A primeira sentença de morte da história da humanidade está registrada na Bíblia Sagrada no livro de Gênesis, capítulo 3, versículos 17-19, quando Deus disse a Adão: “Visto que você escutou a voz da sua esposa e comeu da árvore a respeito da qual lhe dei a ordem: ‘Não coma dela’, maldito é o solo por sua causa. Em dor você comerá dos produtos dele todos os dias da sua vida. Ele produzirá para você espinhos e abrolhos, e você terá de comer a vegetação do campo. No suor do seu rosto comerá pão, até que você volte ao solo, pois dele foi tirado. Porque você é pó e ao pó voltará.”[1]
Desde então, a morte passou a ser a questão mais
intrigante para os filósofos, devido às incertezas decorrentes de todo o seu
processo inicial e seu desenvolvimento.
No ramo das
ciências, a morte é estudada pela Tanatologia[2],
ciência que estuda todo o processo da morte, suas causas, fenômenos, circunstâncias,
mecanismos, seus diferentes estágios e suas consequências jurídicas. A morte representa um dos maiores enigmas da
existência humana.
O avanço das
pesquisas médicas, terapêuticas e tecnológicas, trouxe uma possibilidade de
adiamento do processo natural da morte. E com as insistentes e tão nobres
tentativas em manter o paciente vivo, inúmeras técnicas artificiais começaram a
ser amplamente utilizadas, surgindo questões éticas quanto ao seu uso excessivo
e a desconsideração do prolongamento do sofrimento do paciente.
A Bioética[3],
ramo da filosofia que estuda as questões referentes à vida humana, passou a
pesquisar e discutir problemas éticos decorrentes dos avanços tecnológicos e
sua aplicação na medicina. Dentre tais questões destacamos a Eutanásia, a Distanásia, a Ortotanásia
e a Mistanásia.
EUTANÁSIA
A Eutanásia é definida como a “conduta pela qual se traz a um paciente em
estado terminal, ou portador de enfermidade incurável que esteja em sofrimento
constante, uma morte rápida e sem dor.”[4]
É considerada “homicídio piedoso”, entretanto, crime de homicídio tipificado
pelo Art. 121 do Código Penal, embora atenuado e chamado de homicídio
privilegiado, tendo sua pena diminuída, conforme assim declara o parágrafo 1º:
“Se o agente comete o crime impelido por
motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção,
logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de
um sexto a um terço.”[5]
O Código de Ética Médica também proíbe o
médico de realizar a Eutanásia onde
declara que é vedado ao médico: Art. 41 –
“Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante
legal.”[6]
DISTANÁSIA
A Distanásia é o “prolongamento do processo da morte através de tratamentos
extraordinários que visam apenas prolongar a vida biológica do doente.”[7]
Para Maria
Helena Diniz, “Pela distanásia, também
designada obstinação terapêutica ou futilidade médica, tudo deve ser feito
mesmo que cause sofrimento atroz ao paciente. Isso porque a distanásia é morte
lenta e com muito sofrimento. Trata-se do prolongamento exagerado da morte de
um paciente terminal ou tratamento inútil. Não visa prolongar a vida, mas sim o
processo de morte [...]”[8]
É o procedimento
mais utilizado pelos profissionais da saúde, é considerada como obstinação
terapêutica ou futilidades médicas, e embora haja a boa intenção por parte dos
médicos em estender a vida do paciente terminal, há um prolongamento do próprio
processo da morte.[9]
O Código de Ética Médica acrescentou o
parágrafo único ao Art. 41, onde aplicou princípios contra a prática da Distanásia:
“Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e
terminal, deve o médico oferecer todos
os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou
terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a
vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante
legal.”[10]
ORTOTANÁSIA
A Ortotanásia é o oposto da Distanásia e pode ser definida como o “não prolongamento artificial do processo
natural de morte, onde o médico, sem provocar diretamente a morte do indivíduo,
suspende os tratamentos extraordinários que apenas trariam mais desconforto e
sofrimento ao doente, sem melhorias práticas. O objetivo da ortotanásia é
contribuir para que o processo natural de morte desenvolva o seu curso natural.”[11]
Segundo Goldim, “A ortotanásia poderia ser associada, caso
fosse um termo amplamente, adotado aos cuidados paliativos adequados prestados
aos pacientes nos momentos finais de suas vidas.”[12]
Segundo Maria
Celeste Santos, não há “omissão de
socorro”, uma vez que o paciente não necessita de socorro, pois uma “assistência extremada seria ineficaz para
impedir a morte que se acerca. Nestes casos se fez tudo o que era possível
fazer”.[13]
A Ortotanásia
não é considerada uma prática ilícita pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Pelo contrário, atualmente é reconhecida e amplamente aceita pela classe
médica.
A OMS
(Organização Mundial da Saúde) definiu em 2002 o tratamento Cuidados Paliativos, que envolve uma
série de ações terapêuticas de forma a aliviar o sofrimento do paciente em fase
terminal.
O termo Cuidados Paliativos refere-se ao “alívio do sofrimento, a compaixão pelo
doente e seus familiares, o controle impecável dos sintomas e da dor, a busca
pela autonomia e pela manutenção de uma vida ativa enquanto ela durar: esses
são alguns dos princípios dos Cuidados Paliativos que, finalmente, começam a
ser reconhecidos em todas as esferas da sociedade brasileira.”[14]
O objetivo dos
cuidados paliativos é o de fornecer a melhor qualidade possível para o paciente
e seus familiares e sua filosofia segue os seguintes princípios: “(1) afirmar a vida e encarar o morrer como
um processo normal; (2) não apressar nem adiar a morte; (3) procurar aliviar a
dor e outros sintomas angustiantes; (4) integrar os aspectos psicológicos e
espirituais nos cuidados do paciente; (5) oferecer um sistema de apoio para
ajudar os pacientes a viver ativamente tanto quanto possível até a morte; (6)
disponibilizar um sistema de apoio para ajudar a família a lidar com a doença
do paciente e com o seu próprio luto.”[15]
Nada mais é do
que a Ortotanásia, sob o amparo legal
do parágrafo único do Art, 41 do Código de Ética Médica que proíbe o médico da
prática da Distanásia.
MISTANÁSIA
A Mistanásia “representa a morte miserável, antes da hora, conhecida como eutanásia
social. Pode ocorrer em casos de omissão de socorro, erro médico, negligência,
imprudência e imperícia.”[16]
É um problema
social, onde as vítimas sofrem de exclusão social e econômica. Pode ser
considerada como um atentado à Dignidade Humana.
“Trata-se da “vida abreviada” de muitos, em nível
social, por causa da pobreza, violência, droga, chacinas, falta de
infraestrutura e condições mínimas de se ter uma vida digna, entre outras
causas.”[17]
DIGNIDADE HUMANA
O princípio fundamental
da Dignidade Humana está determinado no
inciso III, do Art. 1º da Constituição Federal e por ser um princípio
constitucional deve, portanto, prevalecer sobre qualquer outro princípio
infraconstitucional. Envolve a capacidade de autodeterminação do indivíduo, ou
seja, o de decidir livremente sobre sua própria vida e sobre a sua própria
morte.
[1]
Tradução do Novo Mundo da Bíblia Sagrada. Disponível em: http://wol.jw.org/pt/wol/b/r5/lp-t/nwt/T/2015/1/3
[2] Wikipedia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Tanatologia
[3] Portal Educação. Disponível em: http://www.portaleducacao.com.br/enfermagem/artigos/38481/definicao-de-bioetica-seus-principios-fundamentais
[4] Brasil Escola. Disponível em:
http://brasilescola.uol.com.br/sociologia/eutanasia.htm
[5] Código de Ética Médica. RESOLUÇÃO CFM Nº1931/2009
[6] Código de Ética Médica. RESOLUÇÃO CFM Nº1931/2009
[7] Significados. Disponível em:
http://www.significados.com.br/distanasia/
[8] DINIZ, Maria Helena Diniz. O estado atual do Biodireito. 3ª Edição,
São Paulo: Ed. Saraiva,2006.
[9] Instituto Ciência Hoje. Disponível em: http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2013/301/distanasia-por-que-prolongar-o-sofrimento
[10] Código de Ética Médica. RESOLUÇÃO CFM Nº1931/2009
[11] Significados. Disponível em: http://www.significados.com.br/ortotanasia/
[12] GOLDIM, José Roberto. Disponível em: http://www.bioetica.ufrgs.br/eutanasi.htm
[13] SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite.
Contornos Atuais da Eutanásia e da Ortotanásia: Bioética e Biodireito. A
Necessidade do Controle Social das Técnicas Médicas. São Paulo: 1999
[14] Academia Nacional de Cuidados Paliativos.
Disponível em: http://www.paliativo.org.br/ancp.php?p=oqueecuidados
[15] Cuidados Paliativos e Ortotanásia. Disponível
em: http://files.bvs.br/upload/S/1413-9979/2010/v15n2/a58-60.pdf
[16] Dicionário Informal. Disponível em: http://www.dicionarioinformal.com.br/mistan%C3%A1sia/
[17] Sobre o Conceito Ético de
Mistanásia. Disponível em: http://www.a12.com/artigos/detalhes/sobre-o-conceito-etico-de-mistanasia