Em 1628, o médico
britânico William Harvey descobriu que as artérias pulsam no momento que o
coração está contraído e que, se essa artéria for furada, o sangue jorra.
Bloqueando as artérias em vários pontos, concluiu que elas não produzem a
pulsação, que era inteiramente ligada ao coração, que algumas veias e artérias
eram vias de um só sentido, pois eram providas de válvulas, que levavam o
sangue ao coração. Traçou o mapa dos fluxos do sangue pelo coração e pelas
artérias, até chegar às veias e voltar ao coração e concluiu que “o coração é
uma bomba.” Suas descobertas revolucionaram a medicina.
Seguido pelas
descobertas de Harvey, em 1665, um outro médico britânico, Richard Lower,
realizou as primeiras transfusões de sangue em animais. Lower foi o primeiro
médico a realizar transfusões de sangue entre animais e também entre animais e
seres humanos. Ele sempre será lembrado por seu pioneirismo nas transfusões de
sangue.
Em 1667, o médico
francês Jean-Baptiste Denis infundiu sangue de uma ovelha em um ser humano,
porém, o procedimento foi mal sucedido.
As transfusões da época
eram heterólogas, ou seja, com sangue de animais de espécies diferentes. A
primeira transfusão com sangue humano é atribuída a James Blundell, em 1818,
que, após realizar com sucesso experiências em animais, transfundiu sangue
humano em mulheres com hemorragia pós-parto.
Mesmo sendo vista como
um avanço, a transfusão homóloga (entre seres da mesma espécie) apresentava
problemas relacionados à coagulação do sangue e demais reações adversas. Foram
desenvolvidos equipamentos e técnicas cirúrgicas que permitissem a transfusão
direta, com a utilização da artéria do doador e a veia do receptor, processo
que passou a ser denominado “braço a braço”.
A terapia de transfusão
de sangue começou a obter êxito após a descoberta dos grupos sanguíneos e da
compatibilidade sanguínea.
No final do século XIX,
o imunologista austríaco, Karl Landsteiner, constatou que o soro do sangue de
uma pessoa muitas vezes coagula ao ser misturado com o de outra, o que
culminaria numa das mais importantes descobertas, o sistema de grupo sanguíneo
ABO.
Em 1901-1903,
Landsteiner apontou que uma reação pode ocorrer quando o sangue de um indivíduo
humano é transfundido com a de outro ser humano, e que esta pode ser a causa de
choque, icterícia e hemoglobinúria.
Em 1909, Landsteiner
classificou os sangues dos seres humanos para a A, B, AB e O e mostrou que as
transfusões entre os indivíduos dos grupos A ou B não resultam na destruição de
células do sangue novo, mas que ocorre apenas quando uma pessoa é transfundida
com o sangue de alguém pertencente a um grupo diferente.
A descoberta dos
anticoagulantes melhoraram a possibilidade de armazenamento do sangue. Em 1914,
estudos mostraram que o citrato de sódio era um anticoagulante eficaz, e em
1916, Jay MacLean, um estudante de medicina, descobriu a heparina, que até hoje
é o anticoagulante mais utilizado. A possibilidade de armazenamento de sangue
por longo período sem coagular significava que o sangue poderia ser armazenado
em depósitos de fácil acesso e, desta forma, as transfusões de pessoa a pessoa
poderiam diminuir. Este armazenamento seria extremamente útil em época de
guerra, quando as transfusões de pessoa para pessoa eram totalmente
impraticáveis.
A primeira transfusão
com sangue armazenado por 26 dias foi realizada em 1918, durante a Primeira
Guerra Mundial, na batalha de Cambrai[1], e esse procedimento passou a ser amplamente
difundido até os dias atuais.
O fator Rh foi
descoberto somente em 1940[2], depois dos estudos de dois pesquisadores. Foi
retirado o sangue de um macaco e injetado em cobaias. As pesquisas indicaram
que, ao injetar o sangue do macaco, o organismo das cobaias reagia produzindo
anticorpos, pois tratava-se de uma substância desconhecida pelo organismo. Os
anticorpos produzidos foram denominados de anti-Rh, pois no sangue do macaco
havia um antígeno denominado fator Rh. Cerca de 85% das pessoas possuem o fator
Rh nas hemácias, sendo por isso chamados de Rh+ (Rh positivos). Os 15% restantes
que não o possuem são chamados de Rh- (Rh negativos).
Com o aumento das
transfusões de sangue, principalmente após a descoberta do Fator Rh e depois da
Segunda Guerra Mundial, os Bancos de Sangue começaram a se preocupar com o
número elevado de transmissão da hepatite. Em 1971, começaram a fazer testes
comerciais para detectar o antígeno de superfície da Hepatite B. Uma década
depois, em 1985, cerca de dois anos após a descoberta da transmissão de
HIV por transfusão, foi introduzido um teste para anticorpos anti-HIV. Em 1990,
testes para hepatite C tornaram-se rotina e logo após, foi introduzido teste
para o antígeno de HIV.
Desde aquela época tem
havido um crescente reconhecimento da transmissibilidade de agentes
infecciosos, tais como os príons[3], doença de Creutzfeldt Jakob (DCJ)[4], vírus da Febre do Nilo
Ocidental[5], Trypanossoma
Cruzi[6],
dentre outras, sendo que foram implementadas abordagens e testes para proteger
a segurança do fornecimento de sangue a partir de cada uma delas.
Porém, ao longo dos
últimos 25 anos, complicações não infecciosas também se tornaram aparentes,
tais como reações febris não hemolíticas (RFNH) e doença do enxerto
contra hospedeiro (DECH)[7]. Ainda existem inúmeros riscos graves por agentes não
infecciosos, incluindo a transfusão de hemácias ABO incompatíveis, sobrecarga circulatória associada à
transfusão (TACO)[8], lesão pulmonar aguda associada à transfusão (TRALI)[9], dentre outros, conforme o quadro abaixo:
Principais reações
transfusionais[10].
Imune
|
Não-imune
|
|
Imediata
|
Reação febril
não-hemolítica (RFNH)
|
Sobrecarga volêmica
|
Reação hemolítica aguda (rha)
|
Contaminação bacteriana
|
|
Reação alérgica
(leve, moderada, grave)
|
Hipotensão por
inibidor da ECA
|
|
TRALI (Transfusion Related Lung Injury)
|
Hemólise não-imune
|
|
Hipocalcemia
|
||
Embolia aérea
|
||
Hipotermia
|
||
Tardia
|
Aloimunização eritrocitária
|
Hemossiderose
|
Aloimunização HLA
|
Doenças infecciosas
|
|
Reação enxerto x hospedeiro
|
||
Púrpura pós-transfusional
|
||
Imunomodulação
|
Segundo o Centro Americano para Controle e Prevenção de Doenças (CDC), o crescimento populacional, mudanças comportamentais, viagens, transporte de animais e alimentos por todo o mundo e o próprio avanço humano sobre habitats selvagens, têm contribuído para o aparecimento de novas doenças e o reaparecimento de moléstias infecciosas já conhecidas. Doenças infecciosas mutantes fazem com que seja impossível garantir a segurança das transfusões, que não são isentas de riscos, além do que, seus efeitos são irreversíveis.
[1] A Batalha de
Cambrai ou, na sua forma portuguesa, de Cambraia (20 de Novembro – 7 de
Dezembro de 1917) foi uma campanha britânica da Primeira Guerra Mundial.
Cambrai, no Nord département (Nord-Pas-de-Calais), era um local de
abastecimento essencial para a Siegfried Stellung (uma posição alemã parte da
Linha Hindenburg), e a proximidade do cume de Bourlon seria uma excelente
conquista a partir da qual os britânicos poderiam ameaçar a retaguarda da linha
alemã a norte. A operação iria incluir uma acção experimental de artilharia. O
Major-General Tudor, Comandante da Real Artilharia da 9.ª Divisão Escocesa,
sugeriu a utilização de novas técnicas de artilharia e infantaria neste sector
da frente. Durante os preparativos, J. F. C. Fuller, ofical do Royal Tank Corps
(RTC), procurava um local para utilizar tanques como unidade de ataque. O
General Julian Byng, comandante do 3.º Exército Britânico, decidiu
incorporá-los no grupo de ataque. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_de_Cambrai_(1917)
[2] Importante lembrar
que as transfusões de sangue foram amplamente utilizadas por meio de sangue
armazenado a partir da Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), e o Fator Rh foi
descoberto somente em 1940, portanto, muitas reações transfusionais ocorreram.
[3] Príons são
moléculas proteicas que possuem propriedades infectantes. O nome príon vem do
inglês proteinaceous infectious particles, que quer dizer partículas proteicas
infecciosas. Tais partículas se distinguem de vírus e bactérias comuns por
serem desprovidos de carga genética. Disponível em:
http://www.infoescola.com/bioquimica/prions/
[4] A Doença
de Creutzfeldt-Jakob (DCJ) é uma Encefalopatia Espongiforme
Transmissível que acomete os humanos, sua incidência é estável e descrita com
sendo de 1 a 2 casos novos a cada 1.000.000 de habitantes e é discretamente
mais prevalente em mulheres. Tem caráter neurodegenerativo não existindo
tratamento e sendo fatal em todos os casos. É causada por uma partícula
proteinácea infectante denominada de “PRION’’. Assim como outras encefalopatias
espongiformes transmissíveis, é caracterizada por uma alteração espongiforme
visualizada ao exame microscópico do cérebro. Regularmente é diagnosticada no
país, ocorrendo normalmente em pessoas com idade entre 60 e 80 anos, com uma
idade média de morte de 67 anos. A partir dos primeiros sintomas da doença, o
tempo de vida médio paciente é de um ano. O paciente típico com DCJ desenvolve
uma demência progressiva rapidamente associada com sinais neurológicos
multifocais, ataxia e mioclonias ficando muda e imóvel na fase terminal.
Disponível em:
http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/secretarias/svs/doenca-de-creutzfeldt-jakob-dcj
[5] A Febre do Nilo
Ocidental é uma Infecção viral que pode transcorrer de forma
subclínica ou com sintomatologia de distintos graus de gravidade, variando
desde febre e mialgia até encefalite grave. As formas graves ocorrem com maior
frequência em idosos. Disp. em:
http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/secretarias/svs/febre-do-nilo-ocidental
[6] Trypanosoma cruzi
é uma espécie de protozoário flagelado da família Trypanosomatidae. É o agente
etiológico da doença de Chagas. Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Trypanosoma_cruzi
[7] No caso do
transplante alogênico, existe a possibilidade de as células do doador (o
enxerto) reagirem contra o organismo do paciente (o hospedeiro), mesmo que o
doador seja um irmão ou irmã. Esta reação é conhecida como doença
enxerto-contra-hospedeiro, que pode se manifestar de forma aguda ou crônica. A
forma aguda costuma acorrer nos primeiros sessenta dias e pode comprometer a
pele, fígado ou trato gastrointestinal. A forma crônica pode surgir até um ano
após o transplante e comprometer vários órgãos, como olhos ou pulmão. Disponível
em:
http://www.hucff.ufrj.br/hematologia/orientacao-ao-paciente-de-transplante-medula-ossea/145-especialidades/hematologia/orientacoes-ao-paciente-de-transplante-de-medula-ossea/243-o-que-e-doenca-do-enxerto-contra-hospedeiro-dech
[8] É um edema
pulmonar cardiogénico associado à infusão de grandes volumes de sangue e
componentes. Disponível em:
http://medicinaemcasa.com/sobrecarga-circulatoria-associada-a-transfusao-taco/
[9] Lesão pulmonar
aguda associada à transfusão (transfusion-related acute lung injury,
TRALI) é uma complicação clínica grave relacionada à transfusão de
hemocomponentes que contêm plasma. Recentemente, TRALI foi considerada a
principal causa de morte associada à transfusão nos Estados Unidos e Reino
Unido. É manifestada tipicamente por dispnéia, hipoxemia, hipotensão, febre e
edema pulmonar não cardiogênico, que ocorre durante ou dentro de 6 h, após
completada a transfusão. Embora o exato mecanismo não tenha sido totalmente
elucidado, postula-se que TRALI esteja associada à infusão de anticorpos contra
antígenos leucocitários (classes I ou II ou aloantígenos específicos de
neutrófilos) e a mediadores biologicamente ativos presentes em componentes
celulares estocados. A maioria dos doadores implicados em casos da TRALI são
mulheres multíparas. TRALI, além de ser pouco diagnosticada, pode ainda ser
confundida com outras situações de insuficiência respiratória aguda. Um melhor
conhecimento sobre TRALI pode ser crucial na prevenção e tratamento desta
severa complicação transfusional. Jornal Brasileiro de Pneumologia.
[10] MedicinaNET. Disponível em:
http://www.medicinanet.com.br/conteudos/biblioteca/2226/reacoes_transfusionais_imediatas.htm
Referências Bibliográficas:
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em: <http://www.boasaude.com.br/noticias/383/especialistas-discutem-surgimento-de-novas-doencas-infecciosas.html> Acesso em 13/03/2016.
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Hospital Alemão Oswaldo Cruz. História da transfusão de sangue. 2015. Disponível
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