“(...) por esse tempo Anu e Bel me chamaram, a
mim Hamurabi, o excelso príncipe, o adorador dos deuses, para implantar justiça
na terra, para destruir os maus e o mal, para prevenir a opressão do fraco pelo
forte, para iluminar o mundo e propiciar o bem-estar do povo (...)” (Prólogo)
É chamado Código
de Hamurabi uma compilação de 282 leis da antiga Babilônia (atual Iraque), composto por
volta de 1772 a.C. Hamurabi[1]
é o sexto rei da Babilônia, responsável por decretar o código conhecido com seu
nome, que sobreviveu até os dias de hoje em cópias parcialmente preservadas,
sendo uma na forma de uma grande estela (monolito)[2]
de tamanho de um humano médio, além de vários tabletes menores de barro.
O Código de
Hamurabi é visto como a mais fiel origem do Direito. É a legislação mais antiga
de que se tem conhecimento, e o seu trecho mais conhecido é a chamada lei de
talião[3].
A lei (ou
pena) de talião é o ponto principal e fundamental para o Código de Hamurabi. Ela
se faz presente na maior parte dos duzentos e oitenta e dois artigos do código.
Muitos delitos acabam tendo como sanção punitiva o talião, ou às vezes a pena
de morte. Apesar de parecer chocante a condenação à pena de morte, esta era uma
condenação bastante usual, pelo menos na legislação.
O Código é
pequeno, tendo em seu original três mil e seiscentas linhas, sendo essas linhas
ordenadas em duzentos e oitenta e dois artigos, sendo que de alguns deles não
há conhecimento completo de sua redação.
O original
do Código de Hamurabi foi escrito/gravado em um bloco, e parte desses artigos
foram apagados quando o bloco foi levado para Susã[4],
confiscado depois de uma guerra. Com isso, alguns artigos ficaram com a sua
compreensão comprometida. Alguns dos artigos apagados são conhecidos pela
existência de cópias. O bloco original em que foi escrito o Código encontra-se
atualmente no museu do Louvre, em Paris.
Na verdade,
como o Código de Hamurabi é a única legislação daquele povo, ele não deveria
receber tal nomenclatura, tendo em vista que não apresenta-se da maneira de um
código, noção que foi concebida após o Código Civil Napoleônico[5].
Importante
lembrar que a sociedade babilônica que produziu o Código de Hamurabi era uma
sociedade estratificada e tinha por base a desigualdade. A primeira classe, e
mais numerosa era a dos Awilum, os
cidadãos, proprietários, camponeses, artesãos e comerciantes.
Em posição
intermediária estavam os Mushkenu
(palavra, através do árabe, responsável pelo vocábulo português “mesquinho”);
são os semi-livres, entre livres e escravos. Era formada por antigos escravos,
homens livres desclassificados (plebe), muitas vezes estrangeiros.
Abaixo
destes estava a classe dos escravos, Wardu,
resultante, sobretudo, da guerra, mas também determinada pelo nascimento, em
virtude de sua hereditariedade.
As
disposições presentes no Código contemplam todas as classes, mas podemos
observar que a legislação é feita com total parcialidade em favor da classe
superior, os “Awilum”[6].
A maior parte dos artigos dão a entender que somente eles possuem direitos,
pois frequentemente lemos a palavra Awilum,
e não qualquer expressão mais genérica que demonstraria imparcialidade.
Hamurabi é
o responsável pela fundação do primeiro império babilônico, conseguindo com
isso, unificar a região. Para sua edificação foi decisiva ainda a invasão dos amoritas[7],
que derrubaram os acádios[8],
a força predominante na área.
Esta parte
do planeta está delimitada por dois rios importantíssimos, que são o Tigre e o
Eufrates, vindo daí o nome Mesopotâmia, derivado do grego, e que significa
“terra entre rios”. É por isso mesmo que encontramos no código determinados
artigos que tratam sobre a irrigação e regulamentam a profissão de barqueiro.
Isso já deixa evidente a importância da água, não somente como a necessidade
física, mas para finalidades secundárias, mas não menos importantes.
O código
previa penas para os infratores que cometiam delitos em caso de negligência no
uso da água. A presença de três parágrafos para mostrar o que deveria ser feito
quando ocorresse algum problema com a irrigação de algum campo demonstra
claramente a importância acentuada da água, considerando que são apenas
duzentos e oitenta e dois artigos. Afinal, a atividade econômica desenvolvia-se
toda praticamente em torno da exploração da água.
As lacunas
existentes no código são evidentes para os especialistas. Exemplo disso é o
fato de somente as classes profissionais especiais terem as suas atuações
regulamentadas. Mesmo na Antiguidade já havia uma diversidade considerável de
profissões.
De qualquer
modo, estudiosos como E. Bergmann procuraram estruturar de forma racional a
estrutura do código:
- Leis punitivas de prováveis
delitos praticados durante um processo judicial (parágrafos 1 a 5)
- Leis regulatórias do direito
patrimonial (parágrafos 6 a 126)
- Leis regulatórias do direito de
família e heranças (parágrafos 127 a 195)
- Leis destinadas a punir lesões
corporais (parágrafos 196 a 214)
- Leis que regulam os direitos e
obrigações de classes especiais como: a) Médicos (§§215 – 223) b)
Veterinários (§§ 224 – 225) c) Barbeiros (§§ 226 – 227) d) Pedreiros (§§
228 - 233) e) Barqueiros (§§ 234 – 240) (parágrafos 215 a 240)
- Leis regulatórias de preços e
salários (parágrafos 241 – 277)
- Leis adicionais regulatórias da
posse de escravos (parágrafos 278 – 282)
Ao
contrário da classificação sugerida por Bergman, Hugo Winker faz a divisão em
quatorze partes:
- Encantamentos, juízos de Deus,
falso testemunho, prevaricação dos juízes. (parágrafos 1 a 5)
- Crime de furto e rapina,
reivindicação de móveis. (parágrafos 6 a 25)
- Direitos e deveres dos
oficiais, dos gregários em geral.(parágrafos 26 a 41)
- Locação em regime geral dos
fundos rústicos, mútuos, locação de casas, doações em pagamento. (parágrafos
42 a 65)
- Relação entre comerciantes e
comissionários. (parágrafos 100 a 107)
- Regulamento das tabernas
(taberneiras prepostas, polícia, penas e tarifas). (parágrafos 108
a 111)
- Obrigações (contratos de
transportes, mútuos), processo de execução e servidão por dívidas. (parágrafos
112 a 119)
- Contratos de depósitos
(parágrafos 120 a 126)
- Injúria
e difamação (parágrafo 127)
- Matrimônio e família, crimes
contra a ordem da família, contribuições e doações nupciais, sucessão. (parágrafos
128 a 184)
- adoção, ofensa aos genitores.
Substituição do recém-nascidos. (parágrafos 185 a 195)
- Crimes e penas (lesões
corporais) talião, indenização e composição. (parágrafos 196 a 214)
- Médicos e veterinários,
arquitetos e barqueiros (mercês, honorários e responsabilidade), choque de
navios. (parágrafos 215 a 240)
- Sequestro, locações de animais,
trabalhos nos campos, pastores, operários. Danos, furtos de utensílios
para água, escravo (ação redibitória, responsabilidade por evicção,
disciplina). (parágrafos 241 a 282)
O Código de
Hamurabi não é somente morte e disposições penais como muitos o conhecem. Tal
sistematização serve ainda para demonstrar que esta é uma legislação de grande
valor e que traz alguns princípios que, com certeza, foram adotados por
legislações posteriores no mundo do direito.
[1] Hamurabi (1792-1750 a.C.) foi
o sexto rei da primeira dinastia da Babilônia e comandou seus exércitos nas
conquistas das cidades de Akkad, Elam, Larsa, Mari e da Suméria. Assim, ele criou
o Império Babilônico de modo muito semelhante ao faraó Menes, que, mais de mil
anos antes, também unira os dois Egitos sob uma única coroa. http://www.ahistoria.com.br/rei-hamurabi/
[2] Um monólito é uma estrutura
geológica, como uma montanha, por exemplo, constituído por um única e maciça
pedra ou rocha, ou um único pedaço de rocha colocado como tal. A palavra deriva
do latim monolithus que deriva da palavra grega μονόλιθος (Monólithos), que por
sua vez é derivada de μόνος ("um" ou "único") e λίθος
("pedra"), ou seja, significa "pedra única". Os monólitos
geológicos são, geralmente, resultado da erosão que normalmente expõe essas
formações, que são na maioria das vezes feita de rochas muito duras de origem
metamórficas ou ígneas. São geralmente um grande bloco único de rocha exposto
no terreno, homogêneo e sem fraturas, de dimensões decamétricas em geral ou
maiores e, muitas vezes, associados a campos de matacões (boulders) que são de
dimensões métricas. https://pt.wikipedia.org/wiki/Mon%C3%B3lito
[3] A lei de talião, do latim lex
talionis (lex: lei e talio, de talis: tal, idêntico), também dita pena de
talião, consiste na rigorosa reciprocidade do crime e da pena — apropriadamente
chamada retaliação. Esta lei é frequentemente expressa pela máxima olho por olho,
dente por dente. https://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_talião
[4] Cidade antiga, cujas ruínas
se encontram entre o rio Carque e o rio Ab-i-Diz, na margem L do Shaʽur, a uns
350 km ao L de Babilônia. A atual aldeia Shush fica abaixo das encostas da
acrópole, a elevação mais importante. Susã, ou uma parte fortificada da cidade,
“Susã, o castelo”, foi o lugar de uma das visões do profeta Daniel (Da 8:2), o
cenário dos eventos narrados no livro de Ester (Est 1:2, 5, 6; 2:3, 5, 8, 21;
3:2, 15; 8:14; 9:12-15), e lugar onde Neemias serviu como copeiro durante o
reinado de Artaxerxes (Longímano, filho de Xerxes I). http://wol.jw.org/pt/wol/d/r5/lp-t/1200004102
[5] É o código civil francês
outorgado por Napoleão Bonaparte e que entrou em vigor a 21 de março de 1804.
Aprovado legalmente três dias depois, o livro reúne as leis ligadas ao direito
civil, penal e processual a serem observadas pelo povo francês. Grande parte do
código, em especial os artigos que tratam do direito privado e do direito das
obrigações permanece em vigor na França, neste que é certamente a contribuição
mais duradoura de Napoleão para a história. http://www.infoescola.com/direito/codigo-napoleonico/
[6] Os homens livres (Awilum) tinham
seus direitos resguardados pelas leis presentes na estela de Hamurabi, só que
se observamos os escritos podemos constatar que o tratamento não era igual para
todos os homens, muitas vezes as condições financeiras interferiam nas punições
dadas a quem cometia algum delito, como é o caso relatado no § 8 – “Se um
awilum roubou um boi ou uma ovelha ou um asno ou um porco ou um barco: se é de
um deus ou do palácio deverá pagar trinta vezes; se é de um muskênum,
indenizará dez vezes. Se o ladrão não tem como pagar, ele será morto.” No
excerto mostrado é explicito que se um ladrão tiver bens ele poderá indenizar a
quem ele roubou e se ele não os possuir pagará com a própria vida, mostrando
que as posses interferiam na aplicação das leis, outro exemplo claro presente
no mesmo excerto é quando se diz que se os bens roubados forem de muskênum
(Classe intermediária entre o awilum e o escravo) ele deve ser indenizado 10
vezes, agora se os bens roubados forem do palácio ou de um rei eles devem ser
indenizados 30 vezes, mais uma vez fica
explicito que as posses e o “status” social interferia na pena.
http://certahistoria.blogspot.com.br/2012/10/codigo-de-hamurabi.html
[7] Os amoritas eram povos semitas
oriundos do deserto sírio-árabe que invadiram as cidades-Estado da Mesopotâmia
por volta de 2000 a.C., após a queda da civilização suméria-arcadiana.
http://www.infoescola.com/civilizacoes-antigas/amoritas/
[8] Tribo de nômades que vieram do
deserto da Síria, os acádios chegaram à Mesopotâmia por volta de 2550 a.C.,
enquanto este território estava dominado pelos sumérios.
http://www.infoescola.com/civilizacoes-antigas/acadios/