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domingo, 13 de março de 2016

História da Transfusão de Sangue



Em 1628, o médico britânico William Harvey descobriu que as artérias pulsam no momento que o coração está contraído e que, se essa artéria for furada, o sangue jorra. Bloqueando as artérias em vários pontos, concluiu que elas não produzem a pulsação, que era inteiramente ligada ao coração, que algumas veias e artérias eram vias de um só sentido, pois eram providas de válvulas, que levavam o sangue ao coração. Traçou o mapa dos fluxos do sangue pelo coração e pelas artérias, até chegar às veias e voltar ao coração e concluiu que “o coração é uma bomba.” Suas descobertas revolucionaram a medicina. 

Seguido pelas descobertas de Harvey, em 1665, um outro médico britânico, Richard Lower, realizou as primeiras transfusões de sangue em animais. Lower foi o primeiro médico a realizar transfusões de sangue entre animais e também entre animais e seres humanos. Ele sempre será lembrado por seu pioneirismo nas transfusões de sangue.

Em 1667, o médico francês Jean-Baptiste Denis infundiu sangue de uma ovelha em um ser humano, porém, o procedimento foi mal sucedido.

As transfusões da época eram heterólogas, ou seja, com sangue de animais de espécies diferentes. A primeira transfusão com sangue humano é atribuída a James Blundell, em 1818, que, após realizar com sucesso experiências em animais, transfundiu sangue humano em mulheres com hemorragia pós-parto.

Mesmo sendo vista como um avanço, a transfusão homóloga (entre seres da mesma espécie) apresentava problemas relacionados à coagulação do sangue e demais reações adversas. Foram desenvolvidos equipamentos e técnicas cirúrgicas que permitissem a transfusão direta, com a utilização da artéria do doador e a veia do receptor, processo que passou a ser denominado “braço a braço”.

A terapia de transfusão de sangue começou a obter êxito após a descoberta dos grupos sanguíneos e da compatibilidade sanguínea.

No final do século XIX, o imunologista austríaco, Karl Landsteiner, constatou que o soro do sangue de uma pessoa muitas vezes coagula ao ser misturado com o de outra, o que culminaria numa das mais importantes descobertas, o sistema de grupo sanguíneo ABO.

Em 1901-1903, Landsteiner apontou que uma reação pode ocorrer quando o sangue de um indivíduo humano é transfundido com a de outro ser humano, e que esta pode ser a causa de choque, icterícia e hemoglobinúria.

Em 1909, Landsteiner classificou os sangues dos seres humanos para a A, B, AB e O e mostrou que as transfusões entre os indivíduos dos grupos A ou B não resultam na destruição de células do sangue novo, mas que ocorre apenas quando uma pessoa é transfundida com o sangue de alguém pertencente a um grupo diferente.

A descoberta dos anticoagulantes melhoraram a possibilidade de armazenamento do sangue. Em 1914, estudos mostraram que o citrato de sódio era um anticoagulante eficaz, e em 1916, Jay MacLean, um estudante de medicina, descobriu a heparina, que até hoje é o anticoagulante mais utilizado. A possibilidade de armazenamento de sangue por longo período sem coagular significava que o sangue poderia ser armazenado em depósitos de fácil acesso e, desta forma, as transfusões de pessoa a pessoa poderiam diminuir. Este armazenamento seria extremamente útil em época de guerra, quando as transfusões de pessoa para pessoa eram totalmente impraticáveis.

A primeira transfusão com sangue armazenado por 26 dias foi realizada em 1918, durante a Primeira Guerra Mundial, na batalha de Cambrai[1], e esse procedimento passou a ser amplamente difundido até os dias atuais.

O fator Rh foi descoberto somente em 1940[2], depois dos estudos de dois pesquisadores. Foi retirado o sangue de um macaco e injetado em cobaias. As pesquisas indicaram que, ao injetar o sangue do macaco, o organismo das cobaias reagia produzindo anticorpos, pois tratava-se de uma substância desconhecida pelo organismo. Os anticorpos produzidos foram denominados de anti-Rh, pois no sangue do macaco havia um antígeno denominado fator Rh. Cerca de 85% das pessoas possuem o fator Rh nas hemácias, sendo por isso chamados de Rh+ (Rh positivos). Os 15% restantes que não o possuem são chamados de Rh- (Rh negativos).

Com o aumento das transfusões de sangue, principalmente após a descoberta do Fator Rh e depois da Segunda Guerra Mundial, os Bancos de Sangue começaram a se preocupar com o número elevado de transmissão da hepatite. Em 1971, começaram a fazer testes comerciais para detectar o antígeno de superfície da Hepatite B. Uma década depois, em 1985,  cerca de dois anos após a descoberta da transmissão de HIV por transfusão, foi introduzido um teste para anticorpos anti-HIV. Em 1990, testes para hepatite C tornaram-se rotina e logo após, foi introduzido teste para o antígeno de HIV.

Desde aquela época tem havido um crescente reconhecimento da transmissibilidade de agentes infecciosos, tais como os príons[3]doença de Creutzfeldt Jakob (DCJ)[4], vírus da Febre do Nilo Ocidental[5]Trypanossoma Cruzi[6], dentre outras, sendo que foram implementadas abordagens e testes para proteger a segurança do fornecimento de sangue a partir de cada uma delas.

Porém, ao longo dos últimos 25 anos, complicações não infecciosas também se tornaram aparentes, tais como reações febris não hemolíticas (RFNH) e doença do enxerto contra hospedeiro (DECH)[7]. Ainda existem inúmeros riscos graves por agentes não infecciosos, incluindo a transfusão de hemácias ABO incompatíveissobrecarga circulatória associada à transfusão (TACO)[8]lesão pulmonar aguda associada à transfusão (TRALI)[9]dentre outros, conforme o quadro abaixo:


 Principais reações transfusionais[10].
Imune
Não-imune
Imediata
Reação febril não-hemolítica (RFNH)
Sobrecarga volêmica
Reação hemolítica aguda (rha)
Contaminação bacteriana
Reação alérgica (leve, moderada, grave)
Hipotensão por inibidor da ECA
TRALI (Transfusion Related Lung Injury)
Hemólise não-imune
Hipocalcemia
Embolia aérea
Hipotermia
Tardia
Aloimunização eritrocitária
Hemossiderose
Aloimunização HLA
Doenças infecciosas
Reação enxerto x hospedeiro
Púrpura pós-transfusional
Imunomodulação


Segundo o Centro Americano para Controle e Prevenção de Doenças (CDC), o crescimento populacional, mudanças comportamentais, viagens, transporte de animais e alimentos por todo o mundo e o próprio avanço humano sobre habitats selvagens, têm contribuído para o aparecimento de novas doenças e o reaparecimento de moléstias infecciosas já conhecidas. Doenças infecciosas mutantes fazem com que seja impossível garantir a segurança das transfusões, que não são isentas de riscos, além do que, seus efeitos são irreversíveis.



[1] A Batalha de Cambrai ou, na sua forma portuguesa, de Cambraia (20 de Novembro – 7 de Dezembro de 1917) foi uma campanha britânica da Primeira Guerra Mundial. Cambrai, no Nord département (Nord-Pas-de-Calais), era um local de abastecimento essencial para a Siegfried Stellung (uma posição alemã parte da Linha Hindenburg), e a proximidade do cume de Bourlon seria uma excelente conquista a partir da qual os britânicos poderiam ameaçar a retaguarda da linha alemã a norte. A operação iria incluir uma acção experimental de artilharia. O Major-General Tudor, Comandante da Real Artilharia da 9.ª Divisão Escocesa, sugeriu a utilização de novas técnicas de artilharia e infantaria neste sector da frente. Durante os preparativos, J. F. C. Fuller, ofical do Royal Tank Corps (RTC), procurava um local para utilizar tanques como unidade de ataque. O General Julian Byng, comandante do 3.º Exército Britânico, decidiu incorporá-los no grupo de ataque. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_de_Cambrai_(1917)
[2] Importante lembrar que as transfusões de sangue foram amplamente utilizadas por meio de sangue armazenado a partir da Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), e o Fator Rh foi descoberto somente em 1940, portanto, muitas reações transfusionais ocorreram.
[3] Príons são moléculas proteicas que possuem propriedades infectantes. O nome príon vem do inglês proteinaceous infectious particles, que quer dizer partículas proteicas infecciosas. Tais partículas se distinguem de vírus e bactérias comuns por serem desprovidos de carga genética. Disponível em: http://www.infoescola.com/bioquimica/prions/
[4] A Doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ) é uma Encefalopatia Espongiforme Transmissível que acomete os humanos, sua incidência é estável e descrita com sendo de 1 a 2 casos novos a cada 1.000.000 de habitantes e é discretamente mais prevalente em mulheres. Tem caráter neurodegenerativo não existindo tratamento e sendo fatal em todos os casos. É causada por uma partícula proteinácea infectante denominada de “PRION’’. Assim como outras encefalopatias espongiformes transmissíveis, é caracterizada por uma alteração espongiforme visualizada ao exame microscópico do cérebro. Regularmente é diagnosticada no país, ocorrendo normalmente em pessoas com idade entre 60 e 80 anos, com uma idade média de morte de 67 anos. A partir dos primeiros sintomas da doença, o tempo de vida médio paciente é de um ano. O paciente típico com DCJ desenvolve uma demência progressiva rapidamente associada com sinais neurológicos multifocais, ataxia e mioclonias ficando muda e imóvel na fase terminal. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/secretarias/svs/doenca-de-creutzfeldt-jakob-dcj
[5] A Febre do Nilo Ocidental  é uma Infecção viral que pode transcorrer de forma subclínica ou com sintomatologia de distintos graus de gravidade, variando desde febre e mialgia até encefalite grave. As formas graves ocorrem com maior frequência em idosos. Disp. em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/secretarias/svs/febre-do-nilo-ocidental
[6] Trypanosoma cruzi é uma espécie de protozoário flagelado da família Trypanosomatidae. É o agente etiológico da doença de Chagas. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Trypanosoma_cruzi
[7] No caso do transplante alogênico, existe a possibilidade de as células do doador (o enxerto) reagirem contra o organismo do paciente (o hospedeiro), mesmo que o doador seja um irmão ou irmã. Esta reação é conhecida como doença enxerto-contra-hospedeiro, que pode se manifestar de forma aguda ou crônica. A forma aguda costuma acorrer nos primeiros sessenta dias e pode comprometer a pele, fígado ou trato gastrointestinal. A forma crônica pode surgir até um ano após o transplante e comprometer vários órgãos, como olhos ou pulmão. Disponível em: http://www.hucff.ufrj.br/hematologia/orientacao-ao-paciente-de-transplante-medula-ossea/145-especialidades/hematologia/orientacoes-ao-paciente-de-transplante-de-medula-ossea/243-o-que-e-doenca-do-enxerto-contra-hospedeiro-dech
[8] É um edema pulmonar cardiogénico associado à infusão de grandes volumes de sangue e componentes. Disponível em: http://medicinaemcasa.com/sobrecarga-circulatoria-associada-a-transfusao-taco/
[9] Lesão pulmonar aguda associada à transfusão (transfusion-related acute lung injury, TRALI) é uma complicação clínica grave relacionada à transfusão de hemocomponentes que contêm plasma. Recentemente, TRALI foi considerada a principal causa de morte associada à transfusão nos Estados Unidos e Reino Unido. É manifestada tipicamente por dispnéia, hipoxemia, hipotensão, febre e edema pulmonar não cardiogênico, que ocorre durante ou dentro de 6 h, após completada a transfusão. Embora o exato mecanismo não tenha sido totalmente elucidado, postula-se que TRALI esteja associada à infusão de anticorpos contra antígenos leucocitários (classes I ou II ou aloantígenos específicos de neutrófilos) e a mediadores biologicamente ativos presentes em componentes celulares estocados. A maioria dos doadores implicados em casos da TRALI são mulheres multíparas. TRALI, além de ser pouco diagnosticada, pode ainda ser confundida com outras situações de insuficiência respiratória aguda. Um melhor conhecimento sobre TRALI pode ser crucial na prevenção e tratamento desta severa complicação transfusional. Jornal Brasileiro de Pneumologia.
[10] MedicinaNET. Disponível em: http://www.medicinanet.com.br/conteudos/biblioteca/2226/reacoes_transfusionais_imediatas.htm


Referências Bibliográficas:

Biblioteca Médica Virtual. Boa Saúde. Especialistas Discutem Surgimento de Novas Doenças Infecciosas. 2015. Disponível em:  <http://www.boasaude.com.br/noticias/383/especialistas-discutem-surgimento-de-novas-doencas-infecciosas.html> Acesso em 13/03/2016.

Biografia de William Harvey. e-Biografias. 2015. Disponível em: <http://www.e-biografias.net/william_harvey/> Acesso em 13/03/2016.

Instituto HOC de Hemoterapia. Banco de Sangue do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. História da transfusão de sangue. 2015. Disponível em: <http://www.institutohoc.com.br/index.php/historia/historia-transfusao-sangue> Acesso em: 13/03/2016.

JEMMETT, Rebecca; PEACOCK, Pamela.  Museum of Health Care. Medical Contributions of The Great War: Blood Transfusion2012. Disponível em: <https://museumofhealthcare.wordpress.com/2012/11/10/medical-contributions-of-the-great-war-blood-transfusion/> Acesso em 13/03/2016.

"Karl Landsteiner - Biographical". Nobelprize.org. Nobel Media AB 2014. Web. 13 Mar 2016. <http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/medicine/laureates/1930/landsteiner-bio.html> Acesso em: 13/03/2016.

MANDAL, Ananya. História da Transfusão de Sangue. 2016. Disponível em:
http://www.news-medical.net/health/History-of-Blood-Transfusion-(Portuguese).aspx Acesso em 13/03/2016.

MORAN, Erin. Richard Lower and the “Life Force” of the Body. Disponível em: <https://www1.umn.edu/ships/modules/biol/lower.pdf> Acesso em 13/03/2016.

Richard Lower. Encyclopaedia Britannica. 2016. Disponível em: <http://global.britannica.com/biography/Richard-Lower> Acesso em 13/03/2016.

SHAZ, Beth H.; HILLYER, Christopher D.; ROSHAL, Mikhail; ABRAMS, Charles S. Transfusion Medicine and Hemostasis: Clinical and Laboratory Aspects. Adverse Effects of Blood TransfusionPágina 5.2013. 


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