quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Somos iguais ou diferentes?


Durante a adolescência o ser humano luta para ser igual, deseja entrar para o grupo dos iguais. O adolescente sofre terrivelmente quando não é aceito pelo grupo, devido a algo diferente em seu corpo, sua personalidade, seu modo de ser. A partir disso, ele passa a negar-se a si mesmo e vai em busca do comum, seu desejo agora é ser igual aos amigos, quer se vestir de forma igual, ter o cabelo azul, ter os mesmos aparelhos eletrônicos, jogar os mesmos jogos, visitar os mesmos lugares, e assim por diante.

Em um determinado momento ele cresce, evolui em seu pensamento crítico, passa a ter opiniões próprias, nasce então o desejo de ser notado, inicia-se todo um processo de querer ser diferente dos demais, seu desejo agora é o de se destacar. Ele não quer mais ser igual, ele quer ser melhor. Então ele vai em busca do seu sonho, passa a vestir-se de forma diferente, muda o cabelo, conhece lugares diferentes e neste caso específico, quanto mais diferente o local visitado, melhor ele se sente. Além disso, ele defende veementemente suas escolhas e as considera melhores que as dos outros, e tenta convencê-los a fazerem.... o mesmo. Mas, ao mesmo tempo em que tenta padronizar seu semelhante, dá as costas à sua diferença de escolha.

O ser humano é interessante e merece ser estudado, sua interação com a sociedade é extremamente variável, tudo é subjetivo, relativo e medido por comparação, somos todos iguais mas queremos ser diferentes, no entanto, quando somos tratados como diferentes lutamos para ser tratados como iguais, ninguém sabe ao certo o que somos e o que queremos, talvez o que queremos realmente é ser aceitos da maneira que somos, e somos o que somos querendo ou não. Mas por que será que temos tanta necessidade de aceitação? Será medo do esquecimento, da rejeição?

Se esse for o problema, então na realidade não crescemos, continuamos com os mesmos medos bobos da adolescência. E estamos aí para provar que não sabemos nada da vida e nem de nós mesmos, e estaremos sempre tentando algo novo em relação aos nossos próprios conceitos e desejos. A relação humana padece de originalidade, uma vez que a originalidade é ser diferente, e o mundo globalizado tende a generalizar a mesmice, tornando a sociedade desinteressante.

É preciso nos redescobrir e nos revestir da personalidade sem estereótipos ou padronizações. A preocupação excessiva em ser aceito na sociedade provoca um ambiente enfadonho e desestimulante, entretanto, quem for dela vítima, mesmo que sofra, estará exercendo nada mais do que o seu próprio direito de ser quem é, afinal, todos somos diferentes, mas no fundo todos nós desejamos que todas as pessoas sejam igualmente diferentes como nós.

sábado, 6 de agosto de 2016

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana


Dignidade “é a qualidade de quem é digno, ou seja, de quem é honrado, exemplar, que procede com decência, com honestidade. É um substantivo feminino, que vem do latim dignitate, que significa honradez,virtudeconsideração.”[1]

Segundo o filósofo alemão Immanuel Kant, a dignidade é o valor de que se reveste de tudo aquilo que não tem preço, ou seja, que não é passível de ser substituído por um equivalente. A dignidade é totalmente inseparável da autonomia para o exercício da razão prática. Cada direito fundamental contém uma expressão da dignidade, ou seja, de autonomia e de liberdade.

A dignidade da pessoa humana é um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil e está relacionada com a própria condição humana, é uma qualidade inerente aos seres humanos enquanto entes morais é éticos, é sua integridade moral, inspira respeito e consciência de si mesmo, sendo a origem de todos os direitos fundamentais. O princípio da dignidade humana é inerente ao estado democrático de direito e sua aplicação consolida compromissos firmados em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Como em outros países democráticos, no Brasil o princípio da dignidade humana não está restrito somente à tutela da vida humana, mas é extensivo à vida ambiental e ao equilíbrio ecológico da natureza. O respeito à dignidade humana se manifesta na preservação da vida humana com qualidade de vida, o que só se torna possível mediante a preservação e conservação do meio ambiente. Ao se proteger o meio ambiente está se protegendo a vida humana das gerações presentes e futuras, assegurando a qualidade de vida ambiental e um meio ambiente equilibrado e sustentável.

O direito à vida é garantido constitucionalmente e pressupõe não apenas o direito de existir biologicamente, mas o direito de existir com autonomia e liberdade. Portanto, vida sem dignidade não é vida com qualidade. Um ataque a essa dignidade é caracterizado como “danos morais” e se na justiça é provado o contrário é cabível uma reparação do acusador.

Cabe à bioética considerar as manifestações da sociedade contra os abusos cometidos pela pesquisa científica em biomedicina e em biotecnologia, buscando encontrar solução para o impasse estabelecido entre a necessidade de promover os avanços científicos e proteger os direitos humanos. O princípio da dignidade humana deve ser respeitado por toda a sociedade brasileira, consolidando, por conseguinte, a própria bioética nacional.

O indivíduo com plena capacidade civil de se autodeterminar também tem capacidade para decidir sobre sua vida e a disponibilidade e integridade do seu corpo. O princípio da autonomia prioriza a vontade de decidir o que é melhor para si, para sua vida, sua saúde, sua felicidade, prioriza a dignidade humana da pessoa, resguardando seu direito de escolher se quer ou não ter uma vida com qualidade.

No que tange a estreita relação entre a medicina e a ética, o desenvolvimento tecnológico trouxe um aumento de produções médicas que ameaçam a essência do ser humano, da morte, da vida e da identidade pessoal, e causam a desumanização da medicina. O paciente, ainda que afetado por uma doença, continua sendo uma pessoa humana, detentora de todas as garantias destinadas à sua proteção e é sujeito de direito, com igualdade de direitos, não podendo ser discriminado em razão de idade, raça, sexo, gênero, cor, estado de saúde, nacionalidade, condição social ou religião.

Desrespeitar os desejos do paciente, que deseja optar por tratamentos específicos, aniquilará sua esfera mais íntima da vida, e a sua própria condição de humano, e é exatamente por isso que o ordenamento jurídico deve proporcionar-lhe meios mais efiazes de defesa e salvaguarda de seus direitos. A autonomia é liberdade e o médico não pode exercer pressão de modo a fazer prevalecer sua posição, mas deve respeitar o paciente para que este decida com liberdade.

Embora o princípio da dignidade humana esteja disposto no art. 1º, inciso III da CF/88, e fundamentado no princípio bioético da autonomia da vontade, o qual, por sua vez, estrutura-se no princípio da liberdade individual, pilar do estado democrático de direito da República Federativa do Brasil, sua aplicação ampla ainda não é realidade, seja em aspectos concernentes à prática clínica, seja no que diz respeito à equidade social. Cabe aos estudiosos da bioética a responsabilidade de fomentar no público em geral o conhecimento sobre os princípios básicos de bioética e seus instrumentos de reflexão, para que se possa agir quando das violações de direitos humanos.

Assim sendo, seria conveniente que todos os cursos de Direito e de Medicina tivessem em suas grades curriculares a disciplina de educação ambiental lato sensu, ou de bioética stricto sensu, com o escopo voltado a conscientizar os profissionais dessas áreas sobre a validade, alcance e importância dos seus princípios.[2]




[1] http://www.significados.com.br/dignidade/

[2] http://www.revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/586/592

AZEVEDO, Álvaro Villaça; LIGIERA, Wilson Ricardo; et al. DIREITOS DO PACIENTE. Editora Saraiva. 2012.


quarta-feira, 13 de julho de 2016

Vitória do Direito de Escolha

Um dos preceitos seguidos pelos Testemunhas de Jeová em sua religião é o de que introduzir sangue no corpo pela boca ou pelas veias viola as leis de Deus, pois, segundo eles, o procedimento contraria o que está previsto nas passagens bíblicas. Tal crença impede que essas pessoas recebam transfusões de sangue até mesmo nos casos emergenciais em que há risco de vida.

Em virtude desse fato, uma mulher adepta da religião recorreu ao TRF da 1ª Região buscando a suspensão dos efeitos de uma decisão, proferida pelo Juízo Federal da 18ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais (SJMG), que autorizou a equipe médica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, gerido pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), a realizar uma transfusão de sangue forçada na paciente, então agravante no processo.

Ao ajuizar a ação em busca da autorização para realizar o procedimento, a EBSERH alegou que a transfusão seria urgente e indispensável para a preservação da vida da paciente, internada no Hospital Universitário da UFMG desde o dia 12 de março de 2015, quando foi diagnosticada com Leucemia Linfoblástica Aguda (LLA) e recebeu a prescrição do tratamento por meio de quimioterapia. Por também apresentar anemia, os médicos indicaram a transfusão de sangue.

No entanto, após receber os esclarecimentos sobre seu estado de saúde e as formas de tratamento disponíveis, a parte agravante explica que manifestou, de forma verbal e em um documento de diretivas antecipadas, sua opção por um protocolo médico que dispensasse a utilização de componentes sanguíneos. A decisão foi tomada com base em suas convicções religiosas e na existência de opções terapêuticas sem sangue e riscos transfusionais, como as que utiliza desde o dia em que foi hospitalizada.

Ao analisar a questão, o relator, desembargador federal Kassio Nunes Marques, citou entendimento do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, expresso no parecer intitulado "Legitimidade da recusa de transfusão de sangue por Testemunhas de Jeová. Dignidade Humana, liberdade religiosa e escolhas". De acordo com o documento, a liberdade de religião é um direito fundamental, uma das liberdades básicas do indivíduo, constituindo escolha existencial que deve ser respeitada pelo Estado e pela sociedade. A recusa em se submeter a procedimento médico por motivo de crença religiosa configura manifestação da autonomia do paciente, derivada da dignidade da pessoa humana. O mesmo parecer afirma que a transfusão compulsória violaria, em nome do direito à saúde ou do direito à vida, a dignidade humana, que é um dos fundamentos da República brasileira.

Com base nesses argumentos, o magistrado acatou o pedido da paciente por entender que existem outras formas de tratamento para o caso. “Ao contrário do que alega a EBSERH e aduz a decisão impugnada, há outro tratamento médico que poderá ser dispensado à paciente – que não implique em transfusão de sangue –, como na hipótese do medicamento consentido pela paciente para a correção da anemia, que é a Eritropoetina (hormônio que atua na medula óssea para a produção de células sanguíneas). Assim, diante dos elementos dos autos, verifico a possibilidade de a agravante eleger o tratamento que lhe aparenta mais pertinente e adequado à sua pronta recuperação, direito esse constitucionalmente assegurado, independentemente de crença religiosa”, concluiu o desembargador Kassio Nunes Marques.

Requisitos – é importante destacar que a possibilidade de recusa de tratamento pelos Testemunhas de Jeová requer o consentimento genuíno, e para que ele seja legítimo é preciso verificar a presença de alguns aspectos ligados ao sujeito do consentimento, à liberdade de escolha e à decisão informada. O sujeito do consentimento é o titular do direito fundamental em questão, que deverá manifestar de maneira válida e inequívoca a sua vontade. Para que essa escolha seja válida deverá ele ser civilmente capaz e estar em condições adequadas de discernimento para expressá-la.

Processo nº: 0013951-83.2016.4.01.3800/MG

Fonte: http://www.rondoniagora.com/geral/noticia/2016/06/justica-federal-testemunha-de-jeova-nao-pode-receber-transfusao-de-sangue-forcada.html

terça-feira, 7 de junho de 2016

O Direito à Vida e sua Indisponibilidade











A Declaração Universal dos Direitos Humanos[1] adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, em seu preâmbulo considera o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Nos três primeiros capítulos declara que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos com capacidade para gozar seus direitos com liberdades sem distinção de espécie, raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição, e que todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

O Pacto Internacional dos Direitos Políticos[2], em seu artigo 6, ítem 1 declara que “O direito à vida é inerente à pessoa humana. Esse direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.” A Constituição Federal[3], em seu artigo 5º, caput, protege o direito à vida, como direito fundamental, consagrando a sua inviolabilidade.

Podemos notar que o direito à vida é direito essencial garantido a todas as pessoas, sem nenhuma distinção, trata-se do primeiro e mais fundamental direito da personalidade. Por sua vez, o direito à vida não reconhece ao seu titular o direito de dispor de sua própria vida, cabendo ao Estado dar proteção a esse direito.
             
Não há como impedir o avanço da ciência, e esse avanço, sobretudo na área da Biotecnologia, tem trazido novos conceitos e discussões bioéticas, inclusive acerca do caráter absoluto da vida humana e da sua indisponibilidade. Interessante notar que a indisponibilidade da vida não resulta de um mandamento constitucional, uma vez que a Constituição Federal trata a vida como inviolável e não como indisponível. Considerando as duas palavras em sentido etimológico, vemos que possuem diferentes significados. “Violação” e “violar” vêm do Latim violare, “tratar com violência, ultrajar, desonrar”, possivelmente relacionado a “força, violência”.[4] “Dispor” vêm do latim disponere, “resolver, decidir, determinar, servir-se, utilizar-se, alienar”.[5] Portanto, inviolável é algo que não se pode  desrespeitar, desonrar, não pode ser tratado com violência, refere-se à outros com relação à esse direito. A inviolabilidade diz respeito a direitos outorgados a certas pessoas. Já a indisponibilidade é atributo daquilo que não se pode dispor ou ceder. Indisponível é algo que não se pode decidir, fazer dela o que quiser, refere-se ao seu próprio direito de uso.

O ordenamento jurídico não é ciência exata, necessita de amparo moral, cultural e temporal para ser determinado, e mesmo assim nunca é absoluto, também necessita de limites éticos-jurídicos para que tais práticas não firam os direitos da pessoa humana. O que dizer do aborto eugênico?[6] Do aborto em decorrência do estupro?[7] Do descarte dos embriões? Não se trata de homicídio ou infanticídio? Onde está a inviolabilidade ou a indisponibilidade da vida nestes casos? De modo que o direito à vida deve ser analisado sob um novo enfoque, trazido pelo princípio constitucional da dignidade humana e pelo próprio contexto social e intelectual da atualidade. É perfeitamente legítimo que o titular de um direito fundamental, voluntariamente, abra mão de certas posições jurídicas.



[1] UNICEF BRASIL. Disponível em: http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133.htm
[2] Anexo ao DECRETO No 592, DE 6 DE JULHO DE 1992. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm
[3] Constituição Federal, art. 5º, caput. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
[4] Origem da Palavra. Site de Etimologia. Disponível em: http://origemdapalavra.com.br/site/palavras/violar/
[5] Wikcionário. Disponível em: https://pt.wiktionary.org/wiki/dispor
[6] DireitoNet. Aborto Eugênico. É um tipo de aborto preventivo executado em casos em que há suspeita de que a criança possa nascer com defeitos físicos, mentais ou anomalias, implicando em uma técnica artificial de seleção do ser humano. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/542/Aborto-Eugenico
[7] Código Penal, artigo 128. Aborto no caso de gravidez resultante de estupro  II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
AZEVEDO, Álvaro Villaça; LIGIERA, Wilson Ricardo; et al. DIREITOS DO PACIENTE. Editora Saraiva. 2012.

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Consentimento informado















Consentimento[1] é um substantivo masculino que expressa a ação de consentir, e significa dar permissão ou licença para que determinado ato seja praticado. O consentimento acontece quando existe uma livre vontade, de forma que seja tomada uma atitude para que um fim seja alcançado.

O Consentimento informado ou o consentimento livre e esclarecido requer que a pessoa compreenda os fatos relevantes ou materiais, as implicações e as consequências derivadas da ação que vier a adotar. É uma prática comum na medicina atual, que consiste em um dever legal e moral do médico e um direito por parte do paciente.

Trata-se de um processo em que um médico concede informações a um paciente em relação a um possível tratamento ou procedimento. O médico explica ou revela ao paciente todos os fatos necessários, todos os riscos envolvidos no procedimento, mesmo que remoto ou pouco prováveis, para que ele tome uma decisão inteligente fornecendo um consentimento ou um não-consentimento consciente.

Tal esclarecimento representa um estímulo à construção de uma relação baseada na confiança, desta forma, pacientes capazes de manifestar a sua vontade de forma clara devem ser respeitados, uma vez que, respeito, lealdade e confiança são os melhores mecanismos ou instrumentos na relação médico-paciente. Se o paciente compreende as informações fornecidas e demonstra vontade de cumprir o tratamento, ele assina o termo de consentimento livre e esclarecido, demonstrando assim o seu consentimento.

Assim sendo, se o médico cumprir o seu dever de providenciar as informações necessárias, ele não poderá ser responsabilizado se acontecer alguma coisa com o paciente, decorrente do tratamento ou falta de tratamento.

Nos tempos de Hipócrates, o paciente simplesmente falava dos seus sintomas e então obedecia o médico de forma silenciosa, uma vez que apenas o médico era detentor do conhecimento absoluto, porém, o médico já tinha a obrigação da não maleficência, princípio bioético que significa que a obrigação do médico é não fazer mal ao seu paciente.

Em 1947, os próprios juízes de Nuremberg, reconheceram que o simples conhecimento do juramento Hipocrático não era suficiente, tornando necessária a elaboração de princípios garantidores dos direitos do paciente, que no caso, era a participação em experimentos médicos. Criaram o Código de Nuremberg[2]que é um conjunto de princípios éticos que regem a pesquisa com seres humanos, sendo considerado como uma das consequências dos Processos de Guerra de Nuremberg, ocorridos no fim da Segunda Guerra Mundial. O Código de Nuremberg foi formulado em Agosto de 1947 por juízes dos EUA para julgar os médicos nazistas acusados. 

O Código de Nuremberg estabelece um paciente com autonomia para decidir o que é melhor para si próprio e agir em consequência. Possui dez princípios básicos e determina as normas do Consentimento informado e da ilegalidade da coerção; regulamenta a experimentação científica; e defende a beneficência como um dos fatores justificáveis sobre os participantes dos experimentos. Assim declara seu primeiro princípio:

1.  O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial. Isso significa que as pessoas que serão submetidas ao experimento devem ser legalmente capazes de dar consentimento; essas pessoas devem exercer o livre direito de escolha sem qualquer intervenção de elementos de força, fraude, mentira, coação, astúcia ou outra forma de restrição posterior; devem ter conhecimento suficiente do assunto em estudo para tomarem uma decisão lúcida. Esse último aspecto exige que sejam explicados às pessoas a natureza, a duração e o propósito do experimento; os métodos segundo os quais o experimento será conduzido; as inconveniências e os riscos esperados; os efeitos sobre a saúde ou sobre a pessoa do participante, que eventualmente possam ocorrer, devido à sua participação no experimento. O dever e a responsabilidade de garantir a qualidade do consentimento repousam sobre o pesquisador que inicia ou dirige um experimento ou se compromete nele. São deveres e responsabilidades pessoais que não podem ser delegados a outrem impunemente.[3]         
                        
O termo de consentimento é documento até hoje utilizado em experimentos com seres humanos em pesquisas clínicas. É usado no âmbito de estudos científicos, com o propósito de dar informação ao potencial voluntário na pesquisa. Contém todas as informações essenciais para que o pesquisado possa tomar uma decisão fundamentada a respeito da sua participação no projeto de pesquisa. Se um indivíduo decide assinar o Termo, ele afirma o seu consentimento em participar no estudo.

O sujeito da pesquisa é exposto à experimentos da ciência em benefício do desenvolvimento da medicina, se sujeitando à incertezas de benefícios ou até mesmo de certas inconveniências não vantajosas a si próprio.

Graças aos avanços na medicina e da disponibilidade de novos conhecimentos alternativos, o termo de consentimento ampliou-se para demais áreas que não somente a experimentação clínica.

Para ser válido o termo necessita de três elementos essenciais: agente capaz; objeto lícito, possível ou determinável; forma prescrita ou não defesa em lei.[4] Como todo ato negocial pressupõe uma declaração de vontade, a capacidade do agente é indispensável à sua participação válida na seara jurídica. O negócio jurídico válido deverá ter um conteúdo legalmente permitido, deverá ser lícito, ou seja, conforme a lei, não sendo contrário aos bons costumes, à ordem pública e à moral. As partes deverão anuir, expressa ou tacitamente, para a formação de uma relação jurídica sobre determinado objeto, sem que se apresentem quaisquer vícios de consentimento, como erro, dolo, coação, estado de perigo e lesão, ou vícios sociais, como simulação e fraude contra credores. A declaração de vontade independe de forma especial, sendo suficiente que se manifeste de modo a tornar conhecida a intenção do declarante, dentro dos limites em que seus direitos podem ser exercidos. Apenas, excepcionalmente, a lei vem a exigir determinada forma, cuja inobservância invalidará o negócio.[5]                        
                        
A solicitação do consentimento informado do paciente já é prática comum na medicina, sobretudo nas cirurgias, diante da evolução do conhecimento e da ciência, que possibilitam uma maior compreensão sobre assuntos relacionados à saúde e as diversas opções de escolha entre tratamentos atualmente à disposição. Contém cláusulas por meio das quais o paciente autoriza o médico a realizar todos os procedimentos que entender necessários à preservação da sua vida e, normalmente, são conjugados com declarações de esclarecimentos cirúrgicos e termo de responsabilidade.

Entretanto, os termos de consentimento informado muitas vezes contém disposições que violam flagrantemente a legislação brasileira, sendo muito comum observar cláusulas abusivas unilaterais, descumprindo por completo o desejo do paciente, ferindo o princípio da Dignidade da pessoa Humana, garantido pela Constituição Federal. “A violação do dever de esclarecimento do paciente é fundamento de responsabilidade médica independentemente de negligência no que respeita à intervenção médica em termos técnicos e independente do seu resultado positivo ou negativo.”[6]

O paciente tem seu direito garantido constitucionalmente de conhecer todos os detalhes dos procedimentos a que será submetido, e a liberdade de decidir livremente sobre a execução das práticas diagnósticas ou terapêuticas inerentes ao seu tratamento médico, pois trata-se de seus direitos de personalidade.



[1] Significados. Disponível em: http://www.significados.com.br/consentimento/
[2] Wikipedia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%B3digo_de_Nuremberg
[3] Código de Nuremberg. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/nuremberg/codigo_nuremberg.pdf
[4] Código Civil, art. 104. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm
[5] Negócio Jurídico Comentado. Civilize-se. Disponível em: http://www.civilize-se.com/2012/12/negocio-juridico-comentado-arts-104-120.html#.V1WWdZErJdg
[6] PEREIRA, André Gonçalo Dias. O dever de esclarecimento e a responsabilidade médica. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 94, n. 839, p. 69-109, set.2005, p.83.

Referências:
AZEVEDO, Álvaro Villaça; LIGIERA, Wilson Ricardo; et al. Direitos do Paciente. Editora Saraiva. 2012.

Consentimento é tudo


Consentimento[1] é um substantivo masculino que expressa a ação de consentir, e significa dar permissão ou licença para que determinado ato seja praticado. O consentimento acontece quando existe uma livre vontade, de forma a que seja tomada uma atitude para que um fim seja alcançado.

É importante em todos os aspectos da nossa vida, envolve nosso direito de escolha, nossa autonomia, nossa liberdade de decidir livremente aquilo que julgamos ser o melhor para nós mesmos. Sem o consentimento, há a repressão, a ditadura, a proscrição, a discórdia e a desarmonia; resulta no desrespeito à Dignidade Humana.



[1] http://www.significados.com.br/consentimento/
Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wHuBBFvKeC0

quarta-feira, 1 de junho de 2016

Demandas Judiciais contra Médicos













Dados do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, têm demonstrado um grande aumento no número de queixas contra médicos em processos disciplinares e em demandas judiciais. Num levantamento realizado entre 1995 e 2001, doze mil queixas foram registradas, as principais se referiam à especialidades  que estavam relacionadas aos problemas e necessidades de saúde de maior incidência na população.

Destacam-se as seguintes especialidades: Ginecologia e Obstetrícia, Pediatria, Ortopedia e Traumatologia, Medicina do Trabalho, Oftalmologia, Cirurgia Plástica, Cardiologia, Psiquiatria, Gastroenterologia e Infectologia. As maiores queixas referem-se à relação médico-paciente conforme descritas abaixo:

  • falta de atenção
  • omissão de informações
  • desrespeito[1]
  • má conduta
  • erro de diagnóstico
  • assédio sexual[2]
  • erro de medicação
  • omissão de socorro[3]
  • erros de prescrição
  • falta de acompanhamento no pós-operatório
  • falta de exames complementares
  • divergências em relação ao método de tratamento
  • maus-tratos[4] na internação
  • demora no atendimento
  • discriminação[5]

O despreparo do médico e uma conduta médica inadequada é capaz de produzir danos irreversíveis e pode colocar em risco a vida do paciente. Os médicos lidam com o bem mais precioso, que é a vida, porém, a prática médica, como qualquer atividade humana, está sujeita a erros, obstáculos e dificuldades que muitas vezes são imprevisíveis e incontroláveis. Alguns problemas no atendimento médico podem eventualmente causar danos à vida ou à saúde do paciente, seja pela ação ou pela omissão do médico, podendo resultar em imperícia, imprudência ou negligência[6].

O profissional médico pode cometer algum equívoco por desconhecimento, inexperiência, falta de habilidade ou de observação às normas técnicas, caracterizando-se a imperícia. O profissional pode descuidar ou praticar uma ação sem a devida cautela, por esquecimento, às pressas ou de forma precipitada, caracterizando-se a imprudência. E, ainda, pode por ação ou por omissão, com desleixo ou falta de cuidado, como a  não prescrição correta, ou assistência inadequada ao paciente, caracterizar a negligência. Essas situações podem dar origem a um processo disciplinar nos Conselhos de Medicina, além de processos judiciais.

O paciente tem o direito de pedir indenizações moral e material e nas ações judiciais, se comprovada a culpa, o médico poderá ser responsabilizado penal (de forma dolosa ou culposa) e civilmente. Portanto, os médicos precisam saber quais são os seus direitos como médicos, mas também precisam entender quais são os direitos do paciente, tornando imprescindível a qualificação do profissional da saúde, bem como a qualificação dos professores, com o objetivo de humanizar o atendimento e fortalecer a relação médico-paciente, que é pessoal, íntima e deve ser baseada na confiança mútua, diminuindo, substancialmente, as demandas judiciais.




[1] Código de Ética Médica, Capítulo I - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS VI - O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.

[2] Crime – Código Penal, Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. § 2o  A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos.

[3] Crime – Código Penal, Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte. 

[4] Crime – Código Penal, Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina: Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa. § 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de um a quatro anos. § 2º - Se resulta a morte: Pena - reclusão, de quatro a doze anos. § 3º - Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos.

[5] Crime – Lei 7716/89, Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. 

[6] Crime - Código Penal, Art. 18 - Diz-se o crime: Crime culposo II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.
Código de Ética Médica, Capítulo III - RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL - É vedado ao médico: Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência. Parágrafo único. A responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida.

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Fonte:

Direito de Escolha do Menor em Lisboa

Tribunal da Relação de Lisboa Íntegra da Reportagem Um jovem de 16 anos diagnosticado com leucemia aguda  recusa-se a receber qualquer trans...