sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Guia Prático para Avaliação Inicial de Maus Tratos a cães e gatos


(divulgação parcial do Guia Prático)

Nas últimas décadas pesquisadores e profissionais de diferentes áreas do conhecimento estabeleceram correlações significativas entre o abuso de animais, o abuso e negligência de crianças, a violência doméstica, o abuso de idosos e outras formas de violência. O ato de maltratar animais não é mais visto como um incidente isolado que possa ser ignorado e sim pode, muitas vezes, representar um crime indicador ou preditor, sendo um sinal de alerta de que outros indivíduos no agregado familiar possam não estar seguros.

Neste contexto, existe uma forte correlação com os conceitos da “Saúde Única”, a qual considera a necessidade de que tanto pessoas quanto animais e o meio ambiente, sejam adequadamente cuidados e integrados, para que esta dinâmica possa existir. Vários aspectos da vida em comunidade e da saúde pública estão relacionados aos casos de negligência, crueldade ou violência ativos, bem como os de acumuladores de animais. A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece também outros registros criminais, sendo que 50% destes registros são de crimes de violência contra as pessoas.

No Estado de São Paulo, deparamos com a inexistência de cursos preparatórios e de manuais informativos que auxiliem o agente público no momento de uma inspeção para avaliação inicial de casos de maus tratos. O presente guia traz aspectos que envolvem necessidades e cuidados básicos com cães e gatos, bem como, informações sobre uma avaliação do ambiente no qual o animal está inserido e do manejo oferecido pelo tutor.

OBJETIVO - Colaborar com agentes públicos designados para o atendimento de denúncias de maus tratos a cães e gatos, através de um protocolo básico que possibilite o levantamento inicial da situação denunciada. Assim, criar-se-á embasamento para encaminhamento aos órgãos competentes e demais ações cabíveis, de acordo com o nível de comprometimento da Saúde Única no ambiente em que o animal esteja inserido.

CONCEITUAÇÕES E DEFINIÇÕES - Maus tratos intencionais: têm objetivo de produzir dano físico ou psicológico ao animal. Observa-se, por exemplo, a agressão direta ao animal ou crueldade intencional.

Maus tratos não intencionais: resultante de um conjunto de fatores não premeditados, tais como falta de supervisão, indiferença, negligência ou falta de conhecimento; ou ainda de patologias psicossociais do tutor (por exemplo, esquizofrenia ou síndrome de acumulador).

Negligência: quando não é fornecido os devidos cuidados a animais que estejam sob responsabilidade da pessoa em questão, sendo a negligência intencional ou não. Geralmente é resultante da falha em fornecer recursos básicos necessários, tais como: água, alimento e abrigo.

Crueldade: qualquer ação que gere sofrimento ou danos desnecessários aos animais. Uma demonstração clara de crueldade é a falta de cuidados veterinários no caso de feridas ou lesões abertas ou animais que fiquem presos, acorrentados, sem possibilidade de se mover ou deitar.

Avaliação do bem-estar: a avaliação do bem-estar dos animais é realizada através de alguns indicadores: possibilidade ou não que o animal tenha de executar comportamentos naturais;  recursos presentes no ambiente adequados para cães e/ou gatos; observações comportamentais diretas; parâmetros fisiológicos e biométricos.

Classificação do bem-estar: a avaliação do bem-estar dos animais pode ser classificada em três níveis:

bem-estar inadequado:

  • recursos ambientais insuficientes para a execução do comportamento natural e/ou 
  • restrição severa de espaço e/ou 
  • contato social inadequado com animais da mesma espécie; 
  • animais com comportamentos anormais; 
  • animais demonstrando medo na presença do tutor.

bem-estar parcialmente adequado:

  • recursos ambientais parcialmente satisfatórios; 
  • alguma restrição de espaço; 
  • atividades comportamentais limitadas; 
  • ausência de eventos positivos de interação entre animal e tutor; 
  • ausência de passeios guiados quando se tratar de cães. 


bem-estar adequado:

  • recursos ambientais suficientes; 
  • animal com liberdade de movimento e possibilidade de execução de grande parte dos comportamentos naturais; 
  • contato social com animais da mesma espécie; 
  • ocorrência de eventos positivos de interação com o tutor; 
  • passeios guiados regulares; 
  • ausência de comportamentos anormais; 
  • animal calmo ou com demonstração de emoções positivas (“felicidade”).


RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E AVALIAÇÃO INICIAL

Muitas denúncias são relacionadas a animais que não estão recebendo alimento e/ou água, atendimento veterinário, abrigos adequados, animais acorrentados, entre outros. É difícil lidar com estas queixas, pois em muitas situações o animal pode estar sofrendo mesmo que não esteja sendo submetido a abuso direto. Geralmente estas situações ocorrem porque as pessoas não consideram a extensão das responsabilidades envolvidas antes de se tornarem tutores de um cão ou gato.

Um exemplo seria: Uma família ganhou um cachorrinho filhote que durante seus primeiros meses de vida se tornou o centro das atenções da casa. Mas depois que o animal ficou adulto, aos poucos as pessoas foram perdendo o interesse por ele. A negligência faz com que o animal adquira hábitos indesejáveis (ex. destruir móveis), além de já não estar tão bonito e bem cuidado. Este cão então passa a viver acorrentado no quintal. Por latir demais, ou apresentar um problema de saúde, a família finalmente decide abandoná-lo, soltando-o na rua ou em alguma região distante. No recebimento da denúncia deve ser preenchido formulário próprio que contenha:


  • data e horário da denúncia 
  • funcionário que registrou a denúncia 
  • dados do denunciante (optativo) 
  • dados do denunciado: nome, endereço, ponto de referência 
  • descrição da denúncia e do(s) animal(is) envolvido(s) 


Quando da análise da denúncia, considerar o estado emocional do denunciante, manifesto em sua fala e atitude ao descrever o caso. Em uma denúncia objetiva, o foco em geral está no animal e em uma descrição coerente da situação que motivou a mesma. Quando houver exagero na crítica e desqualificação do agressor, considerar a possibilidade de motivações adicionais do denunciante, independentes de haver ou não maus tratos ao animal.

Exemplos possíveis para esta situação seriam:

  • desentendimento entre vizinhos (que pode até ser causado pelo animal em questão - por exemplo, pelos latidos contínuos do mesmo); 
  • violência doméstica (ex. marido agredindo esposa), a qual o denunciante deseja denunciar “indiretamente”; 
  • desejo de guarda ou posse do animal em questão por parte do denunciante; 
  • perfil psicossocial do denunciante (ex.: utilização do órgão fiscalizador como meio de autopromoção político-social); 


PREPARAÇÃO PARA O ATENDIMENTO DE DENÚNCIA

Materiais e equipamentos:  prancheta com formulário, caneta, lápis,  check-list de avaliação impresso (várias cópias) - vide anexos  câmera ou celular (registro de fotos, vídeos)

ABORDAGEM INICIAL DA DENÚNCIA

Conduta em caso de não haver pessoas presentes no endereço denunciado, porém animais visíveis, ou evidência da presença dos mesmos (exemplos: casa fechada, terreno baldio, casa não-habitada ou abandonada, sítio ou chácara frequentado apenas no final de semana, etc): averiguar, se possível, as condições dos animais e do ambiente do local; deixar um recado escrito a respeito da visita ocorrida;  repetir a visita em data futura; se houver sinais de risco de morte iminente para os animais do local, proceder como no item (a) acima (acionar a polícia - obtenção de mandado de busca e apreensão).

Acesso permitido pelo denunciado: o agente público deverá ter sido treinado especificamente para a forma de abordagem do denunciado, considerando em especial: abordagem não-confrontacional, não colocando o denunciado em posição defensiva e solicitando, educadamente, a sua colaboração;  atenção à presença de sinais sugestivos de transtorno psicológico no denunciado (exemplo: neurose – acumulador de animais; psicose – surtos psicóticos); estes transtornos podem significar riscos para outras pessoas ali domiciliadas (violência doméstica), contra vizinhos, ou até contra o próprio agente. Se houver claros sinais de que o comportamento do denunciado se altera para pior durante a visita (ex. agressividade contra o agente, contra o animal, ou contra outras pessoas), pode ser preferível interromper a mesma e acionar a Polícia ou outra esfera do poder público, incluindo o Serviço Social.


CUIDADOS MÍNIMOS COM OS ANIMAIS

Cães 
Água fresca e limpa (em um recipiente à prova de derramamento) deve estar acessível durante as 24 horas diárias. Devem ser alimentados pelo menos uma vez por dia com um alimento para cães de boa qualidade e em quantidade suficiente para assegurar um bom desenvolvimento e manter um corpo saudável. Abrigos para cães que são mantidos fora de casa, ou no quintal, em tempo integral ou parcial: O abrigo deve proteger de frio, sol, chuva, calor e demais fatores ambientais; Casinhas devem ser adequadas ao porte do animal: grandes o suficiente para permitir acesso e movimento sem restrições. Cães amarrados – a contenção em corda ou corrente é contraindicada e deve ser evitada ao máximo. Quando ela for imprescindível devido às características do ambiente ou do animal, deve ser feita através de dispositivo de arame (corrente correndo em extensão de arame fixado em superfície ou “varal”) que permita o máximo de mobilidade e liberdade de movimentos ao cão, que deve ter acesso contínuo a alimento, água e abrigo. Coleiras: devem ser folgadas o bastante para se passar, com folga, dois dedos entre a coleira e o pescoço do cão. Atenção especial a animais jovens (nem sempre os tutores lembram de ajustar a coleira à medida que o filhote cresce). Dejetos: o quintal, canil ou local onde o cão se encontra deve se encontrar limpo e ser diariamente higienizado, sem presença acumulada de fezes e urina. Não se recomenda que os cães estejam constantemente isolados dos seus donos, pois eles são animais sociais que têm necessidade psicológica de estar com suas famílias humanas.

Gatos 
Água fresca e limpa (em um recipiente à prova de derramamento) deve estar sempre acessível. Devem ser alimentados pelo menos uma vez por dia com um alimento para gatos de boa qualidade e em quantidade suficiente para desenvolver e manter um corpo saudável. Gatos que vivem dentro de casa deve ter acesso a caixas de areia para defecação e micção. O material deve ser limpo diariamente para não acumular fezes e urina. Todos os gatos devem ter carteirinha de vacinação antirrábica, que pode ser solicitada pelo avaliador. Gatos que vivem em quintal, sem acesso ao interior da residência, devem ter um abrigo adequado. O local onde os gatos permanecem deve ser limpo e higienizado, sem acúmulo de fezes, urina e dejetos. Alguns sinais de negligência, doença, ou sugestivos de maus tratos: Aparência do animal: olhos apáticos, fechados ou semi-cerrados, presença de secreção; corrimento nasal, respiração laboriosa, tosse; orelhas feridas, com secreção, ou com ácaros; feridas na pele, pelos com nós, pelagem com falhas; vômitos ou diarreia, ou evidência dos mesmos; Condições de Habitação dejetos acumulados; número inadequado de caixas de areia, ou caixas de areia muito sujas falta de alimento ou água falta de abrigo, superlotação: muitos animais em espaço reduzido ou insuficiente. Comportamento: agressividade excessiva; medo (esconder-se, recear contato físico) comportamentos compulsivos, tais como coçar-se ou morder-se constantemente; vocalização excessiva.

Comissão de Bem-estar Animal – CRMV - SP – 2018
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Acesse a íntegra do Guia Prático aqui:

https://www.crmvsp.gov.br/arquivo_legislacao/GUIA_PRATICO_PARA_AVALIACAO_INICIAL_DE_MAUS_TRATOS_A_CAES_E_GATOS.pdf?fbclid=IwAR2yaOGBtxXz79YU4-KYtlr0h18XOnpfUJpOfz7fHqhWud1-TryWk-mxOdg

http://portal.cfmv.gov.br/lei/index/id/903

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

A empatia e o paternalismo médico




No dia 21 de novembro de 2018, o Conselho Federal de Medicina (CFM) fez uma postagem em comemoração ao Dia Nacional da Homeopatia[1], especialidade médica reconhecida pelo CFM desde 1980. Eu, como gosto da Homeopatia, fiz um comentário na postagem dizendo que a homeopatia já é comprovada há anos e que inclusive a utilizo nos meus animais. Como já era de se esperar, fui expressamente massacrada por estudantes de medicina e médicos residentes enfurecidos, em sua maioria. Os demais comentários negativos também foram dirigidos ao próprio CFM.

Não vem ao caso a minha preferência pessoal, mas o que me chamou a atenção foi notar a agressividade dos estudantes com relação à minha opinião, sob o argumento de que a minha opinião “tem potencial de causar dano a um paciente por ser baseada em evidências equivocadas.”  - Obviamente essa pessoa não está interessada no dano que uma decisão possa causar a alguém, mesmo que equivocada, ...sendo evidente que o que ele quer, de fato, é ratificar sua opinião própria como sendo a melhor baseada em evidências científicas.

Meu objetivo aqui não é tratar de evidências científicas, mas de algo que considero muito maior, o respeito. O incidente mencionado acima me faz imaginar como esse jovens médicos, que não respeitam nem mesmo a autarquia que fiscaliza, regulamenta e exerce funções de interesse da classe médica, tratarão seus pacientes? 

A empatia já é de longe, uma das qualidades que mais está em escassez nos tempos atuais. É possível notar que, geração após geração tem aumentado o egoísmo, o egocentrismo e a falta de respeito de forma generalizada. As pessoas não respeitam os mais velhos, nem as vagas especiais, não se importam com os direitos dos outros, ou seja, vivemos em um mundo onde “as pessoas só enxergam seus próprios umbigos”, mas exigem seus direitos de forma fervorosa quando algo os afeta direta e pessoalmente.

A empatia  é a qualidade de se colocar no lugar do outro, são reações cognitivas e emocionais diante das situações vivenciadas pelo semelhante, de forma a projetar-se emocionalmente para a pessoa observada, sendo capaz de imaginar como agiria se estivesse naquela mesma situação.

Acredito que muitas pessoas já tiveram experiências ruins com médicos também ruins, e isso não tem relação com a idade do médico ou seu tempo de formação. Há experiências boas e ruins com médicos experientes e com jovens médicos ou recém-formados, isso apenas confirma que a empatia pode ser aprendida e desenvolvida com uma boa educação, mas isso é muito pessoal e se não houver interesse e incentivo, é possível morrer sem ela.

A empatia pode enriquecer a prática médica e deve ser discutida de forma sistemática nos estudos da relação médico-paciente na formação de novos médicos, a fim de treiná-los em suas qualidades humanísticas, uma vez que tem importância fundamental para a efetividade dos processos diagnósticos e terapêuticos, indispensáveis para o profissional da saúde. O médico tem o dever de respeitar os sentimentos e as escolhas dos pacientes. Entretanto, o que se tem notado é que o humanismo da profissão perdeu-se na ingenuidade romântica do sonho da graduação.

Estudos mostram que a empatia dos estudantes de medicina revelam uma deterioração das habilidades empáticas dos estudantes em anos mais avançados do curso. (O estudo tratou das causas, mas as causas não são relevantes para o assunto abordado aqui).

O curso de medicina sempre esteve no topo das carreiras mais concorridas nos vestibulares. Por que todo mundo quer ser médico? Basta fazer uma pesquisa amadora pela internet para verificar que a causa principal não é a vocação ou o desejo de ajudar pessoas, mas sim, o status da profissão, a vaidade e o culto à personalidade, etc.

O médico se sente superior às outras pessoas e isso é cultural e bem antigo, porém, quando ele encontra um paciente que não aceita se submeter às suas regras, ele se sente subjugado e humilhado. Isso é um grande equívoco, pois respeitar o direito do paciente não o coloca em situação inferior.

Quando a tomada de decisão médica desconsidera a opinião do paciente plenamente capaz constitui-se  uma conduta unilateral, chamada de paternalismo médico. Quando o princípio da beneficência não respeita o princípio da autonomia do paciente, isso resulta em ações paternalistas.

O paternalismo médico tornou-se uma tradição hipocrática e ainda é algo amplamente difundido pelos mestres das escolas médicas, de forma que os estudantes de medicina são incentivados a tomarem decisões, que consideram ser as melhores para os pacientes, mesmo sem os consultarem ou obterem seu consentimento.

A beneficência é um princípio bioético que se constitui em uma das prerrogativas do exercício da medicina e diz respeito a agir no melhor interesse do paciente. O respeito à pessoa do paciente é elemento essencial na ética deontológica central da medicina e assim deve ser também na prática.

Não sou contra a medicina nem contra os médicos (isso seria uma insanidade), pelo contrário, sou contra a atitude paternalista de certos médicos arrogantes, que se consideram semi-deuses e querem impor sua opinião à força em seus pacientes vulneráveis.

Conheço e já fui atendida por muitos médicos excelentes, mas também já deixei alguns falando sozinho no consultório, pois nem no meu rosto olhou. Por outro lado, há médicos que realmente exercem a medicina por vocação e isso é nítido pela maneira como tratam seus pacientes.

Todos podemos atingir a excelência profissional por utilizarmos nossos conhecimentos com sabedoria e respeito. Não vivemos mais em uma sociedade ignorante como a do passado, onde as pessoas sequer conheciam seus direitos. Vivemos hoje em um mundo globalizado com acesso rápido à informação, isso é excelente mas certamente incomoda muitas pessoas.

As pessoas, em especial os pacientes, querem ser tratados e não apenas curados. Os médicos precisam entender que não são deuses e o poder da cura não está em suas mãos, portanto, não há razão para se sentirem superiores a ninguém.

“Um bom médico também deve praticar a humildade. A medicina desperta muito prestígio, mas isso não deve ditar a tônica do comportamento, dentro ou fora do ambiente de trabalho. Humildade também levará o médico a perceber seus limites, e reconhecer o momento em que, para exercer de forma plena o seu ofício, precisará recorrer à pesquisa, aos estudos e aos colegas.”[2]

Uma atitude de desrespeito para com os pacientes  resulta em falta de confiança em toda a classe médica e causa ainda mais demandas judiciais contra médicos. 

Exercer a humildade e a empatia não dói e ainda pode ser a cura!

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Referências:


quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Cell Saver - Recuperação Intraoperatória de Sangue


Cell Saver

A Recuperação intraoperatória de sangue é uma técnica de recuperar o sangue perdido pelo paciente durante a cirurgia e reinfundir no paciente por meio de uma máquina chamada Cell Saver.

Trata-se de um procedimento que ganhou maior atenção e aceitação tendo em vista os inúmeros riscos associados às transfusões de sangue, que apesar dos avanços na prevenção da transmissão de doenças, ainda continua sendo um grande desafio. Tais riscos envolvem a transmissão de infecções por bactérias como a hepatite B, hepatite C, HIV, vírus Nilo ocidental, doença de Chagas, além de riscos adicionais que incluem a lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão (Trali), causadora de sintomas como a dispnéia, febre, e hipotensão, que podem levar à morte em algumas horas após a transfusão.

Outros riscos extremamente preocupantes estão associados às transfusões, como a variante doença de Creutzfeldt-Jakob[1], uma desordem neurodegenerativa humana de rápida progressão e invariavelmente fatal, caracterizada por uma encefalopatia em que predominam demência, mioclonias, sinais piramidais, extrapiramidais e cerebelares, com óbito ocorrendo geralmente um ano após o início dos sintomas.

Um outro motivo para que várias técnicas médicas tenham sido desenvolvidas e aplicadas para auxiliar no tratamento do paciente com o uso do próprio sangue no período da cirurgia, é a escassez de sangue. Em muitos países industrializados, apenas 5% ou menos da população elegível são doadores de sangue.

Como resultado, a comunidade médica mundial tem cada vez mais mudado sua prática por substituir o uso do sangue alogênico (sangue de outra pessoa) pela recuperação intraoperatória do sangue do próprio paciente.

A perda de uma quantidade considerável de sangue é um problema frequente em pacientes submetidos à cirurgia ortopédica. Entretanto, estudos mostraram que o uso do sistema Cell Saver diminuiu a necessidade de transfusões de sangue alogênico no período perioperatório em cirurgias ortopédicas de quadril e joelho. O gerenciamento do sangue do paciente é uma questão importante em pacientes ortopédicos que são candidatos a artroplastias, de modo que todas as estratégias de gerenciamento do sangue do paciente devem ser consideradas durante uma grande cirurgia ortopédica, para diminuir a necessidade das transfusões de sangue autólogo.

A transfusão de sangue deve ser evitada sempre que possível devido ao aumento do risco das suas complicações infecciosas e não infecciosas.  

Como funciona a Cell Saver?

Durante a cirurgia, essas máquinas recuperam e imediatamente reutilizam o sangue do próprio paciente, sem armazená-lo. Novas tecnologias em máquinas modernas permitem separar o sangue em seus componentes e reutilizar os que forem necessários enquanto continuam ligadas ao paciente.

O resgate das células vermelhas do campo operatório requer o uso de um cateter de sucção duplo lúmen, sendo que, um lúmen aspira o sangue e outro adiciona solução salina com heparina no sangue recuperado.

cateter de sucção duplo lúmen 

Os componentes básicos da Cell Saver são: kit de aspiração; anticoagulante (reservatório); centrífuga; recipiente da centrífuga; soro fisiológico 0,9% para lavagem; bolsa de detritos e bolsa de reinfusão.

Sua função consiste em aspirar através de conduto o sangue da cavidade torácica, abdominal ou pélvica seguindo o seguinte processo:

FILTRAGEM - que separa partículas maiores de 40 micras[2] do conteúdo aspirado que são desprezadas, microêmbolos gordurosos do sangue aspirado. O sangue é filtrado através de uma membrana semi-permeável e fica armazenado em um reservatório de volume fixo com rotação de até 6.000 rpm. A maior parte dos reservatórios tem filtros entre 40 e 150 μm de tamanho, que servem para remover grandes coágulos e detritos.

CENTRIFUGAÇÃO - processo que despreza substâncias que não se misturam incluindo o plasma, parte dos leucócitos e plaquetas; heparina e fatores de coagulação.  A força centrífuga faz com que os eritrócitos, devido a sua maior densidade, fiquem na parte inferior da bacia. Devido a menor densidade do plasma, esse fica na parte superior da bacia e é direcionado a uma bolsa de descarte.

LAVAGEM DE HEMÁCIAS - com soro fisiológico.

ARMAZENAMENTO - sistema conectado à veia do paciente onde as hemácias são recuperadas,  recolhidas  em  uma  bolsa  separada  e  ressuspendidas  em  solução  salina,  resultando em um hematócrito (HCT) de 50 a 80%, pronto para reinfusão que deverá ser realizada imediatamente.

O equipamento deve ser manejado por médicos devidamente treinados e é indicado em casos de transplantes, hepático, cardíaco, cirurgias da aorta, cirurgias combinadas, cirurgias valvares, reoperações, vascular, aneurisma de aorta abdominal, urologia, cistectomia, prostatectomia, nefrectomia, ortopedia, revisões de quadril/prótese total de quadril, artrodeses de coluna, obstetrícia e em pacientes Testemunhas de Jeová.

Referências Bibliográficas:




[1] DIVE - Diretoria de Vigilância Epidemiológica. Doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ). Disponível em: http://www.dive.sc.gov.br/index.php/d-a/item/doenca-de-creutzfeldt-jakob
[2] Micra é o plural de micrometro ou micron, e equivale a dividir 1 milímetro por 1000. Ou seja, 1 micra é igual a 0,001 milímetro. Como efeito de comparação, um grão de areia normal tem algo entre 200 e 500 micra. Fonte: http://www.lonax.com.br/micragem/

Cirurgias eletivas em pacientes Testemunhas de Jeová em hospitais de pequeno porte.


(Íntegra do Parecer n. 28.019/16 do CREMESP) 
Data Emissão: 31-01-2018

Consulta nº 28.019/16

Assunto: Cirurgias eletivas em pacientes Testemunhas de Jeová em hospitais de pequeno porte.

Relator: Conselheiro Antonio Pereira Filho e Dr. Marco Aurélio Guimarães, membro da Câmara Técnica Interdisciplinar de Bioética.

Ementa: Em casos de cirurgias eletivas em pacientes Testemunhas de Jeová em hospitais de pequeno porte, envolvendo pacientes estáveis, não há infração ética na admissão pura e simples de tais pacientes. Uma vez admitidos, a instituição, em parceria com a equipe médica devem diligenciar em busca do melhor atendimento para o paciente, o que pode incluir a obtenção de segunda opinião médica, transferência entre equipes e até mesmo transferência para outra instituição. Para o uso de técnicas cirúrgicas que evitam transfusões de sangue, é recomendável que tanto cirurgião e anestesiologista estejam de acordo entre si com a estratégia a ser utilizada e cabe à administração hospitalar facilitar ou intermediar o encontro de ambos os profissionais, ainda que sejam de outras instituições e/ou indicados pelo paciente.  É dever do médico esgotar todas as opções terapêuticas em benefício do paciente, recomendando-se que o profissional documente devidamente a conduta a ser adotada, bem como a opção do paciente em um Termo de Consentimento específico e, se o paciente possuir, a juntada de um documento de diretivas antecipadas. Com relação à privacidade do paciente, o médico não cometerá ilícito ou falta ética ao solicitar diálogo sobre as opções terapêuticas única e exclusivamente com o(a) paciente maior, lúcido(a), orientado(a) e autônomo(a), em local reservado e sem a presença ou acesso de outras pessoas, de forma a resguardar sua privacidade e o sigilo profissional. Na possibilidade do(a) paciente manter a não aceitação da proposta terapêutica, cabe ao médico acatar a decisão do paciente considerado autônomo e capaz. No caso de aceitar a proposta terapêutica apresentada pelo médico, isso deve ser registrado de forma a salvaguardar a atuação profissional, mas também ser mantido em mais absoluto sigilo. Por fim, é recomendado o acesso a profissionais e equipes médicas que atuam com opções terapêuticas às transfusões através do Departamento de Informações Sobre Hospitais (HID) das Testemunhas de Jeová através do telefone de plantão do HID - (15) 98125-8625 disponibilizado.

O consulente, Dr. O.L.S., encaminha Consulta através da Delegacia Regional de Bauru do CREMESP, sobre cirurgias eletivas em pacientes Testemunhas de Jeová em hospitais de pequeno porte, envolvendo pacientes estáveis, apresentando arrazoado complexo sobre o tema, abordando diferentes temáticas e reiterando a necessidade de orientação consolidada por parte do CREMESP sobre como proceder frente a estes casos, solicitando inclusive uma possível listagens de hospitais de referência do Sistema Único de Saúde (SUS) para atendimento de pacientes.
PARECER
Preâmbulo
Primeiramente, ressalta-se que o parecer a seguir não trata sobre casos envolvendo crianças ou sob responsabilidade legal de pessoas Testemunhas de Jeová. Quaisquer casos dentro destas situações específicas deverão ser tratados em outra situação de Consulta Bioética. Não obstante a posição religiosa deste grupo, o exercício do consentimento informado e os princípios expostos neste parecer são aplicáveis a qualquer paciente que deseja exercer suas opções terapêuticas, independentemente da motivação.
Análise da Consulta
O consulente expõe em seu texto de encaminhamento da Consulta diversos questionamentos que envolvem a possibilidade de se respeitar ou não a recusa de pacientes Testemunhas de Jeová em receber transfusões de sangue no caso de procedimentos eletivos em hospitais de pequeno porte. Com base no arrazoado anteriormente apresentado procura-se nesta sequência discutir os questionamentos com um enfoque legal e bioético, não necessariamente seguindo a ordem em que foram apresentados, mas de forma construir uma sequência lógica e inteligível.
O primeiro questionamento versa sobre hospitais de pequeno porte admitirem pacientes Testemunhas de Jeová para cirurgias eletivas sem que estas instituições disponham da maioria dos procedimentos terapêuticos aceitos por estes pacientes como alternativas ao uso de transfusões. 
Não há infração ética na admissão pura e simples de tais pacientes. Uma vez admitido, a instituição, em parceria com a equipe médica devem diligenciar em busca do melhor atendimento para o paciente, o que pode incluir a obtenção de segunda opinião médica (artigo 39 do Código de Ética Médica), transferência entre equipes e até mesmo transferência para outra instituição (art. 36 do Código de Ética Médica), na hipótese de não ser possível prestar o atendimento.
Cabe ponderar que a disponibilidade de condições terapêuticas para atender pacientes que recusam transfusões de sangue, não necessariamente está ligada ao porte da instituição ou a uma elevação de custos. Como exemplo, cita-se a hemodiluição normovolêmica aguda, procedimento regulado pelos artigos 221 e 222 da Portaria 2.712/13, do Ministério da Saúde, e que apresenta baixo custo. 
De acordo com Marini (2016) um hospital não pode recusar a internação de um paciente pelo fato do mesmo recusar transfusões como recurso terapêutico, uma vez acordado entre o paciente e a equipe médica (10). Cabe a inserção no Termo de Internação(TI) ou no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) ou Termo de Consentimento Informado (TCI) a informação da recusa, refletindo perfeitamente o que for acordado entre médico e paciente (seja pela transfusão ou seja pelo protocolo não transfusional). A adoção de tais termos - que reflitam o acordo entre paciente e equipe médica - é uma garantia jurídica tanto para o paciente, quanto para o médico e o hospital, havendo mais segurança jurídica, pois a praxe forense tem evidenciado que os contratos de adesão (termos padronizados) geram mais controvérsias e tendem a ser relativizados pelo Judiciário, conforme citado por Marini, 2016(10).Independente do pactuado, permanece válido o artigo do Código de Ética Médica que preconiza a transfusão em caso de risco de morte.
Portaria 2.712/13, do Ministério da Saúde - Redefine o regulamento técnico de procedimentos hemoterápicos.
Portaria 2.712/13, do Ministério da Saúde:
"Art. 221. O sangue autólogo, em situações excepcionais, poderá ser coletado do paciente imediatamente antes da cirurgia, hemodiluição normovolêmica, ou recuperado do campo cirúrgico ou de um circuito extracorpóreo, recuperação intraoperatória.
Art. 222. As unidades de sangue obtidas no pré-operatório imediato, por hemodiluição normovolêmica, permanecerão na sala de cirurgia em que o paciente está sendo operado durante todo o ato cirúrgico.
§ 1º. As unidades de sangue de que trata o "caput" poderão ser utilizadas no doador-paciente até 24 (vinte e quatro) horas depois da coleta, desde que mantidas à temperatura de 4 ± 2ºC, ou por até 8 (oito) horas, se as bolsas forem mantidas à temperatura entre 20ºC e 24ºC.
§ 2º. A transfusão das bolsas autólogas depois que o doador-paciente deixou a sala de cirurgia poderá ser realizada, desde que haja protocolo escrito que defina como serão feitos a identificação e o armazenamento destas bolsas.
§ 3º. O procedimento de hemodiluição pré-operatória poderá ser realizado mesmo em unidades de assistência à saúde que não disponham de serviço de hemoterapia."
Com isso, responde-se também a um segundo questionamento apresentado, se constituiria imprudência, negligência e imperícia internar ou admitir pacientes para procedimentos eletivos sem condições de suporte adequadas para o quadro clínico.
A instituição hospitalar não pode recusar a internação conforme mencionado acima, ou aí sim cometeria falta ética, que poderia ser caracterizada como omissão. Caberia, após a avaliação específica do paciente feita pela equipe médica, principalmente no que tange às transfusões em Testemunhas de Jeová, informar ao paciente quais os recursos terapêuticos substitutivos às transfusões que estejam ou não estejam disponíveis na instituição, garantindo ao paciente a autonomia em não aceitar a internação e procurar outra instituição que atenda seus desejos e necessidades. Respeita-se assim, a menção feita ao Código de Ética Médica na Consulta:
Capítulo V - RELAÇÃO COM PACIENTES E FAMILIARES
"É vedado ao médico:
Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.
Art. 32. Deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente."
Em suma, não há infração ética no simples acolhimento do paciente, com internação. Concluindo-se pela impossibilidade de tratá-lo de acordo com suas opções terapêuticas, pode-se operacionalizar a transferência regular do mesmo (mas não o abandono), nos termos do artigo 36 do Código de Ética Médica.
Como terceiro item de análise, o consulente expõe uma situação de conflito entre duas categorias de profissionais médicos: cirurgiões e anestesiologistas. O conflito exposto se baseia nas situações nas quais cirurgiões colocam que os pacientes Testemunhas de Jeová aceitam o procedimento cirúrgico em si, só não aceitando a transfusão, que podem oferecer um procedimento com sangramento mínimo, mas sem poder garantir que não ocorrerão complicações hemorrágicas inerentes a qualquer procedimento cirúrgico - mesmo os mais simples - às vezes até "urgenciam" a situação do paciente, ou seja, demandam maior urgência ao procedimento sem real necessidade. O consulente afirma que, como os anestesiologistas são os responsáveis pela anestesia e equilíbrio hemodinâmico do paciente, ocorre por parte dos cirurgiões uma transferência da responsabilidade em caso de demanda judicial, questionando se não seriam os cirurgiões, assim como a instituição que aceita o paciente, os responsáveis pela situação.
Nesta situação, fica evidente um problema de relação entre médicos que cria um conflito de interesses que pode prejudicar em última instância, o paciente. A partir do Código de Ética Médica, pode-se citar:
Capítulo III - RESPONSABILIDADE MÉDICA
"Art. 3º Deixar de assumir responsabilidade sobre procedimento médico que indicou ou do qual participou, mesmo quando vários médicos tenham assistido o paciente.
Art. 4º Deixar de assumir a responsabilidade de qualquer ato profissional que tenha praticado ou indicado, ainda que solicitado ou consentido pelo paciente ou por seu representante legal."
Capítulo VII - RELAÇÃO ENTRE MÉDICOS
"É vedado ao médico:
Art. 52. Desrespeitar a prescrição ou o tratamento de paciente, determinados por outro médico, mesmo quando em função de chefia ou de auditoria, salvo em situação de indiscutível benefício para o paciente, devendo comunicar imediatamente o fato ao médico responsável."
Desta forma, sendo o equilíbrio hemodinâmico do paciente de responsabilidade do anestesiologistas como foi exposto, o cirurgião não poderia, a priori, interferir na tomada de decisão sobre transfundir ou não o paciente. Mas nessa situação de dilema, o que se nota é o fato de um profissional (o cirurgião) assumir a execução de um procedimento médico, expondo outro profissional (o anestesiologista) a uma hipotética responsabilização por ato profissional do qual este último não optou por assumir os riscos.
Mas como é previsto no Código de Ética Médica acima citado, o cirurgião, ao indicar e praticar o procedimento cirúrgico assume a responsabilidade pelo mesmo como um todo, mesmo com a assistência prestada por outro médico, no caso, pelo anestesiologista. Ou seja, não há como separar a responsabilidade de ambos os profissionais, cirurgião e anestesiologista, pois o paciente é um só e deve ser o alvo da atenção dos dois, independentemente dos papéis assumidos por cada um, pois se trata de trabalho em equipe. Qualquer divergência entre cirurgião e anestesiologista não pode prejudicar o principal alvo de atenção da Medicina, o paciente.
Como quarto questionamento o consulente coloca que concorda com a utilização de transfusões somente como último recurso no caso de pacientes que recusem este procedimento, como no caso das Testemunhas de Jeová. Mas que, para isso, se torna necessário esgotar as outras possibilidades e recursos para controle de sangramento e equilíbrio hemodinâmico antes que a transfusão seja utilizada, de forma a respeitar a autonomia do paciente e o Código de Ética Médica (artigos 22, 24, 31 e 32 anteriormente citados), permanecendo a dúvida de como garantir a legitimidade dessa atuação.
Retoma-se aqui a necessidade, previamente mencionada, de fornecer ao paciente que recusa a transfusão informações em quantidade e qualidade adequadas, para a tomada de decisão sobre a realização do procedimento, ainda mais por ser considerado eletivo. Do mesmo modo, a necessidade de assinatura de termo (TI, TCLE ou TCI) que conste de maneira clara e precisa as restrições advindas dos recursos disponíveis ou da capacidade técnica dos médicos responsáveis pela execução dos procedimentos. 
É ético da parte do médico esgotar todas as opções terapêuticas em benefício do paciente (Código de Ética Médica - Princípios fundamentais, V). Recomenda-se que o profissional documente devidamente a conduta a ser adotada, bem como a opção do paciente.Um termo de consentimento específico, anotações diárias em prontuário médico e, se o paciente possuir, a juntada de um documento de diretivas antecipadas,documentarão e salvaguardarão a atividade médica (vide Resolução CFM n.º 1.995/12, art. 2º §§ 3º e 4º).
Resolução CFM n.º 1.995/12 - Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes.
"Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade.
§ 3º As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares. 
§ 4º O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente."
Como quinto questionamento o consulente coloca que entidades religiosas fazem a divulgação de substitutos do sangue e pacientes têm dificuldade em entender outras orientações, adicionando-se o fato de que visitas de familiares e religiosos acabam por funcionar como coação, inibindo ou impedindo a liberdade de escolha e a privacidade do paciente, ou seja, questiona como lidar com a possível interferência na tomada de decisão por parte do próprio paciente.
A divulgação de tratamentos e procedimentos médicos que podem dispensar o uso de transfusão não é exclusividade de entidades religiosas. Um exemplo é The National Blood Authority do governo da Austrália - https://www.blood.gov.au/patient-blood-management-pbm(11). Trabalhos científicos são divulgados por meio de sites como o da Scientific Electronic Library Online (Scielo) contendo artigos médicos publicados em revistas de renome sobre técnicas e medicamentos que podem ser utilizados para evitar a administração de hemocomponentes (http://www.scielo.org/php/index.php). No mesmo sentido, há o site http://bloodless.com.br/pt/. O Ministério da Saúde também divulga e regula por meio da Portaria n.º 2.712/2013 alguns procedimentos que podem reduzir ou evitar a transfusão de sangue alogênico, como a hemodiluição normovolêmica aguda e a recuperação intra-operatória de células.
Portanto, não se trata exclusivamente de informação com viés religioso. A situação de que pacientes têm dificuldade "em entender outras orientações" realmente pode ocorrer, mas diferencia-se da situação da dificuldade em "aceitar outras orientações", o que também deve ser fato. Deve-se relembrar a ideia de que questionamentos por parte de médicos sobre a capacidade de consentir e impor limitações a autonomia de um paciente somente ocorrem quando há discordância deste último com a conduta proposta.
Com relação à privacidade do paciente, o médico não cometerá ilícito ou falta ética ao solicitar diálogo sobre as opções terapêuticas única e exclusivamente com o(a) paciente maior, lúcido(a), orientado(a) e autônomo(a), em local reservado e sem a presença ou acesso de outras pessoas, de forma a resguardar sua privacidade e o sigilo profissional, além de minimizar a possibilidade de coação externa.
Na possibilidade do(a) paciente manter a não aceitação da proposta terapêutica, cabe ao médico acatar a decisão do paciente considerado autônomo e capaz. No caso de aceitar a proposta terapêutica apresentada pelo médico, isso deve ser registrado de forma a salvaguardar a atuação profissional, mas também ser mantido em mais absoluto sigilo. Independente do pactuado, permanece válido o artigo do Código de Ética Médica que preconiza a transfusão em caso de risco de morte.
Por fim, há o questionamento sobre a possibilidade de uma lista de instituições ou hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) de referência para o atendimento a pacientes que recusem transfusões como as Testemunhas de Jeová.
Consultada a Sede no Brasil das Testemunhas de Jeová, obteve-se a informação de que não há uma lista formal de instituições ou hospitais para referenciar pacientes desta religião pelo motivo de recusa a transfusões.
Utilizar um protocolo médico específico e aprimorar técnicas são práticas que integram a liberdade profissional do médico (Código de Ética Médica - Capítulo II, Inc., II; Capítulo I, Inc. V). Tratar um paciente que recusa transfusão de sangue não depende em geral da implementação de algum programa específico pelas instituições de saúde.  Por esta razão, existem médicos e equipes em diferentes localidades que realizam os mais diversos procedimentos sem transfusões de sangue, vinculados a diferentes instituições e em especialidades diversas. Além disso, a já citada Portaria 2.712/13, coloca no seu artigo 225:
Portaria 2.712/13, do Ministério da Saúde - Redefine o regulamento técnico de procedimentos hemoterápicos.
"Art. 225. No serviço de hemoterapia haverá um médico que seja responsável pelo programa de transfusão autóloga pré-operatória e de recuperação intraoperatória."
Ou seja, os procedimentos então chamados de "alternativos" à transfusão estão não somente previstos na referida Portaria 2.712/13, como é previsto que os serviços de hemoterapia devam ter um profissional habilitado responsável pelos mesmos.
É recomendado o acesso a profissionais e equipes médicas através do Departamento de Informações Sobre Hospitais (HID) através do site www.jw.org, na sessão "Informações para Profissionais da Medicina", ou com as Comissões de Ligações com Hospitais (COLIHs), localizadas em grandes áreas urbanas com centros hospitalares. O telefone disponibilizado para contatos sobre informações regionais é o do plantão do HID - (15) 98125-8625.     

Este é o nosso parecer, s.m.j.

Conselheiro Antonio Pereira Filho

APROVADO NA REUNIÃO DA CÂMARA TÉCNICA INTERDISCIPLINAR DE BIOÉTICA, REALIZADA EM 27.10.2017.
APROVADO NA REUNIÃO DA CÂMARA DE CONSULTAS, REALIZADA EM 19.01.2018.
HOMOLOGADO NA 4.819ª REUNIÃO PLENÁRIA, REALIZADA EM 23.01.2018.
Fonte:

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

A influência dos animais de estimação na nossa saúde



Evidências mostram que os Pets influenciam na pressão sanguínea dos humanos. Testes mostraram que o simples fato de ter uma companhia, mesmo que humana, pode minimizar as consequências do estresse, entretanto, a presença de um animal de estimação está associada a benefícios cardiovasculares significativos, quando comparadas entre pessoas com pressão sanguínea normal e pessoas com pressão alta. 

O poder de cura dos animais de estimação varia desde a cura da solidão e alienação à redução de casos de hipertensão e dos riscos de um ataque cardíaco. Considerando o número de animais de estimação existentes e os gastos envolvidos em seus cuidados, é razoável se perguntar por que as pessoas possuem animais de estimação. 


Cerca de 90% dos tutores descrevem que há um importante vínculo emocional entre eles, os consideram como membros da família, os fazem se sentir calmos, felizes e capazes de lidar melhor com o estresse. Estudos mostram que ter um animal de estimação está associado à maiores chances de sobrevivência após um ataque cardíaco, independentemente da severidade das sequelas pós ataque, das características demográficas do paciente e dos fatores psicossociais, além de estar associado à redução dos níveis de lipídios (gorduras) e de outros fatores de riscos cardiovasculares. 

Pacientes com fibromialgia que fazem terapia com um cão de terapia, ao invés de uma terapia ambulatorial em uma instalação de gerenciamento de dor, mostraram melhorias significativas na dor, humor e outras formas de sofrimento. Os idosos que possuem Pets sofrem menos impacto com os estressantes problemas da vida e vão menos ao médico quando comparados aos que não tem um Pet. 


A presença de um animal pode melhorar significativamente comportamentos sociais entre crianças com autismo. Crianças melhoraram sua motivação para participar do protocolo de tratamento de câncer e permaneceram mais otimistas com tratamento com animais. 




Possuir um animal de estimação foi associado a um risco reduzido de linfoma não-Hodgkin e linfoma difuso de grandes células. Pessoas com AIDS que possuem animal de estimação sofrem menos de depressão do que os que não possuem um Pet. 


Pensava-se que um dos efeitos benéficos dos Pets era o fato de serem meramente uma distração, eliminando a fonte da situação estressante, mas os pesquisadores concluíram que não, mesmo diante de situações estressantes ou tarefas difíceis, as pessoas que estavam na presença de um animal de estimação concluía melhor e mais rápido a sua tarefa, ou seja, parece que os Pets agem como um facilitador social, talvez eles ajudem no relaxamento trazendo o que há de melhor para a performance dos seus tutores. 


Os animais, diferentemente dos humanos, não julgam, portanto são candidatos ideais para ajuda em intervenções psicológicas com o objetivo de melhorar o convívio social do indivíduo. A posse de um animal de estimação pode ser um antídoto para a solidão, pode melhorar nossa motivação em aceitar um determinado tratamento e pode diminuir nossa preocupação, ansiedade e dor. Os animais podem influenciar não apenas na nossa saúde, mas também na nossa felicidade. 

Importante lembrar que os animais jamais podem ser vistos como um medicamento ou uma simples terapia temporária, é preciso ter respeito à vida e ter a posse com responsabilidade. Eles não são objetos para serem dados como presente ou descartados quando não nos interessar mais. Os animais são nossos amigos e os benefícios dessa linda amizade devem ser recíprocos!



Fonte:

Direito de Escolha do Menor em Lisboa

Tribunal da Relação de Lisboa Íntegra da Reportagem Um jovem de 16 anos diagnosticado com leucemia aguda  recusa-se a receber qualquer trans...