Segundo o Dicionário Informal, risco
iminente é o perigo de acontecer um fato
indesejado em curto prazo. No caso a ser abordado, trataremos do iminente
risco de morte, muito comum no ambiente de emergência hospitalar.
O iminente risco de morte é a condição
crítica do paciente diante da linha mais tênue entre a vida e a morte. Motivo
de agonia e desespero para os entes queridos, que muitas vezes, mesmo sem
acreditar em Deus se apegam a Ele como último fio de esperança à espera de um
milagre.
O iminente risco de morte faz parte da nossa
vida, afinal viver é um risco. Mas o iminente risco de perder a vida não deve
jamais excluir o nosso direito à autonomia e à dignidade. Isso não deve dar a
ninguém o direito de suprimir nossa autodeterminação.
Por esse motivo, o assunto em questão visa
a compreensão da necessidade de exclusão
desse termo do Código de Ética Médica, sob o ponto de vista bioético tão
amplamente difundido, com base nos direitos e nas garantias fundamentais
estabelecidos na Constituição Federal.
O Código de Ética Médica estabelece em seu
artigo 31 que é vedado ao médico desrespeitar
o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre
a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.
A exceção indicada no artigo quer dizer que
se houver iminente risco de morte, o
profissional médico deverá desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal
de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas.
Entretanto, o artigo 34 diz que é vedado ao
médico deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento,
salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso,
fazer a comunicação a seu representante legal.
Isto significa que o médico deverá informar
ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os
riscos (mesmo se o risco for de morte por fazer ou por deixar de fazer o
tratamento) e os objetivos do tratamento, porém, se houver iminente risco de morte, o médico irá desrespeitar o direito
do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a
execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas.
Qual é então o sentido de informar ao
paciente, se o próprio Código de Ética permite claramente que a vontade do
paciente seja desrespeitada em caso de iminente risco de morte?
O paciente tem o direito de recusar determinado
tratamento, inclusive uma transfusão de sangue sob o iminente risco de morte?
Antes de abordar essa questão, é importante entender os direitos legais dos
pacientes para recusar qualquer tipo de tratamento médico ou cirúrgico.
O direito comum da autodeterminação
corporal estabelece que toda pessoa de mente sadia é mestra sobre seu próprio
corpo. Portanto, tal indivíduo é livre para proibir a cirurgia ou tratamento
médico considerado por outros como potencialmente salvavidas. Há mais de 100
anos, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos confirmou o significado da
autonomia individual. Afirmou que "nenhum
direito é mais sagrado, ou é mais cuidadosamente guardado, pelo direito comum,
do que o direito de cada indivíduo à posse e ao controle de sua própria pessoa,
livre de toda restrição ou interferência de outros, a menos que por autoridade
inquestionável de lei. '
Este princípio jurídico fundamental da
autodeterminação corporal serve como base para a doutrina do consentimento
informado. Nenhum médico ou hospital deve sujeitar pacientes a médicos e/ou a tratamentos
sem o devido consentimento informado. O paciente deve ser informado sobre o tipo
de tratamento, os meios a serem utilizados e as prováveis consequências da
proposta de tratamento para "determinar
conscientemente" o que deve ou não deve ser feito em seu corpo,
legitimando assim sua autonomia.
A autonomia é um termo derivado do grego
"auto" (próprio) e "nomos" (lei, regra, norma). Significa
autogoverno, autodeterminação da pessoa
de tomar decisões que afetem sua vida, sua saúde, sua integridade
físico-psíquica, suas relações sociais. Refere-se à capacidade de o ser
humano decidir o que é "bom", ou o que é seu "bem-estar".
A autodeterminação é elemento subjetivo,
sendo que cada indivíduo possui suas próprias convicções e um limite diferente
daquilo que é aceitável para si. O exercício da autonomia é a prática do
direito ao respeito pela liberdade individual, à dignidade da pessoa humana
como direito fundamental.
Para o exercício da autonomia existe o termo de consentimento livre e esclarecido.
O termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) é um documento no qual se
reduz a termo o processo de obtenção do consentimento livre e esclarecido do
paciente. No documento devem constar as orientações prestadas ao paciente de
maneira clara, direta e individualizada, com destaque para: descrição do
tratamento proposto, seus riscos e benefícios para o paciente tendo em vista a
sua condição clínica individual, e eventuais cuidados pós-tratamento e
prognóstico. É preciso, ainda, constar o direito de revogação do consentimento
a qualquer tempo, esclarecendo não haver qualquer ônus ao paciente.
Vale ressaltar que o paciente precisa ser
devidamente esclarecido para livremente consentir ou não consentir determinado
tratamento. Qual é então o objetivo e a validade desse termo se no final das
contas o médico fizer o que quiser?
O relatório da Comissão para o Estudo dos
Problemas Éticos em Medicina nos Estados Unidos revelou que o consentimento
informado baseia-se em dois valores muito importantes: a própria concepção do bem-estar
pessoal do paciente; e o direito à
autodeterminação. Esta comissão concluiu também que o princípio da
autodeterminação "é melhor entendido
como o respeito pelo direito das pessoas de definir e seguir seu próprio ponto
de vista sobre o que é bom". Uma decisão histórica da Suprema Corte da
Califórnia, determinou que os médicos deveriam obter o consentimento informado
dos pacientes antes de realizar certos procedimentos médicos. Há mais de 90
anos, O juiz Benjamin Cardozo declarou: "Todo
ser humano adulto e com a mente saudável tem o direito de determinar o que deve
ser feito com o seu próprio corpo; e um cirurgião que realiza uma cirurgia sem
o consentimento de seu paciente, comete uma agressão, pelo qual ele é
responsável por danos.”
Portanto, os médicos que administram um
tratamento ou realizam uma cirurgia sem o consentimento do paciente é
responsável por agressão. Uma operação cirúrgica no corpo de uma pessoa é uma agressão
técnica ou transgressão, a menos que essa pessoa ou alguma outra pessoa
autorizada tenha consentido, independentemente da habilidade e cuidados
empregados no desempenho da operação.
A doutrina do consentimento informado estabelece
que o paciente possui o direito de consentir ou não consentir, ou seja, tem o
direito de recusar o tratamento, mesmo se o paciente recusa um tratamento que é
considerado pelo médico como único sustentador da vida, pois a autodeterminação
do paciente garante a ele a autoridade final para decidir.
As leis são normas de conduta criadas e
impostas por um conjunto de instituições para regular as relações sociais. As
leis não criaram o homem mas foram criadas pelo homem para proteger o direito de
cada um em relação à sociedade.
Assim sendo, o indivíduo, sujeito do
direito, utiliza-se das leis para sua proteção, para proteger seu direito de
escolha, seu direito de exercer sua autonomia desde que não interfira nos
direitos da sociedade como um todo. O médico que respeita a autonomia do
paciente não viola nenhum direito da sociedade, mesmo se a escolha consciente
do tratamento ou até mesmo a recusa de determinado tratamento resultar em
morte.
O médico precisa entender que o poder de vida e morte não está nas suas
mãos, com a exceção óbvia da prática de crime, como homicídio, negligência,
imperícia ou imprudência, ou até mesmo um erro por acidente. Ele jamais poderá
garantir que a aplicação de determinado tratamento ou sua recusa salvará ou não
a vida do paciente.
O artigo 32 estabece que é vedado ao médico
deixar de usar todos os meios disponíveis
de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em
favor do paciente.
A utilização de todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, não dá
direito ao médico de escolher o tratamento que ele acha mais adequado para o
paciente, uma vez que o próprio artigo determina que tal tratamento deve ser em favor do paciente.
Se o médico escolher um tratamento em
detrimento da vontade do paciente, ele jamais estará agindo em favor do
paciente.
Desrespeitar é violar. Desrespeitar é
agredir. Vejamos dois exemplos como comparação:
Primeiro
exemplo: Um casal está conversando no bar, ambos
estão bebendo. O rapaz diz que quer fazer sexo com a moça, ela nega. No momento em que ela está perdendo a
consciência ele a estupra. Houve a violação da vontade. A moça foi violada
em sua honra, integridade e dignidade. Houve um crime. Não há na lei nenhuma
exceção que dá ao rapaz o direito de violar a vontade da moça, por exemplo, salvo em perda de consciência da vítima.
Segundo
exemplo: Testamento é a manifestação de última
vontade pelo qual um indivíduo dispõe, para depois da morte, em todo ou uma
parte de seus bens. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da
totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte. O
testamento deve submeter-se a numerosas formalidades que não podem ser
descuidadas ou violadas, sob pena de nulidade. Um dos valores necessários à
preservação do testamento é: assegurar a vontade do testador, que já não poderá mais, após o
falecimento, confirmar sua vontade ou corrigir distorções, nem explicitar o seu
querer que possa ter sido expresso de forma obscura ou confusa.
E se houvesse uma exceção como essa: “assegurar a vontade do testador, que já não
poderá mais, após o falecimento, confirmar sua vontade ou corrigir distorções,
nem explicitar o seu querer que possa ter sido expresso de forma obscura ou
confusa, salvo em iminente risco de
morte.”
A exceção daria ao tabelião o direito de
dispor dos bens do testador da forma que lhe conviesse no momento do iminente
risco de morte do testador, ou seja, a vontade expressamente declarada do
testador poderia não ser respeitada.
Da mesma forma é o “salvo iminente risco de
morte” como exceção à vontade do paciente diante da escolha de tratamento
médico ou de sua recusa.
Costumo dizer que não há no mundo ninguém
mais interessado na minha vida, saúde e bem estar do que eu mesma. É claro que
há muitos médicos realmente apaixonados pela profissão, que possuem o genuíno
desejo de ajudar o próximo e fazer o bem, mas ainda assim, ele não é mais
interessado na minha vida, saúde e bem estar do que eu mesma.
Sejamos honestos, o não respeito pela
vontade do paciente sob a alegação hipocrática e o desejo obsessivo de salvar
vidas, na maioria das vezes é medo de ser responsabilizado.
É descabido pensar que o médico será
responsabilizado por ter respeitado a vontade do paciente.
_________________________________________________________________________________
Referências: