quarta-feira, 6 de março de 2019

O Consentimento Informado e a Lei Brasileira

                (artigo também publicado no site Jusbrasil)

               O consentimento informado é um processo no qual um profissional de saúde instrui o paciente sobre os riscos, benefícios e alternativas de um determinado procedimento ou intervenção sendo que o paciente deve ser competente para tomar uma decisão voluntária sobre a realização de tal procedimento. Trata-se de uma obrigação tanto ética quanto legal dos médicos nos Estados Unidos e também no Brasil, e tem sua origem no direito que o paciente tem de decidir sobre o que acontece com o seu corpo.

                O consentimento informado é uma avaliação do entendimento do paciente, que faz uma recomendação real e uma documentação do processo.

Natureza Jurídica do Consentimento Informado

                É um ato jurídico voluntário unilateral com base no direito à autodeterminação do paciente, direito de dispor sobre seu próprio corpo, e que apenas terá os efeitos pretendidos em função da relação estabelecida na prestação de serviços de saúde, não gerando direitos para a parte prestadora do serviço de saúde.

                O art. 15 do Código Civil Brasileiro diz: “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.”

                É uma manifestação de vontade do paciente, seu direito de autodeterminação, de assentir ou não com o tratamento de saúde, após ser devidamente esclarecido. O termo de consentimento informado deve ser composto de certos requisitos para que seja válido juridicamente, ou seja, para que produza efeitos no mundo jurídico.

                Art. 104,CC. A validade do negócio jurídico requer:
                I - agente capaz;
                II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
                III - forma prescrita ou não defesa em lei.

                O primeiro pressuposto de admissibilidade é a capacidade; o segundo é o dever de apresentar um objeto lícito, que não traga desabono às partes contratantes, no caso, a informação e, o terceiro e último é o consentimento propriamente dito, livre e esclarecido na forma da lei. Para que a manifestação de vontade seja “relevante e eficaz”, deve ser prestada por agente capaz. A capacidade é a aptidão das pessoas para realizar atos com valor jurídico. No Brasil, entende-se que a capacidade é a regra e a incapacidade é a exceção, pois os considerados incapazes estão elencados nos artigos 3º e 4º do Código Civil, como segue:

                Art. 3º  São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.
                Art. 4º  São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:
                I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
                II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
                III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;            
                IV - os pródigos.
                Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.

                Logo, para que o consentimento informado seja válido e eficaz ele tem que ser consentido por pessoa capaz, ou seja, por pessoa que não esteja elencada pelos artigos 3º e 4º do Código Civil Brasileiro. A The Joint Commission[1],  exige a documentação com todos os elementos do consentimento informado, que são:
    1. natureza do procedimento,
    2. riscos e benefícios eo procedimento,
    3. alternativas razoáveis,
    4. riscos e benefícios das alternativas,
    5. avaliação do entendimento do paciente dos elementos 1 a 4.
                É obrigação do prestador  deixar claro que o paciente está participando do processo de tomada de decisão e evitar que o paciente se sinta forçado a concordar com o prestador que apenas deve fazer uma recomendação e fornecer seu raciocínio para essa recomendação.

                O dever de informação é elemento fundamental para que o paciente possa declarar a sua vontade de forma consciente e isenta de vícios e essa informação deve ser prestada de maneira fiel ao que se pretende realizar. O importante é fornecer informações relevantes e compreensíveis para prevenir ou eliminar quaisquer entendimentos equivocados.

                O objetivo da informação e do esclarecimento ao paciente é proporcionar a opção entre consentir ou não consentir determinado tratamento de saúde, de acordo com sua condição econômica, princípios religiosos, situação profissional (afastamento do trabalho), urgência do procedimento (diante de prognóstico de gravidade), efeitos colaterais, alternativas (tratamento cirúrgico, ambulatorial, fisioterápico), riscos e benefícios.

                O termo de consentimento informado encontra amplo respaldo no ordenamento jurídico brasileiro e se legitima como instrumento que assegura a efetivação de princípios constitucionais e infraconstitucionais que asseguram o direito à autodeterminação, liberdade, integridade física e moral, saúde e principalmente a dignidade da pessoa humana. Não é mais possível aceitar aquela visão paternalista da medicina, em que o médico fala e o paciente tem de aceitar.

Adequação do consentimento informado

                O padrão exigido para o consentimento informado é determinado por cada país. A elaboração e a aplicação inadequada do termo de consentimento podem trazer problemas jurídicos para os profissionais e as instituições. O objetivo fundamental de um termo de consentimento é dar autonomia ao paciente para que ele escolha se quer ou não aquela intervenção.

                As três abordagens legais aceitáveis ​​para o consentimento informado adequado são:
    • Padrão subjetivo: O que esse paciente precisa saber e entender para tomar uma decisão informada?
    • Padrão de paciente razoável: O que o paciente médio precisa saber para ser um participante informado na decisão?
    • Padrão médico razoável: o que um médico típico diria sobre esse procedimento?
                Muitos países usam o "padrão razoável do paciente", porque se concentra no que um paciente típico precisaria saber para entender a decisão em questão. No entanto, esta é a única obrigação do prestador de serviços em saúde em determinar qual abordagem é apropriada para uma determinada situação. O Brasil adota o padrão de informação da “pessoa razoável”, que se fundamenta nas informações que uma pessoa razoável, mediana, necessitaria saber sobre determinadas condições de saúde e propostas terapêuticas ou preventivas a lhe serem apresentadas.

                O termo é uma manifestação de vontade do paciente. Não é possível obrigar o paciente a aceitar todas as cláusulas porque não se trata de um contrato de adesão onde o cliente não pode discutir as cláusulas, sob pena de se tornar inválido, pois o paciente pode falar que foi obrigado a aceitar todas as cláusulas que estavam ali, incluindo as que ele não as aceitava, fazendo com que o termo perca sua validade jurídica.

                O Código de Ética Médica assim declara:
                É vedado ao médico:
                Art. 24 - Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.

Exceções ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

               Várias exceções à exigência de consentimento informado incluem:
    • Quando o paciente está incapacitado,
    • Em emergências com risco de morte, com tempo inadequado para obter o consentimento,
    • Consentimento de isenção voluntária - Se a capacidade do paciente de tomar decisões for questionada ou não for clara, uma avaliação por um psiquiatra para determinar a competência pode ser solicitada.
                Pode surgir uma situação em que um paciente não possa tomar decisões de forma independente, mas não tenha designado um tomador de decisão (procurador/mandatário). Nesse caso, a hierarquia dos tomadores de decisão, que é determinada pelas leis de cada Estado, deve ser buscada para determinar o próximo procurador legal substituto. Se isso não der certo, um responsável legal pode precisar ser indicado pelo tribunal. Havendo procurador, a decisão do paciente expressamente indicada por meio de procuração[2] ao mandatário deverá ser respeitada.

Crianças e Consentimento Livre e Esclarecido

                Crianças não têm a capacidade de fornecer consentimento informado. Como tal, os pais devem dar permissão para tratamentos ou intervenções. Neste caso, não foi denominado "consentimento informado", mas "permissão informada". Uma exceção a essa regra é uma criança legalmente emancipada que pode fornecer consentimento informado para si mesmo. Alguns, mas não todos, exemplos de um menor emancipado incluem menores que são:
    • menores de 18 anos e casados,
    • servindo nas forças armadas[3],
    • capazes de provar independência financeira, ou
    • mães de filhos (casados ​​ou não).
                A legislação sobre menores e o consentimento informado também é baseada nas leis de cada país. O Código Civil Brasileiro (artigos 654 a 692) dispõe sobre o mandato e diz que “todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, inclusive os maiores de 16 anos e menores de 18 anos, mesmo não emancipados.”

                Vale ressaltar que segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 15, caput e inciso II, a criança e o adolescente têm o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas e têm o direito de se expressarem e de oferecerem a sua opinião, de modo que a criança deve ser livre para ter opiniões sobre todas as questões que lhe digam respeito, opinião essa que deve ser devidamente tomada em consideração de acordo com a sua idade e maturidade. Este princípio se baseia na ideia de que as crianças têm o direito de serem ouvidas e que as suas opiniões sejam seriamente levadas em consideração, incluindo qualquer processo judiciário ou administrativo que as afetem.

Significado clínico

                O consentimento informado é necessário para muitos aspectos dos cuidados de saúde. Estes incluem o consentimento para:
    • tipo de tratamento indicado,
    • disseminação da informação do paciente,
    • discussão das leis de Portabilidade e Responsabilidade de Seguro Saúde,
    • procedimentos específicos,
    • cirurgia,
    • transfusões de sangue,
    • anestesia.
                A obtenção do consentimento informado na medicina é um processo que deve incluir:
    • descrição da intervenção proposta,
    • o papel do paciente na tomada de decisão,
    • as alternativas à intervenção proposta,
    • os riscos da proposta intervenção
    • a preferência do paciente (geralmente com assinatura)
                Segundo a Recomendação do Conselho Federal de Medicina de Nº 1/2016, o termo de consentimento livre e esclarecido deve, obrigatoriamente, conter:
    • Justificativa, objetivos e descrição sucinta, clara e objetiva, em linguagem acessível, do procedimento recomendado ao paciente;
    • Duração e descrição dos possíveis desconfortos no curso do procedimento;
    • Benefícios esperados, riscos, métodos alternativos e eventuais consequências da não realização do procedimento;
    • Cuidados que o paciente deve adotar após o procedimento;
    • Declaração do paciente de que está devidamente informado e esclarecido acerca do procedimento, com sua assinatura;
    • Declaração de que o paciente é livre para não consentir com o procedimento, sem qualquer penalização ou sem prejuízo a seu cuidado;
    • Declaração do médico de que explicou, de forma clara, todo o procedimento;
    • Nome completo do paciente e do médico, assim como, quando couber, de membros de sua equipe, seu endereço e contato telefônico, para que possa ser facilmente localizado pelo paciente;
    • Assinatura ou identificação por impressão datiloscópica do paciente ou de seu representante legal e assinatura do médico;
    • Duas vias, ficando uma com o paciente e outra arquivada no prontuário médico.
                A discussão de todos os riscos é fundamental para o consentimento informado nesse contexto. A maioria dos consentimentos incluem riscos gerais, riscos específicos do procedimento, riscos de ausência de tratamento e alternativas ao tratamento. Além disso, muitos formulários de consentimento expressam que não há garantias de que o procedimento proposto irá fornecer uma solução para o problema a ser tratado. A segurança do paciente é um fator importante nos cuidados de saúde, e o consentimento informado efetivo é considerado uma questão de segurança para o paciente.

                A The Joint Commission abordou recentemente os desafios para garantir o consentimento informado e efetivo. A ênfase da assinatura do paciente como indicação de compreensão está sendo questionada. O processo do consentimento informado está mudando para se concentrar mais na comunicação (relação médico-paciente) e menos nas assinaturas.

                Estudos sobre consentimento informado descobriram que existem muitas barreiras para se obter um consentimento informado efetivo. Uma das principais barreiras é que alguns formulários de consentimento contêm uma linguagem com um nível de leitura muito alto para muitos pacientes. O uso de ferramentas de comunicação visual e digital está sendo incentivado a abordar algumas das ineficiências no processo de obtenção de consentimento. Os pacientes devem ser ativamente envolvidos como forma de melhorar a comunicação e garantir a segurança e a compreensão do paciente. O médico e o paciente devem ter uma conversa clara, em uma linguagem em que o paciente compreende. É possível perceber se o paciente está entendendo se ele faz perguntas ou se ajuda a elaborar alguma das explicações em sua própria linguagem.

                O consentimento informado pode ser dispensado em situações de emergência, se não houver tempo para obter consentimento ou se o paciente não puder se comunicar e não houver nenhum procurador substituto disponível. Além disso, nem todo procedimento requer consentimento informado explícito. Por exemplo, medir a pressão sanguínea do paciente faz parte de muitos tratamentos médicos. No entanto, uma discussão sobre os riscos e benefícios do uso de um esfigmomanômetro geralmente não é necessária.

Significado clínico em pesquisas clínicas humanas

                O consentimento informado é obrigatório para todas as pesquisas clínicas humanas. O processo de consentimento deve respeitar a capacidade do paciente de tomar decisões e aderir às regras hospitalares individuais para os estudos clínicos. A adesão à padrões éticos no estudo e na sua execução é geralmente monitorada por um Comitê de Revisão Institucional. O Comitê foi estabelecido nos Estados Unidos em 1974 pela National Research Act (Lei Nacional de Pesquisa), que exigia regulamentação em pesquisas com seres humanos, motivada por práticas questionáveis ​​de pesquisa usadas nos experimentos da sífilis de Tuskegee e outras. Os padrões de pesquisa éticos e seguros têm sido uma área de interesse federal e presidencial desde então, com o desenvolvimento de muitas organizações e forças-tarefa desde 1974 dedicadas somente a esse tópico.

                O consentimento informado válido para a pesquisa deve incluir três elementos principais:
    • divulgação de informações,
    • competência do paciente (ou substituto) para tomar uma decisão
    • natureza voluntária da decisão. As regulamentações federais dos Estados Unidos exigem uma explicação completa e detalhada do estudo e seus possíveis riscos.
                O Comitê de Revisão Institucional pode renunciar ao consentimento informado se determinadas condições forem cumpridas. Para isso, é fundamental haver um "risco mínimo" para os participantes da pesquisa. Um exemplo de pesquisa de risco mínimo é a avaliação de intervenções que normalmente ocorrem em situações de emergência. Exemplos disso incluem o estudo de medicamentos usados ​​para intubações na sala de emergência ou a realização de uma revisão retrospectiva de prontuários.

Tomada de Decisão Compartilhada

                O consentimento informado é um processo colaborativo que permite aos pacientes e profissionais de saúde tomar decisões em conjunto quando existe mais de uma alternativa razoável, considerando as preferências e prioridades exclusivas do paciente e as melhores evidências científicas disponíveis.

                O Códico de Ética Médica tem como um dos princípios fundamentais:
                V –Compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente e da sociedade.

                É mais apropriado pesar os benefícios e malefícios de procedimentos invasivos, como transfusões de sangue, tomografia computadorizada (TC) e disposição pós-emergência, incluindo o uso de trombolíticos para acidente vascular cerebral isquêmico agudo, punção lombar para excluir hemorragia subaracnoide e tomografia computadorizada para traumatismos cranianos pediátricos menores.

                Os desafios da tomada de decisão compartilhada em Medicina de Emergência incluem o paciente, o prestador de serviços de saúde, o sistema hospitalar e a evidência de limitações. Os exemplos incluem:
    • se os pacientes são capazes ou estão dispostos a tomar decisões
    • se os provedores sentem que a decisão fornece mais ou menos proteção médico-legal,
    • se o Departamento de Emergência está sobrecarregado e há tempo suficiente para tomar decisões
    • se a instalação possui ou não ferramentas de previsão de risco bem validadas para orientar a tomada de decisão.
                A vida humana é feita de escolhas e enquanto saudáveis todos nós temos o direito de escolher o que comer, o que vestir, qual medicamento tomar e assim por diante. Quando enfermos, não perdemos esse direito, continuamos com o direito de saber detalhes dos procedimentos médicos que seremos submetidos e continuamos com o direito de consentir ou não o tipo de tratamento que desejamos receber, especialmente quando se trata de procedimentos que possam nos trazer malefícios. O consentimento informado é necessário para determinar a livre escolha do paciente de decidir o que será feito com seu corpo, mas perderá totalmente sua necessidade e eficácia se for desrespeitado. 

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Referências:


[1] The Joint Commission - Organização independente sem fins lucrativos que tem por objetivo o contínuo aprimoramento dos cuidados com a saúde. Website: www.jointcommision.org. 
[2] A procuração é um contrato por meio do qual uma pessoa, que não pode praticar o ato pessoalmente, autoriza outra a realizar um determinado ato ou negócio jurídico em seu nome.
[3] No Brasil, o alistamento é obrigatório à partir dos 18 anos.

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