(artigo também publicado no site Jusbrasil)
O
consentimento informado é um processo no qual um profissional de saúde instrui
o paciente sobre os riscos, benefícios e alternativas de um determinado
procedimento ou intervenção sendo que o paciente deve ser competente para tomar
uma decisão voluntária sobre a realização de tal procedimento. Trata-se de uma
obrigação tanto ética quanto legal dos médicos nos Estados Unidos e também no
Brasil, e tem sua origem no direito que o paciente tem de decidir sobre o que
acontece com o seu corpo.
O
consentimento informado é uma avaliação do entendimento do paciente, que faz
uma recomendação real e uma documentação do processo.
Natureza
Jurídica do Consentimento Informado
É
um ato jurídico voluntário unilateral com base no direito à autodeterminação do
paciente, direito de dispor sobre seu próprio corpo, e que apenas terá os
efeitos pretendidos em função da relação estabelecida na prestação de serviços
de saúde, não gerando direitos para a parte prestadora do serviço de saúde.
O art. 15 do Código Civil Brasileiro
diz: “Ninguém pode ser constrangido a
submeter-se, com risco de vida, a
tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.”
É
uma manifestação de vontade do paciente, seu direito de autodeterminação, de
assentir ou não com o tratamento de saúde, após ser devidamente esclarecido. O
termo de consentimento informado deve ser composto de certos requisitos para
que seja válido juridicamente, ou seja, para que produza efeitos no mundo
jurídico.
Art.
104,CC. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível,
determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não
defesa em lei.
O
primeiro pressuposto de admissibilidade é a capacidade; o segundo é o dever de
apresentar um objeto lícito, que não traga desabono às partes contratantes, no
caso, a informação e, o terceiro e último é o consentimento propriamente dito,
livre e esclarecido na forma da lei. Para que a manifestação de vontade seja
“relevante e eficaz”, deve ser prestada por agente capaz. A capacidade é a
aptidão das pessoas para realizar atos com valor jurídico. No Brasil, entende-se
que a capacidade é a regra e a incapacidade é a exceção, pois os considerados
incapazes estão elencados nos artigos 3º
e 4º do Código Civil, como segue:
Art. 3º São absolutamente
incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.
Art.
4º São incapazes, relativamente a certos
atos ou à maneira de os exercer:
I
- os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II
- os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III - aqueles que, por causa transitória ou
permanente, não puderem exprimir sua vontade;
IV
- os pródigos.
Parágrafo
único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.
Logo,
para que o consentimento informado seja válido e eficaz ele tem que ser
consentido por pessoa capaz, ou seja, por pessoa que não esteja elencada pelos artigos 3º e 4º do Código Civil Brasileiro. A
The Joint Commission, exige a documentação com todos os elementos
do consentimento informado, que são:
- natureza do
procedimento,
- riscos e
benefícios eo procedimento,
- alternativas
razoáveis,
- riscos e
benefícios das alternativas,
- avaliação do
entendimento do paciente dos elementos 1 a 4.
É
obrigação do prestador deixar claro que
o paciente está participando do processo de tomada de decisão e evitar que o
paciente se sinta forçado a concordar com o prestador que apenas deve fazer uma
recomendação e fornecer seu raciocínio para essa recomendação.
O
dever de informação é elemento fundamental para que o paciente possa declarar a
sua vontade de forma consciente e isenta de vícios e essa informação deve ser
prestada de maneira fiel ao que se pretende realizar. O importante é fornecer
informações relevantes e compreensíveis para prevenir ou eliminar quaisquer
entendimentos equivocados.
O
objetivo da informação e do esclarecimento ao paciente é proporcionar a opção
entre consentir ou não consentir determinado tratamento de saúde, de acordo com
sua condição econômica, princípios religiosos, situação profissional
(afastamento do trabalho), urgência do procedimento (diante de prognóstico de
gravidade), efeitos colaterais, alternativas (tratamento cirúrgico, ambulatorial,
fisioterápico), riscos e benefícios.
O
termo de consentimento informado encontra amplo respaldo no ordenamento
jurídico brasileiro e se legitima como instrumento que assegura a efetivação de
princípios constitucionais e infraconstitucionais que asseguram o direito à
autodeterminação, liberdade, integridade física e moral, saúde e principalmente
a dignidade da pessoa humana. Não
é mais possível aceitar aquela visão paternalista da medicina, em que o médico
fala e o paciente tem de aceitar.
Adequação
do consentimento informado
O
padrão exigido para o consentimento informado é determinado por cada país. A
elaboração e a aplicação inadequada do termo de consentimento podem trazer
problemas jurídicos para os profissionais e as instituições. O objetivo fundamental
de um termo de consentimento é dar autonomia ao paciente para que ele escolha
se quer ou não aquela intervenção.
As
três abordagens legais aceitáveis para o consentimento informado adequado
são:
- Padrão subjetivo:
O que esse paciente precisa saber e entender para tomar uma decisão informada?
- Padrão de
paciente razoável: O que o paciente médio precisa saber para ser um
participante informado na decisão?
- Padrão médico
razoável: o que um médico típico diria sobre esse procedimento?
Muitos
países usam o "padrão razoável do paciente", porque se concentra no
que um paciente típico precisaria saber para entender a decisão em questão. No
entanto, esta é a única obrigação do prestador de serviços em saúde em
determinar qual abordagem é apropriada para uma determinada situação. O Brasil
adota o padrão de informação da “pessoa razoável”, que se fundamenta nas
informações que uma pessoa razoável, mediana, necessitaria saber sobre
determinadas condições de saúde e propostas terapêuticas ou preventivas a lhe
serem apresentadas.
O
termo é uma manifestação de vontade do paciente. Não é possível obrigar o
paciente a aceitar todas as cláusulas porque não se trata de um contrato de
adesão onde o cliente não pode discutir as cláusulas, sob pena de se tornar inválido,
pois o paciente pode falar que foi obrigado a aceitar todas as cláusulas que
estavam ali, incluindo as que ele não as aceitava, fazendo com que o termo
perca sua validade jurídica.
O
Código de Ética Médica assim declara:
É
vedado ao médico:
Art.
24 - Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir
livremente sobre sua pessoa ou seu
bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.
Exceções
ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Várias exceções à exigência de
consentimento informado incluem:
- Quando o paciente
está incapacitado,
- Em emergências
com risco de morte, com tempo inadequado para obter o consentimento,
- Consentimento de
isenção voluntária - Se a capacidade do paciente de tomar decisões for
questionada ou não for clara, uma avaliação por um psiquiatra para determinar a
competência pode ser solicitada.
Pode
surgir uma situação em que um paciente não possa tomar decisões de forma
independente, mas não tenha designado um tomador de decisão (procurador/mandatário).
Nesse caso, a hierarquia dos tomadores de decisão, que é determinada pelas leis
de cada Estado, deve ser buscada para determinar o próximo procurador legal
substituto. Se isso não der certo, um responsável legal pode precisar ser indicado
pelo tribunal. Havendo procurador, a decisão do paciente expressamente indicada
por meio de procuração
ao mandatário deverá ser respeitada.
Crianças
e Consentimento Livre e Esclarecido
Crianças
não têm a capacidade de fornecer consentimento informado. Como tal, os pais
devem dar permissão para tratamentos ou intervenções. Neste caso, não foi
denominado "consentimento informado", mas "permissão
informada". Uma exceção a essa regra é uma criança legalmente emancipada
que pode fornecer consentimento informado para si mesmo. Alguns, mas não todos, exemplos de um menor
emancipado incluem menores que são:
- menores de 18
anos e casados,
- servindo nas
forças armadas,
- capazes de provar
independência financeira, ou
- mães de filhos
(casados ou não).
A
legislação sobre menores e o consentimento informado também é baseada nas leis
de cada país. O Código Civil Brasileiro (artigos
654 a 692) dispõe sobre o mandato e diz que “todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante
instrumento particular, inclusive os maiores de 16 anos e menores de 18 anos,
mesmo não emancipados.”
Vale
ressaltar que segundo o Estatuto da
Criança e do Adolescente, em seu artigo 15, caput e inciso II, a criança e o adolescente têm o direito à
liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas e têm o direito de se
expressarem e de oferecerem a sua opinião, de modo que a criança deve
ser livre para ter opiniões sobre todas as questões que lhe digam respeito,
opinião essa que deve ser devidamente tomada em consideração de acordo com a
sua idade e maturidade. Este princípio se baseia na ideia de que as crianças
têm o direito de serem ouvidas e que as suas opiniões sejam seriamente levadas
em consideração, incluindo qualquer processo judiciário ou administrativo que
as afetem.
Significado
clínico
O
consentimento informado é necessário para muitos aspectos dos cuidados de
saúde. Estes incluem o consentimento para:
- tipo de tratamento
indicado,
- disseminação da
informação do paciente,
- discussão das
leis de Portabilidade e Responsabilidade de Seguro Saúde,
- procedimentos
específicos,
- cirurgia,
- transfusões de
sangue,
- anestesia.
A
obtenção do consentimento informado na medicina é um processo que deve incluir:
- descrição da
intervenção proposta,
- o papel do
paciente na tomada de decisão,
- as alternativas à
intervenção proposta,
- os riscos da
proposta intervenção
- a preferência do
paciente (geralmente com assinatura)
Segundo
a Recomendação do Conselho Federal de
Medicina de Nº 1/2016, o termo de consentimento livre e esclarecido deve,
obrigatoriamente, conter:
- Justificativa,
objetivos e descrição sucinta, clara e objetiva, em linguagem acessível, do
procedimento recomendado ao paciente;
- Duração e
descrição dos possíveis desconfortos no curso do procedimento;
- Benefícios
esperados, riscos, métodos alternativos e eventuais consequências da não
realização do procedimento;
- Cuidados que o
paciente deve adotar após o procedimento;
- Declaração do
paciente de que está devidamente informado e esclarecido acerca do
procedimento, com sua assinatura;
- Declaração de que
o paciente é livre para não consentir com o procedimento, sem qualquer
penalização ou sem prejuízo a seu cuidado;
- Declaração do
médico de que explicou, de forma clara, todo o procedimento;
- Nome completo do
paciente e do médico, assim como, quando couber, de membros de sua equipe, seu
endereço e contato telefônico, para que possa ser facilmente localizado pelo
paciente;
- Assinatura ou
identificação por impressão datiloscópica do paciente ou de seu representante
legal e assinatura do médico;
- Duas vias,
ficando uma com o paciente e outra arquivada no prontuário médico.
A
discussão de todos os riscos é fundamental para o consentimento informado nesse
contexto. A maioria dos consentimentos incluem riscos gerais, riscos
específicos do procedimento, riscos de ausência de tratamento e alternativas ao
tratamento. Além disso, muitos formulários de consentimento expressam que não
há garantias de que o procedimento proposto irá fornecer uma solução para o
problema a ser tratado. A segurança do paciente é um fator importante nos
cuidados de saúde, e o consentimento informado efetivo é considerado uma
questão de segurança para o paciente.
A
The Joint Commission abordou
recentemente os desafios para garantir o consentimento informado e efetivo. A
ênfase da assinatura do paciente como indicação de compreensão está sendo
questionada. O processo do consentimento informado está mudando para se
concentrar mais na comunicação (relação médico-paciente) e menos nas
assinaturas.
Estudos
sobre consentimento informado descobriram que existem muitas barreiras para se
obter um consentimento informado efetivo. Uma das principais barreiras é que
alguns formulários de consentimento contêm uma linguagem com um nível de
leitura muito alto para muitos pacientes. O uso de ferramentas de comunicação
visual e digital está sendo incentivado a abordar algumas das ineficiências no
processo de obtenção de consentimento. Os pacientes devem ser ativamente
envolvidos como forma de melhorar a comunicação e garantir a segurança e a
compreensão do paciente. O médico e o paciente devem ter uma conversa clara, em
uma linguagem em que o paciente compreende. É possível perceber se o paciente
está entendendo se ele faz perguntas ou se ajuda a elaborar alguma das
explicações em sua própria linguagem.
O
consentimento informado pode ser dispensado em situações de emergência, se não
houver tempo para obter consentimento ou se o paciente não puder se comunicar e não
houver nenhum procurador substituto disponível. Além disso, nem todo
procedimento requer consentimento informado explícito. Por exemplo, medir a
pressão sanguínea do paciente faz parte de muitos tratamentos médicos. No
entanto, uma discussão sobre os riscos e benefícios do uso de um
esfigmomanômetro geralmente não é necessária.
Significado
clínico em pesquisas clínicas humanas
O
consentimento informado é obrigatório para todas as pesquisas clínicas humanas.
O processo de consentimento deve respeitar a capacidade do paciente de tomar
decisões e aderir às regras hospitalares individuais para os estudos clínicos.
A adesão à padrões éticos no estudo e na sua execução é geralmente monitorada
por um Comitê de Revisão Institucional. O Comitê foi estabelecido nos Estados
Unidos em 1974 pela National Research Act
(Lei Nacional de Pesquisa), que exigia regulamentação em pesquisas com seres
humanos, motivada por práticas questionáveis de pesquisa usadas nos
experimentos da sífilis de Tuskegee e
outras. Os padrões de pesquisa éticos e seguros têm sido uma área de interesse
federal e presidencial desde então, com o desenvolvimento de muitas
organizações e forças-tarefa desde 1974 dedicadas somente a esse tópico.
O
consentimento informado válido para a pesquisa deve incluir três elementos
principais:
- divulgação de
informações,
- competência do
paciente (ou substituto) para tomar uma decisão
- natureza
voluntária da decisão. As regulamentações federais dos Estados Unidos exigem
uma explicação completa e detalhada do estudo e seus possíveis riscos.
O
Comitê de Revisão Institucional pode renunciar ao consentimento informado se
determinadas condições forem cumpridas. Para isso, é fundamental haver um
"risco mínimo" para os participantes da pesquisa. Um exemplo de
pesquisa de risco mínimo é a avaliação de intervenções que normalmente ocorrem
em situações de emergência. Exemplos disso incluem o estudo de medicamentos
usados para intubações na sala de emergência ou a realização de uma revisão
retrospectiva de prontuários.
Tomada
de Decisão Compartilhada
O
consentimento informado é um processo colaborativo que permite aos pacientes e
profissionais de saúde tomar decisões em conjunto quando existe mais de uma
alternativa razoável, considerando as preferências e prioridades exclusivas do
paciente e as melhores evidências científicas disponíveis.
O
Códico de Ética Médica tem como um dos princípios fundamentais:
V –Compete ao médico aprimorar continuamente
seus conhecimentos e usar o melhor do progresso
científico em benefício do paciente e da sociedade.
É
mais apropriado pesar os benefícios e malefícios de procedimentos invasivos, como
transfusões de sangue, tomografia computadorizada (TC) e disposição
pós-emergência, incluindo o uso de trombolíticos para acidente vascular
cerebral isquêmico agudo, punção lombar para excluir hemorragia subaracnoide e
tomografia computadorizada para traumatismos cranianos pediátricos menores.
Os
desafios da tomada de decisão compartilhada em Medicina de Emergência incluem o
paciente, o prestador de serviços de saúde, o sistema hospitalar e a evidência
de limitações. Os exemplos incluem:
- se os pacientes
são capazes ou estão dispostos a tomar decisões
- se os provedores
sentem que a decisão fornece mais ou menos proteção médico-legal,
- se o Departamento
de Emergência está sobrecarregado e há tempo suficiente para tomar decisões
- se a instalação
possui ou não ferramentas de previsão de risco bem validadas para orientar a
tomada de decisão.
A
vida humana é feita de escolhas e enquanto saudáveis todos nós temos o direito
de escolher o que comer, o que vestir, qual medicamento tomar e assim por
diante. Quando enfermos, não perdemos esse direito, continuamos com o direito
de saber detalhes dos procedimentos médicos que seremos submetidos e
continuamos com o direito de consentir ou não o tipo de tratamento que
desejamos receber, especialmente quando se trata de procedimentos que possam
nos trazer malefícios. O consentimento informado é necessário para determinar a
livre escolha do paciente de decidir o que será feito com seu corpo, mas
perderá totalmente sua necessidade e eficácia se for desrespeitado.
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Referências: