do inglês “Regra dos Sete”), derivado da Common Law (do inglês "direito comum"). Esta regra se baseia na habilidade de raciocínio da criança e apóia a hipótese de que a criança maior de quatorze anos tem a capacidade de dar o seu consentimento para um determinado tratamento médico. A regra divide os menores em três grupos:
  • crianças menores de sete anos são absolutamente incapazes de formular uma intenção criminosa e não podem ser culpadas de crime, uma vez que falta o desenvolvimento cognitivo necessário para uma tomada de decisão autônoma;
  • crianças entre sete e quatorze anos, apesar de serem consideradas capazes de distinguir o certo do errado, são presumidamente consideradas relativamente incapazes de formular uma intenção criminosa;
  • crianças maiores de quatorze anos são presumidamente consideradas capazes e são socialmente e legalmente responsáveis por suas ações. 
      Entretanto, essas presunções  podem ser descaracterizadas por outras evidências.

Embora muitos tribunais concordam com as presunções utilizadas na “Regra dos Sete”, estas não são consistentes nos métodos utilizados para sua determinação. O tribunal de Illinois, por exemplo, tem se concentrado na capacidade do menor em compreender suas próprias ações. Nova Iorque tenta identificar se o menor já atingiu a “idade da discrição”, ou seja, aquela sujeita a certos direitos e obrigações. O tribunal da Pensilvânia se baseia no fato de o menor responder questões sem nenhuma hesitação e aparenta compreender os benefícios e/ou complicações de um procedimento, bem como se concorda ou discorda. No Tennessee, o tribunal analisa se o menor tem maturidade, experiência, educação e julgamento para fazer uma decisão com respeito ao tratamento médico.

Aparentemente, mesmo quando os tribunais reconhecem a doutrina do menor amadurecido, as decisões são sempre baseadas não especificamente no fato de o menor ter sido determinado maduro, mas no critério adicional conforme as opiniões citadas. Os tribunais permitirão eventualmente a recusa de tratamento por um menor, se pelo menos um dos pais concordar com a decisão do menor, ou se o menor estiver a poucos meses de completar os dezoito anos de idade, ou ainda, se o menor tiver expressado seu desejo e esse desejo for apoiado pelos seus pais.

Na maioria dos casos, os tribunais somente deferem a recusa do menor ao tratamento se um ou ambos os pais concordam com a decisão. Uma decisão madura e razoável dos pais, seja ela qual for, feita após consulta com os médicos e, possivelmente, com um membro do comitê de bioética do hospital deve ser honrada, evitando-se a agonia e o tempo envolvido em um desgastante processo judicial. Os pais conhecem seus filhos e geralmente estão em melhores condições do que outros para entender as necessidades específicas dos seus filhos e cuidar das decisões sobre os cuidados da saúde do menor.

A Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças (1996)[7] já estabelece a relevância da opinião e a possibilidade de consentimento do menor, pois reconhece que as crianças devem permitir que seus direitos e interesses sejam promovidos e que suas opiniões devem ser levadas em consideração; reconhece a importância do papel parental na proteção e promoção dos direitos e do superior interesse das crianças, e que, se necessário, os Estados devem participar nessa proteção e promoção; além do mais considera que, em caso de conflito, é desejável que as famílias cheguem a acordo antes de submeter a questão a uma autoridade judicial. Assim declara:

ARTIGO 3 - Direito a ser informada e de exprimir as suas opiniões no âmbito dos processos - À criança que à luz do direito interno se considere ter discernimento suficiente deverão ser concedidos, nos processos perante uma autoridade judicial que lhe digam respeito, os seguintes direitos, cujo exercício ela pode solicitar:
  • Obter todas as informações relevantes;
  • Ser consultada e exprimir a sua opinião;
  • Ser informada sobre as possíveis consequências de se agir em conformidade com a sua opinião, bem como sobre as possíveis consequências de qualquer decisão
ARTIGO 6 - O processo de tomada de decisão - Nos processos 
que digam respeito a uma criança, a autoridade judicial antes de tomar uma decisão deverá:
  • Verificar se dispõe de informação suficiente para tomar uma decisão no superior interesse da criança e, se necessário, obter mais informações, nomeadamente junto dos titulares de responsabilidades parentais;
  • Caso à luz do direito interno se considere que a criança tem discernimento suficiente: Assegurar que a criança recebeu toda a informação relevante; Consultar pessoalmente a criança nos casos apropriados, se necessário em privado, diretamente ou através de outras pessoas ou entidades, numa forma adequada à capacidade de discernimento da criança, a menos que tal seja manifestamente contrário ao interesse superior da criança; Permitir que a criança exprima a sua opinião;
  • Ter devidamente em conta as opiniões expressas pela criança
ARTIGO 10

1. No caso de processos perante uma autoridade judicial, que digam respeito a uma criança, o representante deverá, desde que tal não seja manifestamente contrário ao interesse superior da criança:
  • Dar à criança todas as informações relevantes, se à luz do direito interno se considerar que a criança tem discernimento suficiente;
  • Explicar à criança as possíveis consequências de se agir em conformidade com a sua opinião, bem como as possíveis consequências de qualquer ação por parte do representante, se à luz do direito interno se considerar que a criança tem suficiente discernimento suficiente;
  • Apurar a opinião da criança e transmiti-la à autoridade judicial.
2. As Partes deverão ponderar estender o disposto no n.º 1 aos titulares de responsabilidades parentais.

Assim sendo, nos termos da lei, se um menor não tiver capacidade para consentir numa intervenção, esta não poderá ser realizada sem a autorização do seu representante, de uma autoridade ou de uma pessoa ou instância designada pela lei. A opinião do menor é tomada em consideração como um fator cada vez mais determinante, em função da sua idade e do seu grau de maturidade . Portanto, não se deve mencionar a retirada do exercício do poder familiar (ou do responsável legal) em relação ao filho menor, mas a participação deste na tomada de decisão, mediante a constatação de sua capacidade de discernimento conforme aquisição de maturidade.

A participação ativa na tomada de decisões respeita, ainda, o direito à informação, incluindo o paciente pediátrico em ser informado sobre seu estado de saúde. A capacidade do menor respalda-se no princípio bioético da autonomia de vontade em que o menor demonstre a consciência moral para percepção e construção de um juízo de valor.

Entretanto, para que ocorra esta observância no consentimento livre e esclarecido do menor em razão da sua autonomia de vontade como paciente, é necessário que sua saúde esteja em condições à compreensão de entendimento sobre seu estado de saúde e sobre os riscos e benefícios que o intervencionismo médico lhe causará, agindo com a anuência de seus pais ou responsável legal na decisão sobre o âmbito da saúde, uma vez que não havendo a constatação de tal capacidade, a decisão recai sobre os pais ou responsável legal pela falta de autonomia decisória do menor.

Em todos os estados, pais de adolescentes, semelhante a outros pais, são considerados os responsáveis pelas decisões adequadas para os seus filhos e pode dar o consentimento informado para tratamento médico de seu filho. No campo da pediatria, nota-se a funcionalidade desta teoria para prevalência dos direitos fundamentais do menor, neles compreendidos o direito à saúde, à vida e à dignidade humana, respeitando-se a autonomia de vontade do paciente por meio do consentimento livre e informado na escolha do tratamento. O consentimento informado deve ser visto como uma parte essencial da prática pediátrica de cuidados da saúde e a autorização dos pais e o parecer favorável do menor é um processo fundamental para aumentar a inclusão do parecer da criança e do adolescente na tomada de decisão médica na prática clínica e na pesquisa.

Segundo o Comitê de Bioética da Academia Americana de Pediatria, os médicos devem envolver os pacientes pediátricos em seus cuidados de saúde na tomada de decisões, fornecendo informações sobre sua doença, opções de diagnóstico e tratamento, de uma forma adequada ao desenvolvimento, buscando parecer favorável sobre os cuidados médicos sempre que necessário.

Os pais devem, geralmente, ser reconhecidos como os decisores apropriados éticos e legais para seus filhos menores. Este reconhecimento afirma a compreensão íntima dos pais nos interesses de seus filhos e respeita a importância da autonomia da família. A substituição na tomada de decisão por parte dos pais ou responsáveis ​​para pacientes pediátricos, deve procurar maximizar os benefícios para a criança através do equilíbrio entre os cuidados necessários da saúde com as necessidades sociais e emocionais no contexto das metas gerais da família, valores, crenças religiosas e culturais.

Os médicos devem reconhecer que alguns pacientes pediátricos, especialmente os adolescentes mais velhos e aqueles com experiência médica por causa de doença crônica, podem possuir a capacidade cognitiva e de julgamento adequados para participar efetivamente no processo do consentimento ou de recusa informada para os objetivos propostos de atendimento. Deve haver uma comunicação contínua com o paciente, representantes e a equipe médica para esclarecer os valores e os objetivos do tratamento. Os médicos têm uma obrigação moral e ética, além de uma responsabilidade legal para questionar e, se necessário, contestar as decisões médicas do paciente e do representante se esta decisão colocar o paciente em risco significativo de danos graves (nota-se que há a obrigação de questionar e contestar mas não a de decidir). Os médicos devem perceber que o consentimento informado para permissão, aprovação ou recusa constitui um processo, não um evento discreto, e requer a partilha de informação e comunicação entre médico-paciente-família.

A RECOMENDAÇÃO CFM Nº 1/2016[8] traz os elementos do consentimento livre e esclarecido iniciais, informativos, a compreensão da informação e a capacidade para consentir. E os critérios para a obtenção do consentimento livre e esclarecido são expressos em três fases:
  • Elementos iniciais: são as condições prévias que tornam possível o consentimento livre e esclarecido, quais sejam: efetivação das condições para que o paciente possa entender e decidir e a voluntariedade ao decidir, ou seja, a liberdade do paciente para adotar uma decisão.
  • Elementos informativos, ou seja, a exposição da informação material, com a explicação da situação, recomendações e indicações diagnósticas e terapêuticas. A informação material inclui dados sobre diagnóstico, natureza e objetivos da intervenção diagnóstica ou terapêutica necessária e indicada, alternativas, riscos, benefícios, recomendações e duração. Os elementos informativos devem ser esclarecedores, a fim de propiciar uma decisão autônoma. A autonomia de decidir depende da compreensão da informação, o que não significa informação de detalhes técnicos desnecessários.
  • Compreensão da informação: apenas ocorre se os dois primeiros elementos estiverem consolidados. O ato do consentimento, em si, compreende a decisão a favor, ou contra, do plano diagnóstico-terapêutico proposto e/ou a escolha entre as alternativas propostas. Os pacientes estarão aptos a tomar uma decisão livre e autônoma se tiverem condições para entender a informação material, julgá-la em relação a seus valores, pretender certo resultado e comunicar, livre e coerentemente, seus desejos ao médico, manifestando sua voluntariedade. Quando houver dúvidas sobre as condições do paciente para decidir, é útil considerar que, para consentir, o paciente tem de ser capaz de processar e entender a informação material sobre sua situação; compreender, em linhas gerais, no que consiste o plano terapêutico que lhe está sendo proposto; e ponderar os possíveis riscos e benefícios, para tomar decisão com base nesta reflexão e comunicá-la ao médico.

Segundo a recomendação do CFM, a capacidade constitui elemento básico do consentimento e pode ser definida como a aptidão necessária para que uma pessoa exerça, pessoalmente, os atos da vida civil.

O menor com idade compreendida entre 16 e 18 anos é considerado relativamente incapaz, o que implica que será assistido por seus pais, devendo, em certas situações, ser também levada em consideração a manifestação dos pais.

Sob o prisma ético, consoante disposto no Código de Ética Médica, para a garantia da validade moral do consentimento dado, no caso de uma intervenção médica preventiva, diagnóstica ou terapêutica, sempre deverá ser considerada a opinião do paciente. A escolha do paciente será considerada na medida de sua capacidade de decisão individual, com base no domínio de diversas habilidades, entre as quais o envolvimento com o assunto, a compreensão das alternativas e a possibilidade de comunicação de uma preferência .

A participação do menor na obtenção do assentimento livre e esclarecido deve ser incentivada: o Estatuto da Criança e do Adolescente garante-lhe a liberdade de opinião e a expressão e o direito ao respeito de sua autonomia, sendo que, durante o processo, serão levadas em consideração sua idade e maturidade intelectual e emocional.

O critério para a determinação da capacidade para consentir, ou mesmo para recusar, compreende a avaliação da habilidade do indivíduo para, ao receber informações, processá-las de modo a compreender as questões postas e avaliar racionalmente as possibilidades apresentadas, ou seja, avaliar valores, entender riscos, consequências e benefícios do tratamento cirúrgico ou terapêutico a que será submetido.

A capacidade será sempre presumida, devendo ser comprovada apenas a incapacidade sempre que surgirem evidências desse estado.

Considerações finais

A Convenção, suas metas e objetivos devem ser amplamente divulgadas aos cidadãos nacionais, sob pena de flagrante descumprimento do instrumento ratificado. Organizações não Governamentais, grupo de estudos jurídicos, Grupo de Trabalho de Direitos Humanos da Procuradoria Geral do Estado e muitas outras entidades de proteção dos Direitos Humanos, devem priorizar a divulgação dos textos das Convenções e Tratados internacionais sobre Direitos Humanos, chamando atenção do país para o cumprimento dos ideais e das metas de que é compromissário.

_________________


[1] Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm
[2] Convenção sobre os Direitos da Criança. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99710.htm
[3] Portal Educação. Jean Piaget. Disponível em: http://www.portaleducacao.com.br/psicologia/artigos/53974/jean-piaget-biografia
[4] Columbia Law School. Elizabeth Scott. Disponível em: http://web.law.columbia.edu/faculty/elizabeth-scott
[5] American Academy of Pediatrics. Disponível em: http://www2.aap.org/sections/bioethics/Committee.cfm
[6] Caring Community. Disponível em: http://www.caringcommunity.org/helpful-resources/models-research/midwest-bioethics-centercenter-for-practical-bioethics/
[7] Tratados em Direitos Humanos. Disponível em: http://www.internacional.mpf.mp.br/links-tematicos/colecao-mpf-internacional-1/tratados-em-direitos-humanos-vol-4

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Somos iguais ou diferentes?


Durante a adolescência o ser humano luta para ser igual, deseja entrar para o grupo dos iguais. O adolescente sofre terrivelmente quando não é aceito pelo grupo, devido a algo diferente em seu corpo, sua personalidade, seu modo de ser. A partir disso, ele passa a negar-se a si mesmo e vai em busca do comum, seu desejo agora é ser igual aos amigos, quer se vestir de forma igual, ter o cabelo azul, ter os mesmos aparelhos eletrônicos, jogar os mesmos jogos, visitar os mesmos lugares, e assim por diante.

Em um determinado momento ele cresce, evolui em seu pensamento crítico, passa a ter opiniões próprias, nasce então o desejo de ser notado, inicia-se todo um processo de querer ser diferente dos demais, seu desejo agora é o de se destacar. Ele não quer mais ser igual, ele quer ser melhor. Então ele vai em busca do seu sonho, passa a vestir-se de forma diferente, muda o cabelo, conhece lugares diferentes e neste caso específico, quanto mais diferente o local visitado, melhor ele se sente. Além disso, ele defende veementemente suas escolhas e as considera melhores que as dos outros, e tenta convencê-los a fazerem.... o mesmo. Mas, ao mesmo tempo em que tenta padronizar seu semelhante, dá as costas à sua diferença de escolha.

O ser humano é interessante e merece ser estudado, sua interação com a sociedade é extremamente variável, tudo é subjetivo, relativo e medido por comparação, somos todos iguais mas queremos ser diferentes, no entanto, quando somos tratados como diferentes lutamos para ser tratados como iguais, ninguém sabe ao certo o que somos e o que queremos, talvez o que queremos realmente é ser aceitos da maneira que somos, e somos o que somos querendo ou não. Mas por que será que temos tanta necessidade de aceitação? Será medo do esquecimento, da rejeição?

Se esse for o problema, então na realidade não crescemos, continuamos com os mesmos medos bobos da adolescência. E estamos aí para provar que não sabemos nada da vida e nem de nós mesmos, e estaremos sempre tentando algo novo em relação aos nossos próprios conceitos e desejos. A relação humana padece de originalidade, uma vez que a originalidade é ser diferente, e o mundo globalizado tende a generalizar a mesmice, tornando a sociedade desinteressante.

É preciso nos redescobrir e nos revestir da personalidade sem estereótipos ou padronizações. A preocupação excessiva em ser aceito na sociedade provoca um ambiente enfadonho e desestimulante, entretanto, quem for dela vítima, mesmo que sofra, estará exercendo nada mais do que o seu próprio direito de ser quem é, afinal, todos somos diferentes, mas no fundo todos nós desejamos que todas as pessoas sejam igualmente diferentes como nós.

sábado, 6 de agosto de 2016

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana


Dignidade “é a qualidade de quem é digno, ou seja, de quem é honrado, exemplar, que procede com decência, com honestidade. É um substantivo feminino, que vem do latim dignitate, que significa honradez,virtudeconsideração.”[1]

Segundo o filósofo alemão Immanuel Kant, a dignidade é o valor de que se reveste de tudo aquilo que não tem preço, ou seja, que não é passível de ser substituído por um equivalente. A dignidade é totalmente inseparável da autonomia para o exercício da razão prática. Cada direito fundamental contém uma expressão da dignidade, ou seja, de autonomia e de liberdade.

A dignidade da pessoa humana é um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil e está relacionada com a própria condição humana, é uma qualidade inerente aos seres humanos enquanto entes morais é éticos, é sua integridade moral, inspira respeito e consciência de si mesmo, sendo a origem de todos os direitos fundamentais. O princípio da dignidade humana é inerente ao estado democrático de direito e sua aplicação consolida compromissos firmados em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Como em outros países democráticos, no Brasil o princípio da dignidade humana não está restrito somente à tutela da vida humana, mas é extensivo à vida ambiental e ao equilíbrio ecológico da natureza. O respeito à dignidade humana se manifesta na preservação da vida humana com qualidade de vida, o que só se torna possível mediante a preservação e conservação do meio ambiente. Ao se proteger o meio ambiente está se protegendo a vida humana das gerações presentes e futuras, assegurando a qualidade de vida ambiental e um meio ambiente equilibrado e sustentável.

O direito à vida é garantido constitucionalmente e pressupõe não apenas o direito de existir biologicamente, mas o direito de existir com autonomia e liberdade. Portanto, vida sem dignidade não é vida com qualidade. Um ataque a essa dignidade é caracterizado como “danos morais” e se na justiça é provado o contrário é cabível uma reparação do acusador.

Cabe à bioética considerar as manifestações da sociedade contra os abusos cometidos pela pesquisa científica em biomedicina e em biotecnologia, buscando encontrar solução para o impasse estabelecido entre a necessidade de promover os avanços científicos e proteger os direitos humanos. O princípio da dignidade humana deve ser respeitado por toda a sociedade brasileira, consolidando, por conseguinte, a própria bioética nacional.

O indivíduo com plena capacidade civil de se autodeterminar também tem capacidade para decidir sobre sua vida e a disponibilidade e integridade do seu corpo. O princípio da autonomia prioriza a vontade de decidir o que é melhor para si, para sua vida, sua saúde, sua felicidade, prioriza a dignidade humana da pessoa, resguardando seu direito de escolher se quer ou não ter uma vida com qualidade.

No que tange a estreita relação entre a medicina e a ética, o desenvolvimento tecnológico trouxe um aumento de produções médicas que ameaçam a essência do ser humano, da morte, da vida e da identidade pessoal, e causam a desumanização da medicina. O paciente, ainda que afetado por uma doença, continua sendo uma pessoa humana, detentora de todas as garantias destinadas à sua proteção e é sujeito de direito, com igualdade de direitos, não podendo ser discriminado em razão de idade, raça, sexo, gênero, cor, estado de saúde, nacionalidade, condição social ou religião.

Desrespeitar os desejos do paciente, que deseja optar por tratamentos específicos, aniquilará sua esfera mais íntima da vida, e a sua própria condição de humano, e é exatamente por isso que o ordenamento jurídico deve proporcionar-lhe meios mais efiazes de defesa e salvaguarda de seus direitos. A autonomia é liberdade e o médico não pode exercer pressão de modo a fazer prevalecer sua posição, mas deve respeitar o paciente para que este decida com liberdade.

Embora o princípio da dignidade humana esteja disposto no art. 1º, inciso III da CF/88, e fundamentado no princípio bioético da autonomia da vontade, o qual, por sua vez, estrutura-se no princípio da liberdade individual, pilar do estado democrático de direito da República Federativa do Brasil, sua aplicação ampla ainda não é realidade, seja em aspectos concernentes à prática clínica, seja no que diz respeito à equidade social. Cabe aos estudiosos da bioética a responsabilidade de fomentar no público em geral o conhecimento sobre os princípios básicos de bioética e seus instrumentos de reflexão, para que se possa agir quando das violações de direitos humanos.

Assim sendo, seria conveniente que todos os cursos de Direito e de Medicina tivessem em suas grades curriculares a disciplina de educação ambiental lato sensu, ou de bioética stricto sensu, com o escopo voltado a conscientizar os profissionais dessas áreas sobre a validade, alcance e importância dos seus princípios.[2]




[1] http://www.significados.com.br/dignidade/

[2] http://www.revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/586/592

AZEVEDO, Álvaro Villaça; LIGIERA, Wilson Ricardo; et al. DIREITOS DO PACIENTE. Editora Saraiva. 2012.


quarta-feira, 13 de julho de 2016

Vitória do Direito de Escolha

Um dos preceitos seguidos pelos Testemunhas de Jeová em sua religião é o de que introduzir sangue no corpo pela boca ou pelas veias viola as leis de Deus, pois, segundo eles, o procedimento contraria o que está previsto nas passagens bíblicas. Tal crença impede que essas pessoas recebam transfusões de sangue até mesmo nos casos emergenciais em que há risco de vida.

Em virtude desse fato, uma mulher adepta da religião recorreu ao TRF da 1ª Região buscando a suspensão dos efeitos de uma decisão, proferida pelo Juízo Federal da 18ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais (SJMG), que autorizou a equipe médica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, gerido pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), a realizar uma transfusão de sangue forçada na paciente, então agravante no processo.

Ao ajuizar a ação em busca da autorização para realizar o procedimento, a EBSERH alegou que a transfusão seria urgente e indispensável para a preservação da vida da paciente, internada no Hospital Universitário da UFMG desde o dia 12 de março de 2015, quando foi diagnosticada com Leucemia Linfoblástica Aguda (LLA) e recebeu a prescrição do tratamento por meio de quimioterapia. Por também apresentar anemia, os médicos indicaram a transfusão de sangue.

No entanto, após receber os esclarecimentos sobre seu estado de saúde e as formas de tratamento disponíveis, a parte agravante explica que manifestou, de forma verbal e em um documento de diretivas antecipadas, sua opção por um protocolo médico que dispensasse a utilização de componentes sanguíneos. A decisão foi tomada com base em suas convicções religiosas e na existência de opções terapêuticas sem sangue e riscos transfusionais, como as que utiliza desde o dia em que foi hospitalizada.

Ao analisar a questão, o relator, desembargador federal Kassio Nunes Marques, citou entendimento do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, expresso no parecer intitulado "Legitimidade da recusa de transfusão de sangue por Testemunhas de Jeová. Dignidade Humana, liberdade religiosa e escolhas". De acordo com o documento, a liberdade de religião é um direito fundamental, uma das liberdades básicas do indivíduo, constituindo escolha existencial que deve ser respeitada pelo Estado e pela sociedade. A recusa em se submeter a procedimento médico por motivo de crença religiosa configura manifestação da autonomia do paciente, derivada da dignidade da pessoa humana. O mesmo parecer afirma que a transfusão compulsória violaria, em nome do direito à saúde ou do direito à vida, a dignidade humana, que é um dos fundamentos da República brasileira.

Com base nesses argumentos, o magistrado acatou o pedido da paciente por entender que existem outras formas de tratamento para o caso. “Ao contrário do que alega a EBSERH e aduz a decisão impugnada, há outro tratamento médico que poderá ser dispensado à paciente – que não implique em transfusão de sangue –, como na hipótese do medicamento consentido pela paciente para a correção da anemia, que é a Eritropoetina (hormônio que atua na medula óssea para a produção de células sanguíneas). Assim, diante dos elementos dos autos, verifico a possibilidade de a agravante eleger o tratamento que lhe aparenta mais pertinente e adequado à sua pronta recuperação, direito esse constitucionalmente assegurado, independentemente de crença religiosa”, concluiu o desembargador Kassio Nunes Marques.

Requisitos – é importante destacar que a possibilidade de recusa de tratamento pelos Testemunhas de Jeová requer o consentimento genuíno, e para que ele seja legítimo é preciso verificar a presença de alguns aspectos ligados ao sujeito do consentimento, à liberdade de escolha e à decisão informada. O sujeito do consentimento é o titular do direito fundamental em questão, que deverá manifestar de maneira válida e inequívoca a sua vontade. Para que essa escolha seja válida deverá ele ser civilmente capaz e estar em condições adequadas de discernimento para expressá-la.

Processo nº: 0013951-83.2016.4.01.3800/MG

Fonte: http://www.rondoniagora.com/geral/noticia/2016/06/justica-federal-testemunha-de-jeova-nao-pode-receber-transfusao-de-sangue-forcada.html

terça-feira, 7 de junho de 2016

O Direito à Vida e sua Indisponibilidade











A Declaração Universal dos Direitos Humanos[1] adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, em seu preâmbulo considera o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Nos três primeiros capítulos declara que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos com capacidade para gozar seus direitos com liberdades sem distinção de espécie, raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição, e que todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

O Pacto Internacional dos Direitos Políticos[2], em seu artigo 6, ítem 1 declara que “O direito à vida é inerente à pessoa humana. Esse direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.” A Constituição Federal[3], em seu artigo 5º, caput, protege o direito à vida, como direito fundamental, consagrando a sua inviolabilidade.

Podemos notar que o direito à vida é direito essencial garantido a todas as pessoas, sem nenhuma distinção, trata-se do primeiro e mais fundamental direito da personalidade. Por sua vez, o direito à vida não reconhece ao seu titular o direito de dispor de sua própria vida, cabendo ao Estado dar proteção a esse direito.
             
Não há como impedir o avanço da ciência, e esse avanço, sobretudo na área da Biotecnologia, tem trazido novos conceitos e discussões bioéticas, inclusive acerca do caráter absoluto da vida humana e da sua indisponibilidade. Interessante notar que a indisponibilidade da vida não resulta de um mandamento constitucional, uma vez que a Constituição Federal trata a vida como inviolável e não como indisponível. Considerando as duas palavras em sentido etimológico, vemos que possuem diferentes significados. “Violação” e “violar” vêm do Latim violare, “tratar com violência, ultrajar, desonrar”, possivelmente relacionado a “força, violência”.[4] “Dispor” vêm do latim disponere, “resolver, decidir, determinar, servir-se, utilizar-se, alienar”.[5] Portanto, inviolável é algo que não se pode  desrespeitar, desonrar, não pode ser tratado com violência, refere-se à outros com relação à esse direito. A inviolabilidade diz respeito a direitos outorgados a certas pessoas. Já a indisponibilidade é atributo daquilo que não se pode dispor ou ceder. Indisponível é algo que não se pode decidir, fazer dela o que quiser, refere-se ao seu próprio direito de uso.

O ordenamento jurídico não é ciência exata, necessita de amparo moral, cultural e temporal para ser determinado, e mesmo assim nunca é absoluto, também necessita de limites éticos-jurídicos para que tais práticas não firam os direitos da pessoa humana. O que dizer do aborto eugênico?[6] Do aborto em decorrência do estupro?[7] Do descarte dos embriões? Não se trata de homicídio ou infanticídio? Onde está a inviolabilidade ou a indisponibilidade da vida nestes casos? De modo que o direito à vida deve ser analisado sob um novo enfoque, trazido pelo princípio constitucional da dignidade humana e pelo próprio contexto social e intelectual da atualidade. É perfeitamente legítimo que o titular de um direito fundamental, voluntariamente, abra mão de certas posições jurídicas.



[1] UNICEF BRASIL. Disponível em: http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133.htm
[2] Anexo ao DECRETO No 592, DE 6 DE JULHO DE 1992. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm
[3] Constituição Federal, art. 5º, caput. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
[4] Origem da Palavra. Site de Etimologia. Disponível em: http://origemdapalavra.com.br/site/palavras/violar/
[5] Wikcionário. Disponível em: https://pt.wiktionary.org/wiki/dispor
[6] DireitoNet. Aborto Eugênico. É um tipo de aborto preventivo executado em casos em que há suspeita de que a criança possa nascer com defeitos físicos, mentais ou anomalias, implicando em uma técnica artificial de seleção do ser humano. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/542/Aborto-Eugenico
[7] Código Penal, artigo 128. Aborto no caso de gravidez resultante de estupro  II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
AZEVEDO, Álvaro Villaça; LIGIERA, Wilson Ricardo; et al. DIREITOS DO PACIENTE. Editora Saraiva. 2012.

Direito de Escolha do Menor em Lisboa

Tribunal da Relação de Lisboa Íntegra da Reportagem Um jovem de 16 anos diagnosticado com leucemia aguda  recusa-se a receber qualquer trans...