Íntegra da matéria publicada em 2 de agosto de 2018.
A 4ª turma do STJ garantiu indenização para
um jovem e seus pais após sequelas resultantes de uma cirurgia. O caso não
tratou de erro médico, mas sim da falta de informação adequada para o paciente
sobre os riscos do procedimento. O colegiado acompanhou o voto-vista divergente
do ministro Luis Felipe Salomão.
O jovem submeteu-se a procedimento
cirúrgico anos após um acidente de trânsito por conta de tremores nas mãos. A
cirurgia foi feita nos dois lados do cérebro, e com ela o paciente perdeu a
capacidade de realizar atividades básicas e passou a depender de cadeira de
rodas, entre outras sequelas.
O TJ/DF entendeu pela inexistência de culpa
do médico e afastou a responsabilidade do hospital, afirmando que a ausência de
registro da comunicação de informação ao paciente não significa que não foi
alertado dos riscos, uma prática na atividade médica.
Para dizer que não houve falha no dever de
informação a Côrte de origem assentou que (i) sempre há risco nos
procedimentos; (ii) a família tinha boa condição socioeconômica e por isso
deveria ter conhecimento dos riscos; e que (iii) a não existência de
documentação das informações passadas não quer dizer que não foram
transmitidas.
O relator do recurso no STJ, desembargador
convocado Lázaro Guimarães, manteve o acórdão.
Dever de informação - Exercício da
autodeterminação
O ministro Salomão apresentou voto-vista na
sessão desta quinta-feira, 2, divergindo do relator. O ministro citou doutrina
atestando a importância do
reconhecimento da autonomia do paciente e sua capacidade de se autogovernar,
fazendo escolhas e agindo conforme suas próprias convicções.
Além da Constituição (art. 5º, II), de
documentos internacionais (Parecer sobre Direitos dos Pacientes, Declaração de
Lisboa) e dos princípios do código de ética médica, o ministro destacou a
previsão do CDC de informação clara e adequada ao consumidor.
“Inexiste no ordenamento jurídico
brasileiro qualquer norma que imponha o consentimento escrito. Não há
necessidade de ser escrito, e sim de ser provado e expresso. Pode até ser
verbal. No código consumerista o direito à informação é considerado direito
fundamental do consumidor.”
Conforme o voto de Salomão, o consentimento informado é manifestação do
direito fundamental de autodeterminação do paciente e confere legitimidade ao
ato médico. S. Exa. narrou que a doutrina que trata do tema invoca
precedente do ministro Rui Rosado (de 2002) no qual já se falava em obrigação
do consentimento informado.
“O acórdão [de origem] adota conjecturas
sem nenhuma base na prova dos autos. O voto vencido, esse sim, disse com base
na perícia, que houve crônica dificuldade de comunicação ou entendimento entre
as partes. Foram utilizadas ilações e conclusões sem nenhuma base direta. A indenização é decorrente da falta de
esclarecimentos acerca dos riscos que interferem na decisão de escolha de
realizar o procedimento ou não.”
O ministro Luis Felipe Salomão asseverou
que os fundamentos e fatos das instâncias ordinárias não se mostram aptos a
demonstrar o cumprimento pelo médico do dever de informação dos riscos.
Quanto ao valor da indenização, manteve o
que foi concedido no voto-vencido no Tribunal de origem: R$ 100 mil para o
paciente e R$ 50 mil para seus pais. “Pela cirurgia, que poderia não ter
acontecido, e levou ao sensível agravamento do seu estado de saúde. São
limitações físicas muito mais severas.”
O recurso foi parcialmente provido para
deferir apenas a indenização por dano moral. Os ministros Marco Buzzi, Antonio
Carlos Ferreira e Isabel Gallotti acompanharam a divergência. A ministra
Gallotti destacou:
“Como enfatizou o ministro Salomão, não
está em discussão se houve ou não erro médico. O voto-vencido na origem até
disse que não se comprovou erro médico. A
questão se prende ao direito de dever informação e competia ao médico
demonstrar isso. E não foi falta de informação apenas sobre os riscos, mas a
própria especificação de que seriam feitos dois procedimentos, um de cada lado
do cérebro. Não se tratou de procedimento em caráter de emergência – para
salvar uma vida – não há mesmo como se colher uma assinatura ou prestar
informação detalhada nessa situação. Seria de todo possível e necessário que
fosse feito esclarecimento, se houvesse, de que seriam dois e não apenas um
procedimento, e dos dois lados do cérebro, e possíveis riscos, poderia ter sido
tomada outra opção pelo paciente e seus pais, de se submeter a um e não aos
dois concomitantemente. Evidenciado que não houve prova do cumprimento do dever
de informação.”
Processo: REsp 1.540.580
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Fonte: