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sexta-feira, 25 de março de 2016

O Mercado Obscuro do Sangue



Segundo o ministério da saúde, 1,9% dos brasileiros doa sangue regularmente. A taxa está dentro do parâmetro de 1% a 3% definido pela Organização Mundial da Saúde. Para doar sangue é preciso estar em boas condições de saúde, ter entre 16 e 69 anos, desde que a primeira doação tenha sido feita até 60 anos, pesar no mínimo 50kg, estar descansado (ter dormido pelo menos 6 horas nas últimas 24 horas), estar alimentado (evitar alimentação gordurosa nas 4 horas que antecedem a doação), apresentar documento original com foto emitido por órgão oficial (Carteira de Identidade, Cartão de Identidade de Profissional Liberal, Carteira de Trabalho e Previdência Social).[1]

O doador acredita que doar sangue é um ato de solidariedade que também o beneficiará se precisar de uma doação no futuro. Engana-se quem pensa que, se a doação é gratuita, terá acesso gratuito ao sangue quando dele precisar.

Quem já passou pela experiência num hospital particular para fazer uma cirurgia cardíaca, por exemplo, se surpreendeu com o tamanho da conta a acertar antes da saída. Só de banco de sangue, a família pode gastar 10 mil reais ou mais.

Muito mais difícil de entender e aceitar, é quando o paciente é atendido pelo SUS num hospital de grande porte. O sangue que chega de graça à instituição, custa cerca de mil e quinhentos reais por litro depois de armazenado. A argumentação dos administradores dos Bancos de Sangue é que os custos envolvidos referentes ao pagamento de funcionários, testes para identificar vírus, conservação das bolsas, etc., encarecem o produto.

As pessoas não sabem que, ao doarem seu sangue com a motivação predominantemente altruísta, estão colaborando com um mercado obscuro que transforma o líquido vermelho num produto extremamente valioso, tanto que, entre os profissionais que lidam com os derivados do sangue, o plasma é chamado de “ouro líquido”.

O sangue é um artigo caríssimo e raro, vale muito mais que o petróleo, que assim como o sangue, é fracionado em vários subprodutos. O mercado anual de petróleo é de 500 bilhões de dólares e o de plasma é de 20 bilhões de dólares. O preço do barril bruto de petróleo é de 25 dólares e o de derivados contidos num barril é de 45 dólares. Já o preço de um barril de plasma bruto é de 16 mil dólares e o valor dos hemoderivados contidos num barril é de 70 mil dólares. Por comparação, é possível perceber a supervalorização do sangue e seus derivados.

Uma bolsa de sangue com 350 mililitros custa de 300 a 800 reais. A maioria dos pacientes recebe de duas a três bolsas. Se o doente passa mais de sete dias no hospital, costuma receber pelo menos uma bolsa para compensar o sangue perdido em sucessivas coletas para exames.

Em junho de 2015, houve uma grande repercussão por causa da cobrança de bolsas de sangue captadas pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e utilizadas em pacientes de uma clínica particular em Rondônia. Uma médica postou nas redes sociais que a Fhemeron (Fundação de Hematologia e Hemoterapia do Estado de Rondônia), vinculada à Secretaria Estadual da Saúde, cobra R$ 428,78 (quatrocentos e vinte e oito reais e setenta e oito centavos) por uma bolsa de sangue e R$ 384,40 (trezentos e oitenta e quatro reais e quarenta centavos) por uma bolsa de plasma. “Você, doador de sangue, saiba que seu sangue doado de graça está sendo cobrado”, disse a médica, em sua página na rede social.

A Constituição Federal prevê a regulamentação sobre as condições e requisitos para a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, desde que não haja nenhum tipo de comercialização:

Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

§ 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
§ 2º É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.
§ 3º É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.
§ 4º A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.

A lei que regula as transfusões de sangue no País, a 10.205, de 21 de março de 2001, especifica que é expressamente proibida a cobrança pelo sangue doado, bem como o pagamento ao doador:

Art. 1º - Esta Lei dispõe sobre a captação, proteção ao doador e ao receptor, coleta, processamento, estocagem, distribuição e transfusão do sangue, de seus componentes e derivados, vedada a compra, venda ou qualquer outro tipo de comercialização do sangue, componentes e hemoderivados, em todo o território nacional, seja por pessoas físicas ou jurídicas, em caráter eventual ou permanente, que estejam em desacordo com o ordenamento institucional estabelecido nesta Lei.

O artigo 2º, parágrafo único, entretanto, autoriza a cobrança de taxas de custeio para a realização de testes no sangue.

Art. 2o Para efeitos desta Lei, entende-se por sangue, componentes e hemoderivados os produtos e subprodutos originados do sangue humano venoso, placentário ou de cordão umbilical, indicados para diagnóstico, prevenção e tratamento de doenças, assim definidos:

I - sangue: a quantidade total de tecido obtido na doação;
II - componentes: os produtos oriundos do sangue total ou do plasma, obtidos por meio de processamento físico;
III - hemoderivados: os produtos oriundos do sangue total ou do plasma, obtidos por meio de processamento físico-químico ou biotecnológico.

Parágrafo único. Não se considera como comercialização a cobrança de valores referentes a insumos, materiais, exames sorológicos, imunoematológicos e demais exames laboratoriais definidos pela legislação competente, realizados para a seleção do sangue, componentes ou derivados, bem como honorários por serviços médicos prestados na assistência aos pacientes e aos doadores.

Art. 14. A Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados rege-se pelos seguintes princípios e diretrizes:

I - universalização do atendimento à população;
II - utilização exclusiva da doação voluntária, não remunerada, do sangue, cabendo ao poder público estimulá-la como ato relevante de solidariedade humana e compromisso social;
III - proibição de remuneração ao doador pela doação de sangue;
IV - proibição da comercialização da coleta, processamento, estocagem, distribuição e transfusão do sangue, componentes e hemoderivados;
V - permissão de remuneração dos custos dos insumos, reagentes, materiais descartáveis e da mão-de-obra especializada, inclusive honorários médicos, na forma do regulamento desta Lei e das Normas Técnicas do Ministério da Saúde;
                       
O problema encontra-se na permissão dos custos dos insumos, materiais, exames, processamento, etc., que dá margem a uma grande oportunidade para impulsionar a comercialização do sangue e derivados e o seu superfaturamento.

A lei brasileira estipula que todo o sangue doado deve ser testado para uma série de doenças antes de ser disponibilizado para o uso, o que é feito em hemocentros, geralmente públicos. No caso do uso do sangue pelo SUS, esses custos são bancados pelo poder público. Na rede particular, a lei determina que o hospital que usa o sangue deve ressarcir o hemocentro que realiza os testes. O hospital particular deve arcar com esse custo, cobrando dos planos de saúde um valor de custeio para cada bolsa de sangue utilizada, mas esse valor jamais pode ser repassado ao paciente.
                     
Profissionais da saúde já relataram que ao solicitar uma pequena bolsa de sangue para uso infantil, receberam, ao invés, uma grande quantidade de sangue, resultando no descarte do restante. Alguém pode estar lucrando muito com o desperdício de sangue. Assim sendo, é incompreensível o fato de que as iniciativas capazes de reduzir a necessidade de transfusões de sangue sejam tão pouco conhecidas e difundidas.

A mesma lei que regula as transfusões de sangue também postula a implementação da disciplina de Hemoterapia nos cursos de graduação médica:

Art. 16. A Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados, cuja execução estará a cargo do SINASAN, será dirigida, em nível nacional, por órgão específico do Ministério da Saúde, que atuará observando os seguintes postulados:

VII - propor aos órgãos competentes da área de educação critérios para a formação de recursos humanos especializados necessários à realização de atividades hemoterápicas e à obtenção, controle, processamento, estocagem, distribuição, transfusão e descarte de sangue, componentes e hemoderivados, inclusive a implementação da disciplina de Hemoterapia nos cursos de graduação médica;

Segundo a médica cardiologista, Dra. Ludhmila Abrahão Hajjar[2], Diretora do Departamento de Pacientes Críticos e Coordenadora da UTI Cirúrgica do InCor do HC-FMUSP, Coordenadora do Departamento de Pós-Graduação em Cardiologia da FMUSP, Coordenadora da UTI Cardiológica do Hospital Sírio Libanês e Coordenadora da UTI Geral do Instituto do Câncer da FMUSP, “Em 1934, o americano John Lundy criou na Clínica Mayo, o primeiro banco de sangue do mundo. Em 1942, ele propôs o limite de 10 g/dL (nível de hemoglobina para a indicação da transfusão de sangue) baseado na observação de seus pacientes. Desde então, a recomendação vem passando de geração em geração. Não podemos continuar fazendo medicina baseados num relato de 1942.

Referências Bibliográficas: 

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em 25/03/2016.

BRASIL. Lei No 10.205, de 21 de março de 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10205.htm> Acesso em 25/03/2016.

SCHIAVONI, Eduardo. Cobrança de bolsas de sangue em Rondônia vira polêmica nas redes sociais. UOL. Ribeirão Preto. 09/06/2015. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2015/06/09/cobranca-de-bolsas-de-sangue-em-rondonia-vira-polemica-nas-redes-sociais.htm> Acesso em: 25/03/2016.

SEGATTO, Cristiane. A Indústria do Sangue. O que acontece com as bolsas que você doa. Revista Época. 17/06/2011. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI242291-15230,00-A+INDUSTRIA+DO+SANGUE.html> Acesso em: 25/03/2016.

ZHANG, Sarah. Transfusão de sangue é mais usada do que deveria na medicina. Gizmodo Brasil. 2/4/2015. Disponível em: <http://gizmodo.uol.com.br/transfusao-de-sangue-e-mais-usada-do-que-deveria-na-medicina/> Acesso em 25/03/2016.




[1] http://www.prosangue.sp.gov.br/artigos/requisitos_basicos_para_doacao
[2] http://www.pgcardiologia.incor.usp.br/index.php/docentes/118-ludhmila-abrahao-hajjar

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