segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Feminicídio - o crime do homem frouxo


Feminicídio é um crime de ódio baseado no gênero, é o homicídio onde a vítima é morta por ser mulher em contexto de violência doméstica e familiar ou em decorrência do menosprezo ou discriminação à condição de mulher, normalmente praticado por alguém do convívio da vítima, dentro de casa ou em locais onde ela costuma estar.

No Brasil, o crime de feminicídio é tipificado pela Lei 13.104 de 2015 que altera o art. 121 do Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848, de 7de dezembro de 1940), para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, incluindo o feminicídio no rol dos crimes hediondos.

O §2º-A, do art. 121, do Código Penal, preceitua razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:

I - violência doméstica e familiar

II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Para que se enquadre nessa qualificação é preciso que tenha pelo menos uma dessas razões.

De acordo com o Mapa da Violência de 2015, 33,2% dos homicídios de mulheres no mundo são cometidos pelos parceiros. O Mapa aponta ainda que o Brasil tem a quinta maior taxa de feminicídios no mundo: 4,8 homicídios para cada 100 mil mulheres. 

No estado do Rio de Janeiro, as mulheres são vítimas em 70% dos atendimentos notificados como agressões físicas nas redes de saúde, em dados extraídos entre janeiro de 2013 e junho de 2016.

Os crimes de lesão corporal lideram os números de ações penais mais distribuídas no PJERJ há cinco anos, segundo o Relatório de Dados Compilados que analisa os processos decorrentes de violência doméstica no PJERJ. O agressor é conhecido ou parente das vítimas em 64,2% das notificações e a residência da vítima é o onde ocorrem 52,7% dos casos. 

A violência praticada contra a mulher, é, sobretudo, consequência da evolução histórica de hábitos culturais fundamentados em discursos patriarcais. Práticas e hábitos culturais construídos ao longo das incontáveis mudanças de gerações, a condição social da mulher sempre foi de submissão e subjugação familiar ao homem. Muitas formas de violência doméstica contra a mulher são consequências da incompreensão da atual condição feminina, portadora dos mesmos direitos conferidos aos homens.

Não são eventos isolados na vida das mulheres e não há distinção de classes sociais. O alto consumo de álcool, substâncias químicas, estresse e problemas econômicos,  geralmente são gatilhos para esse padrão de comportamento violento, além das diferenças de poder entre homens e mulheres nos diferentes contextos socioeconômicos.

O caso do assassinato da juíza Viviane por seu ex-marido na véspera do Natal gerou comoção e despertou manifestações de órgãos do Judiciário, não apenas por se tratar da morte de uma magistrada mas para abrir os olhos para uma realidade onde não há distinções de classes.

·         O engenheiro Paulo José Arronenzi, que estava desempregado há seis anos, matou a facadas a magistrada Viviane Vieira do Amaral Arronenzi.

·         Thalia Ferraz, terminou o relacionamento por causa do ciúme exagerado do seu companheiro e foi morta a tiros por ele que não aceitava o término do relacionamento.

·         Evelaine Aparecida Ricardo, foi baleada pelo seu namorado durante a ceia de Natal e morreu.

·         Loni Priebe de Almeida foi morta pelo ex-companheiro com um tiro na cabeça.

·         Anna Paula Porfírio dos Santos foi assassinada pelo marido Ademir Tavares de Oliveira,  Sargento Reformado da Polícia Militar.

·         Aline Arns foi assassinada pelo ex-marido.

Seis mulheres mortas no período deste Natal que, até então, viviam suas vidas separadamente, mas agora fazem parte das estatísticas do feminicídio no Brasil.

Os motivos geralmente são os mesmos, ciúme exagerado e inconformismo com o término do relacionamento.

Por que os homens são incapazes de lidarem com esse sentimento destrutivo? Não se conformam que as mulheres sejam seguras de si, fortes, vaidosas, que ganhem mais, que sejam simpáticas, determinadas, capazes, que tenham amigos, que estudem, que sejam bem sucedidas, instruídas, divertidas, competentes, que sejam elas mesmas, etc.

A verdade é que os homens utilizam as mulheres como um espelho onde não se refletem. Quando vêem na mulher a força que eles mesmos não conseguem ter, transformam suas frustrações em humilhações, ofensas, ameaças e agressões, pois a própria insatisfação é tão grande que precisam agredir para se autoafirmarem. São homens frustrados, instáveis, fracos de personalidade, com baixa autoestima e que não suportam a humilhação de serem rejeitados, por isso precisam descontar de forma violenta naquela pessoa que tornou evidente sua fraqueza patológica.

Katie Ghosh, diretora-executiva da organização Woman's Aid, descreve o controle coercitivo como algo que ocorre quando "o seu parceiro ou parceira está constantemente tentando derrubar a sua autoestima e fazer você se sentir um lixo".

Segundo ela, alguns sinais de alerta são o monitoramento da vida da mulher, por exemplo, onde vai, com quem fala, como se veste, inclui o abuso financeiro, o monitoramento dos gastos, e assim por diante.

Especialistas citam ainda outros indícios:

1.       O homem proibe a mulher de continuar os estudos ou dar sequência à carreira profissional;

2.       Retira ou controla o dinheiro dela;

3.       Impõe-lhe isolamento da família e dos amigos;

4.       Impede seu acesso a comida, bebidas e produtos de uso cotidiano;

5.       Monitora ou controla de alguma forma suas contas em redes sociais;

6.       Dá "ordens" sobre o que vestir;

7.       Ameaça de violência física caso ela não se comporte de determinada forma;

8.       Faz ameaças relacionadas a familiares ou a animais de estimação.

Jane Monckton Smith, especialista britânica em criminologia, diz que homens que matam suas parceiras seguem uma espécie de "cronograma de homicídio" que pode ser usado para evitar mortes, se for monitorado pela polícia.

Ao analisar 372 mortes de mulheres registradas no Reino Unido, a criminóloga encontrou um padrão de repetição de oito etapas que costumam anteceder os crimes:

1.       Histórico de perseguição ou abuso pelo criminoso durante o pré-relacionamento;

2.       Romances que se tornam relacionamentos sérios rapidamente;

3.       Relacionamento dominado por controle psicológico (que pode incluir agressões);

4.       Gatilho que ameace o controle do agressor. Por exemplo: o relacionamento terminar ou o criminoso se encontrar em dificuldades financeiras;

5.       Escalada na intensidade ou frequência das táticas de controle do parceiro, como perseguir ou ameaçar suicídio;

6.       O assassino tem uma mudança de planos – uma guinada na vida, seja por vingança ou por homicídio;

7.       Planejamento: o criminoso pode comprar armas ou buscar oportunidades para estar sozinho com a vítima;

8.       Homicídio: o homem mata seu parceiro e possivelmente fere outras pessoas, como os filhos da vítima.

Qualquer pessoa pode se tornar vítima deste tipo de controle coercitivo, não há limite de idade, padrão social ou cultural, basta ser mulher.

Mulheres, fiquem atentas aos sinais e fujam o quanto antes, se não quiserem entrar para as estatísticas do feminicídio.

Foram, são e ainda serão tantas Vivianes, Thalias, Evelaines, Lonis, Annas e Alines com seus companheiros frouxos pelo mundo afora.

DENUNCIE

Basta discar o número 180 - Central de Atendimento à Mulher

A ligação é gratuita e o  serviço está disponível diariamente, 24 horas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados. Também é possível fazer uma denúncia pelo aplicativo Proteja Brasil (disponível para iOS e Android) ou pelo endereço www.humanizaredes.gov.br

São atendidas todas as pessoas que ligam relatando eventos de violência contra a mulher. A Central presta uma escuta e acolhida qualificada às mulheres em situação de violência. O serviço registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgão competentes.

O serviço também fornece informações sobre os direitos da mulher, como os locais de atendimento mais próximos e apropriados para cada caso: Casa da Mulher Brasileira, Centros de Referências, Delegacias de Atendimento à Mulher (DEAM), Defensorias Públicas, Núcleos Integrados de Atendimento às Mulheres, entre outros.

O Ligue 180 atende todo o território nacional e também pode ser acessado em outros 16 países.

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Fonte:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Feminic%C3%ADdio#:~:text=Feminic%C3%ADdio%20%C3%A9%20um%20termo%20de,variam%20dependendo%20do%20contexto%20cultural.

https://extra.globo.com/casos-de-policia/no-periodo-de-natal-pelo-menos-seis-mulheres-foram-vitimas-de-feminicidio-no-pais-24813436.html

http://www.saopaulo.sp.leg.br/mulheres/lei-do-feminicidio/#:~:text=A%20Lei%20n%C2%BA%2013.104%2F15,condi%C3%A7%C3%A3o%20de%20mulher%20da%20v%C3%ADtima.

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46352813

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-49478165

http://www.tjrj.jus.br/web/guest/observatorio-judicial-violencia-mulher/o-que-e-a-violencia-domestica-e-o-feminicidio


quarta-feira, 20 de maio de 2020

Informações para médicos e operadores do Direito



Como muitas pessoas já sabem, as Testemunhas de Jeová não aceitam transfusões de sangue, mas o que a maioria das pessoas não sabe é que há razões muito bem fundamentadas para essa recusa, além de muito conhecimento científico.

As Testemunhas de Jeová aceitam a grande maioria dos tratamentos médicos, como procedimentos cirúrgicos e anestésicos, aparelhagens e técnicas, além de agentes hemostáticos e terapêuticos. No entanto, as Testemunhas de Jeová acreditam que a transfusão de sangue alogênico (ou seja, sangue total, glóbulos vermelhos, glóbulos brancos, plaquetas e plasma) e a doação autóloga pré-operatória para reinfusão posterior são proibidas em vários textos da Bíblia.

E é por isso que as Testemunhas de Jeová possuem um website destinado não só à educação bíblica mas também traz um conteúdo completo de informações para ajudar médicos e advogados na tomada de decisões que respeitem sua posição.

O site é o JW.ORG e abriga informações em diversos idiomas sobre fatores éticos, jurídicos e sociais para profissionais da área da saúde considerarem ao tratar pacientes que são Testemunhas de Jeová.

A seção médica foi preparada para ser uma fonte de informações destinada primeiramente a médicos e a outros profissionais da área de saúde. As publicações médicas citadas dão algumas informações sobre tratamentos sem transfusão de sangue que podem ser analisados com o objetivo de ajudar os pacientes a fazer escolhas baseadas em suas próprias condições médicas, vontades, valores e crenças.

A literatura médica contém vários relatórios de procedimentos médicos e cirúrgicos complexos que foram bem-sucedidos sem o uso de transfusão de sangue alogênico total ou de seus componentes primários, como por exemplo, o uso adequado de estratégias médicas para reduzir a perda de sangue, preservar sangue autólogo, reforçar a hematopoese e aumentar a tolerância à anemia.

Apresenta citações de artigos revisados por especialistas e publicados em periódicos médicos conceituados que trazem informações sobre procedimentos para a preservação de sangue autólogo e alternativas à transfusão de sangue.

Possui vídeos  com opções de tratamento e considerações médicas e éticas para médicos que tratam Testemunhas de Jeová e também conteúdos para download com assuntos que incluem métodos clínicos para controlar hemorragia e anemia, a posição ética e religiosa das Testemunhas de Jeová sobre tratamentos médicos e uma descrição da contribuição que as Testemunhas de Jeová fazem na área médica por meio das Comissões de Ligação com Hospitais.

As informações estão divididas em quarto partes principais:

Tratamentos médicos e cirurgias - apresenta métodos clínicos para o controle de hemorragia e anemia sem uso de transfusão de sangue nas seguintes áreas:

  • -          Cirurgia bucomaxilofacial
  • -          Cirurgia ortopédica
  • -          Cirurgia vascular e cardiotorácica
  • -          Cuidado intensivo ao paciente em estado crítico
  • -          Cuidado perioperatório
  • -          Custo-efetividade das alternativas à transfusão de sangue
  • -          Hematologia
  • -          Obstetrícia
  • -          Otolaringologia – cirurgia de cabeça e pescoço
  • -          Trauma e medicina de urgência
  • -          Urologia

Doenças – apresenta métodos clínicos atuais para tratamento de doenças específicas sem transfusão de sangue alogênico:
  • -          Beta-talassemia maior
  • -          Beta-talassemia maior (pediatria)
  • -          Doença falciforme
  • -          Doença de células falciformes (pediatria)
  • -          Talassemia beta intermediária e menor
  • -          Talassemia beta intermediária e menor (pediátrica)

Pediatria – apresenta métodos clínicos atuais para tratamento de recém-nascidos e crianças sem transfusão de sangue:
  • -          Cirurgia cardiotoráxica e vascular (pedriática)
  • -          Cuidados perioperatórios (pediátrica)
  • -          Medicina neonatal

Bioética e Lei – apresenta considerações éticas, jurídicas e sociais que podem ajudar os médicos a tratar Testemunhas de Jeová.
  • -          Respeito pela autonomia e pelo consentimento esclarecido (escolha esclarecida)
  • -          Estratégias Alternativas à Transfusão e Beneficência
  • -          Riscos de transfusões e não-maleficência
  • -          Justiça distributiva e custo-efetividade das estratégias alternativas às transfusões
  • -          Menores Amadurecidos

Bioética e Lei (pediatria) - apresenta considerações éticas, jurídicas e sociais que podem ajudar os médicos a tratar menores Testemunhas de Jeová.
  • -          Estratégias Alternativas à Transfusão e Beneficência
  • -          Riscos de transfusões e não-maleficência
  • -          Direito Parental, Incertezas na Medicina e Relação Médico-Paciente
  • -          Menores Amadurecidos

A seção de Bioética conta com pareceres de juristas renomados como Álvaro Villaça Azevedo, Celso Bastos Ribeiro, Manoel Gonçalves Ferreira Filho e Nelson Nery Júnior.

  • -          Autonomia do paciente e direito de escolha de tratamento médico sem transfusão de sangue mediante os atuais preceitos civis e constitucionais brasileiros por Álvaro Villaça Azevedo.
  • -          Direito de recusa de pacientes submetidos a tratamento terapêutico às transfusões de sangue, por razões científicas e convicções religiosaspor Celso Ribeiro Bastos.
  • -          Questões constitucionais e legais referentes a tratamento médico sem transfusão de sanguepor Manoel Gonçalves Ferreira Filho.
  • -          Escolha esclarecida de tratamento médico por pacientes Testemunhas de Jeová como exercício harmônico de direitos fundamentaispor Nelson Nery Júnior.

Além de trazer muitas informações técnicas, ainda há um serviço mundial gratuito disponível 24 horas por dia para médicos que tratam Testemunhas de Jeová, onde é possível contatar um representante para maiores informações em caso de necessidade.

Os links estão relacionados abaixo:







Pareceres:







sexta-feira, 17 de abril de 2020

A Linguagem Jurídica



Para muitos a linguagem jurídica é algo massante e difícil de entender por causa da própria complexidade técnica ou por causa do uso de uma linguagem extremamente formal e rebuscada.

A justiça atual não pode continuar com o tradicional “juridiquês” e presa às tradições do passado. A linguagem é viva e precisa acompanhar a evolução do tempo. No entanto, isso não significa que a linguagem jurídica moderna deva dar espaço para a informalidade. É inegável que o Direito, assim como  a maioria das profissões, exige uma linguagem precisa, correta, formal, técnica e detalhista, o que também não significa que precisa ser difícil de entender com o uso de palavras arcaicas e/ou rebuscadas.

Muitos profissionais da área jurídica sabem que uma boa escrita jurídica pode ser frustrante, mas a escolha da profissão em si já é determinante a esse desafio.

A existência das normas jurídicas depende da linguagem que compreende  três concepções:

  • Sintática -  é o sistema de leis que permite estudar uma linguagem sob o seu aspecto formal, consiste basicamente em explicar a utilidade de escrever, e o mais importante interpretar o direito de forma correta, transmitindo segurança jurídica.

  • Semântica - estuda o significado e a interpretação do significado de uma palavra, de uma frase ou de uma expressão em um determinado contexto. Analisa as mudanças de sentido que ocorrem nas formas linguísticas como tempo e espaço geográfico, excluindo tudo aquilo que é impreciso para poder buscar a realidade para cada termo.

  • Pragmática - é um estudo que facilita a comunicação entre o emitente e o receptor da norma. Analisa o uso concreto da linguagem pelos falantes da língua em seus variados contextos, ocupa-se da observação dos atos da fala e suas implicações culturais e sociais.


O Direito exige atenção redobrada à termologia jurídica, para que haja conhecimento técnico e uma boa comunicação entre os envolvidos.

Por vários motivos, novos estudantes de Direito possuem um grau elevado de dificuldade com o idioma português no que se refere à gramática e sintaxe, e o resultado disso é uma grande lacuna entre a habilidade jurídica e a habilidade de se fazer entender por meio da escrita.

Para ser um bom escritor, é necessário ler muito e escrever regularmente. Mas não basta apenas ler e copiar, é necessário meditar e racionar naquilo que se lê, para que se possa desenvolver o pensamento crítico e lógico sobre o assunto. Um bom escritor precisa se envolver em um conjunto de diferentes habilidades e aptidões, por exemplo, visitar diversas áreas de conhecimento e se desenvolver em outros aspectos de trabalho, ciência, cultura e educação.

Alunos com dificuldades de interpretar textos não terão a habilidade necessária para elaborar peças convincentes.  Não é muito difícil perceber onde as faculdades de Direito devem colocar seus esforços.

O advogado de hoje precisa desenvolver habilidades interpessoais, ou seja, precisa desenvolver atributos que o habilite a agir com inteligência emocional e a se relacionar efetivamente e harmoniosamente com outras pessoas do seu convívio pessoal e profissional.

Entretanto, é fato afirmar que nem todo aquele que conseguir desenvolver essas habilidades conseguirá ter sucesso na sua carreira profissional, mas com certeza aquele que se desenvolver nessas habilidades terá uma chance maior de sucesso.

Ainda mais desafiador que a linguagem jurídica escrita é a linguagem jurídica oral. Um exemplo disso é a sustentação oral usada nos Tribunais, principal instrumento de defesa do cliente. O advogado necessariamente precisa falar bem, saber de todos os detalhes dos fatos e das discussões jurídicas do processo. Precisa ter um alto nível de conhecimento da lei, capacidade analítica, rapidez em sintetizar os fatos e os fundamentos, com o objetivo de identificar o que é mais importante na sua argumentação.

Além disso, precisa conhecer sua audiência, a fim de utilizar-se dos meios específicos diretamente vinculados à ela. Pense na sua audiência e no efeito que terá com as suas palavras, para isso é necessário ter perspicácia para entender a reação da audiência e interpretar os seus sinais, obtendo assim o feedback instantâneo  para uma adaptação rápida objetivando uma argumentação eficaz.

A linguagem jurídica escrita e oral são dependentes entre si. O processo dialético das duas formas exige a mesma estruturação.  A sustentação oral exige uma peça escrita muito bem estruturada para que seu conteúdo seja expresso de forma clara e inteligível e para isso é necessário praticar a estruturação.

Seja organizado e elabore a sequência dos fatos, desenvolva uma argumentação lógica e com objetividade; utilize uma introdução efetiva, pois esta será a primeira impressão geral do assunto; organize os pontos principais tendo em mente a reação interpretativa do ouvinte; demonstre respeito por meio de sua postura e também por palavras; não atraia atenção para si mesmo (lembre-se que seu objetivo é o de se fazer entender); não é necessário o uso de palavras rebuscadas; frases curtas e objetivas são melhores entendidas; fale com convicção.

A linguagem corporal pode transmitir a informação desejada de modo efetivo, contundente ou até mesmo de forma contrária ao desejado, por isso a postura, gestos e expressões faciais precisam estar totalmente em concordância com a argumentação.

Dificilmente você conseguirá convencer alguém se você mesmo não estiver convencido, e a sua linguagem corporal certamente demonstrará isso. Mas lembre-se que ninguém é perfeito, seja na fala ou na escrita! Aceite isso e você aceitará mais facilmente as críticas que receber. Aproveite para usá-las em seu favor e trabalhe para melhorar. A vida é um eterno aprendizado. Seja humilde e vá em frente!

“Quanto mais você acha que sabe, mais você percebe que nada sabe!” – (Sócrates)

terça-feira, 14 de abril de 2020

Médicos Deuses



(Íntegra do artigo de Marcelo Di Rezende*publicado no INVESTIDURA PORTAL JURÍDICO)

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Certa feita lendo um dos mais importantes jornais do país, vejo o comentário feito por um professor de medicina da USP que assim dizia: “Quando consigo curar um paciente com câncer e, assim, salvar-lhe a vida, sinto-me como um Deus. Tenho, então, que me beliscar para me perceber humano”. 

Pois bem, é de muitos conhecido, em especial, da comunidade médica em geral e mesmo de pacientes, da fé que existe nesta crença, isto é, da suposta existência do médico-Deus. Todavia, quero aqui já dizer, não sou médico, mas entendo não haver esta necessidade dos médicos se beliscarem para perceber que são humanos e falíveis como todos nós, talvez bastasse apenas serem um pouco mais críticos.

O louvável e importante exercício da medicina, por meio de profissionais sérios e estudiosos, pode prolongar a vida e promover alívios para o sofrimento de muitos, disso ninguém discorda. O problema então surge é quando nos deparamos com estes indivíduos que se acham acima do bem e do mal, atribuindo a si próprio e a ninguém mais, a cura do paciente que já estava desenganado.

Acontece que neste singelo texto, quero chamar à atenção para outra “categoria” de médico-deus que surgiu recentemente em nosso país, representada por profissionais arrogantes e midiáticos, donos de dogmas não fidedignamente comprovados em sua área, mas que chegam a apresentar a falsa expectativa de que a medicina poderá nos livrar de todos os sofrimentos a qualquer custo e preço.

Nessa busca incessante pelos holofotes da mídia, por prêmios internacionais e, principalmente, por dinheiro, muito dinheiro, escamoteado que o é pelo apócrifo objetivo do “bem da humanidade”, esses médicos-deuses divulgam cirurgias mirabolantes e revolucionárias até, tudo com o afã difundir a crença de que é possível um conhecimento total sobre o corpo humano e aquilo que o condiciona, contudo, sem a feitura das necessárias pesquisas científico-médicas que deveriam antes serem realizadas dentro dos órgãos competentes por esses mesmos médicos que, ressalte-se, sequer poderiam receber qualquer quantia para fazer experiência em seres humanos.

Um exemplo brutal da ação destes maus profissionais, é quando eles divulgam pseudo curas de doenças até então incuráveis, por meio de técnicas que vem realizando indiscriminadamente em seres humanos sem estarem avalizados por órgãos competentes de pesquisa para fazê-las, afirmando, mercenariamente, que são a panacéia total e derradeira para tais moléstias que, sob controle, faz com que os pacientes possam ter uma boa qualidade de vida.

Para estes médicos-deuses, se algo deu errado, é culpa do paciente, nunca deles, pois estão acima do bem e do mal, não enganam, não maltratam, não mutilam e não abandonam seus enfermos, mesmo que, frise-se, apliquem em seres humanos técnicas que utilizavam até ontem em animais, não nos olvidando de receber sempre destes seus incautos pacientes, seus polpudos honorários.

Estes médicos infalíveis, como no passado se ocuparam os sacerdotes, estão encarregados hoje de nos dizer, segundo eles pensam, o que é certo ou errado para se ter uma vida feliz, ou até de falar para o paciente que irá fazer no mesmo uma cirurgia legal, aprovada por órgãos competentes e receber por isso, quando na verdade realizará outra intervenção cirúrgica, só que esta outra não é aprovada por nenhum instituto a que este médico deveria responder, tratando-se da concretização de um crime, para dizer o mínimo, pois viola os direitos fundamentais de um cidadão, agredindo a sua dignidade como pessoa.

Resta evidente que há muito tempo não são as autoridades religiosas que ditam as regras de nosso convívio, mas também não é esta categoria de médicos, a nosso sentir, descartável, que se diz portador das verdades científicas, que deveremos ouvir sem titubear, sem questionar.

Temos que o valor do bom profissional médico está é no seu vasto conhecimento adquirido com muita dedicação, prudência e denodo pelas normas éticas, na aplicação prévia das necessárias pesquisas científicas, no respeito incondicional ao paciente que, antes de ser seu cliente, é uma pessoa que está te oferecendo sua vida, seu bem maior, para a busca do alívio de seu sofrimento.

O paciente não pode nunca ser equiparado a uma cobaia, um camundongo de laboratório, como alvitra o médico-deus, pois até ele e os demais animais que auxiliam os verdadeiros médicos cientistas em busca de curas para os males que nos afligem, tem a proteção de uma norma federal, a Lei 11.794/08, que estabelece quais os legais e corretos procedimentos que devem ser utilizados para o devido uso científico destes animais em experimentos.

Concluímos que não há dúvida de que devemos repudiar a existência do chamado médico-Deus em nossa sociedade, pois o dito progresso por ele apregoado não pode ser realizado a todo custo, ultrapassando necessárias etapas, e pior, vendendo uma ilusão. E o destino de toda ilusão nós sabemos, é ser desmascarada, pois no mundo das doenças e seus tratamentos, promessas enganosas há muito são devidamente nomeadas: charlatanismo, e uma medicina sustentada em crenças ilusórias pode estar condenada a desaparecer.

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*Marcelo Di Rezende , Advogado, Mestrando em Direito, Especialista em Direito Penal, Direito Processual, Direito Constitucional, Ciências Penais, Professor da PUC-GOIÁS e da UNIP, Vice-presidente da Associação Goiana de Advogados, Membro da Academia Goiana de Direito e do Instituto Brasileiro de Direito Processual.

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quarta-feira, 18 de março de 2020

Coronavírus e Transfusão de Sangue


Será que realmente não há risco de transmissão por meio de transfusão de sangue ou derivados?


Em 10 de fevereiro de 2020, havia mais de 43 mil pacientes confirmados positivos pelo teste de ácido nucleico na China e em 23 outros países, e causou 1.017 mortes devido a insuficiência respiratória aguda ou outras complicações relacionadas. Além disso, mais de 21 mil pessoas com suspeitas de infecção foram isoladas para aguardarem o teste. 

Em 31 de janeiro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou o surto de COVID-19 na China como uma emergência de saúde pública de interesse internacional. Embora o coronavírus infecte geralmente o trato respiratório superior ou inferior, é comum a disseminação viral no plasma ou soro. Portanto, ainda existe um risco teórico de transmissão de coronavírus através de transfusão de sangue e derivados.

Estudos anteriores indicaram que o RNA[1] viral pode ser detectado no plasma ou soro de pacientes infectados com SARS[2]-CoV, MERS[3]-CoV ou SARS-CoV-2 diferentes períodos após o início dos sintomas. Embora a OMS tenha observado em 2003 que nenhum caso de SARS-CoV foi relatado devido à transfusão de produtos sanguíneos, ainda havia um risco teórico de transmissão do SARS-CoV por transfusão. Com mais e mais infecções assintomáticas sendo encontradas nos casos de COVID-19, a segurança do sangue é digna de consideração.

Até agora, sete tipos de coronavírus infectaram humanos e causaram doenças respiratórias. Quatro de sete são CoVs humanos comuns (HCoVs), geralmente levando a doenças respiratórias superiores autolimitadas comuns: HCoV-229E, HCoV-OC43, HCoV-NL63 e HCoV-HKU1. Esses vírus ocasionalmente podem causar doenças mais graves em jovens, idosos ou indivíduos imunocomprometidos.

Muitos estudos descobriram que o RNA da SARS-CoV pode ser detectado no plasma de pacientes com SARS, mesmo sendo uma doença respiratória. O primeiro relatório publicado em 10 de abril de 2003 indicou que existiam concentrações extremamente baixas de RNA viral no plasma de um paciente com SARS durante a fase aguda da doença, 9 dias após o início dos sintomas. 

O conteúdo viral do plasma era baixo e com base neste estudo e em outras informações, a OMS e a Food and Drug Administration dos EUA (FDA) elaboraram recomendações sobre segurança do sangue e apontaram um risco teórico de transmissão do vírus SARS por transfusão de produtos sanguíneos.

Eles também recomendaram alguns princípios de precaução em relação ao adiamento da doação de sangue por indivíduos de áreas com transmissão local recente. Além disso, os doadores de sangue devem informar as agências de coleta se forem diagnosticados como pacientes suspeitos ou confirmados com SARS dentro de um mês após a doação e, nesses casos, seriam feitos esforços para rastrear os destinatários ou recuperar quaisquer produtos derivados de sangue não transfundidos.

Mais tarde, dois estudos se concentraram em novos métodos para detecção de RNA de SARS-CoV. Semelhante ao primeiro estudo, a concentração viral média foi baixa em pacientes que apresentavam sintomas relativamente leves e não necessitaram de internação em unidade de terapia intensiva no hospital.

Os pesquisadores descobriram que os linfócitos têm uma concentração muito maior de RNA de SARS-CoV do que o plasma, seja testado na fase aguda ou na fase convalescente, embora o RNA viral plasmático de apenas 5 pacientes na fase aguda e 5 na fase convalescente tenha sido detectado. 

Foi posteriormente demonstrado que o SARS-CoV poderia não apenas infectar linfócitos, mas também replicá-los de maneira autolimitada. Esses achados forneceram evidências de que os linfócitos podem ser um dos alvos da SARS-CoV e indicaram o potencial de um risco de transmissão por produtos derivados do sangue com altas concentrações de linfócitos doadores (células-tronco do sangue periférico, medula óssea, concentrados de granulócitos, etc.).

Embora esses achados tenham fornecido algumas evidências de que o SARS-CoV realmente existia no plasma ou linfócitos de pacientes com SARS, nenhum país incluindo aqueles com transmissão local de SARS e nenhuma organização incluindo a OMS e a Associação Americana de Bancos de Sangue (AABB) recomendaram a triagem de doadores para RNA SARS-CoV ou anticorpos relacionados com base nos seguintes fatos:

(1) os pacientes com SARS não transmitem a infecção no período de tempo de incubação e o tempo de incubação é relativamente curto;

(2) quase todas as pessoas infectadas com SARS-CoV apresentam sintomas graves e poucos portadores assintomáticos foram encontrados;

(3) dados mostraram que a carga viral do plasma de pacientes com SARS era baixa, nenhum caso de transmissão transfusional foi relatado até o momento, e estudos que examinaram doações de sangue para RNA SARS-CoV em 2003 não identificaram nenhum resultado positivo.

No entanto, uma visão alternativa foi expressa em 2004. Pesquisadores em Hong Kong descobriram que testes de plasma em 3 de 400 doadores de sangue saudáveis ​​e em 1 de 131 pacientes pediátricos não pneumônicos coletados durante o surto de SARS apresentaram resultado positivo para anticorpos IgG para SARS-CoV.

Como Hong Kong estava entre as regiões mais atingidas do mundo durante o surto de SARS em 2002-2003, eles concluíram que, em Hong Kong, existiam infecções sub-clínicas ou não pneumônicas por SARS-CoV, indicando um risco potencial de transmissão do vírus SARS por meio de produtos derivados de sangue.

Os indivíduos com COVID-19 geralmente apresentam febre e sintomas do trato respiratório inferior, e o tempo estimado de incubação é de 14 dias. Dados limitados mostraram que o RNA viral pode ser detectado no plasma ou soro de pacientes com COVID-19.

Foi relatado um agrupamento familiar de COVID-19 em Shenzhen, China, e verificou-se que o soro em 1 de 6 pacientes em uma família mostrou um resultado positivo fraco para o RNA da SARS-CoV-2 e uma criança de 10 anos foi confirmada ser portador assintomático.

Com a disseminação do vírus em todo o mundo, relatórios do Vietnã, Alemanha e Estados Unidos descreveram os sintomas clínicos, diagnóstico e tratamento do COVID-19. Entretanto, um relatório controverso sugeriu a transmissão por contato com uma pessoa que não apresentava sintomas na Alemanha.

Um indivíduo da China participou de reuniões de negócios na Alemanha e infectou pelo menos 2 colegas de trabalho durante o período de incubação. Este relatório sugeriu que, ao contrário da SARS, os pacientes com COVID-19 podem transmitir a infecção durante um período de incubação assintomática. Além disso, os pesquisadores não detectaram RNA viral de amostras colhidas no paciente durante o período de incubação.

Como a infecção continua exigindo atenção urgente na China e está sendo monitorada de perto em todo o mundo, os seguintes pontos podem ser relevantes para considerações sobre transfusão e transplante de órgãos:

(1) RNA viral no plasma ou soro pode ser detectado em pacientes com COVID-19 nos primeiros 2 ou 3 dias após o início dos sintomas;

(2) a maioria dos pacientes, especialmente os adultos mais jovens que podem doar sangue, apresentava sintomas mais leves que os idosos;

(3) pacientes sem febre e portadores assintomáticos foram identificados na China, o que aumenta a possibilidade de um paciente ou portador de vírus COVID-19 doar sangue;

(4) a taxa de infectividade dos pacientes que estão no período de incubação permanece incerta e não há dados sobre a carga viral no plasma, soro ou linfócitos entre os indivíduos no período de incubação.

Embora o coronavírus cause principalmente infecções respiratórias leves e graves, o potencial de transmissão por transfusão é digno de consideração. Estamos diante de muitas incógnitas e um monitoramento cuidadoso e novos estudos devem continuar. Os próximos meses fornecerão uma enorme quantidade de novas informações sobre SARS-CoV-2 e COVID-19, informações que nos permitirão tomar decisões sobre esse novo vírus e sobre a segurança pública.





[1] RNA - ácido ribonucleico - molécula responsável pela síntese de proteínas das células do corpo.
[2] SARS - Síndrome respiratória aguda grave geralmente abreviada SARS (do inglês - Severe Acute Respiratory Syndrome).
[3] MERS - Síndrome respiratória do Oriente Médio (do inglês - Middle East Respiratory Syndrome).

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Fonte: Le ChangYingYan; LunanCoronavirus Disease 2019: Coronaviruses and Blood Safety. 

quarta-feira, 6 de março de 2019

O Consentimento Informado e a Lei Brasileira

                (artigo também publicado no site Jusbrasil)

               O consentimento informado é um processo no qual um profissional de saúde instrui o paciente sobre os riscos, benefícios e alternativas de um determinado procedimento ou intervenção sendo que o paciente deve ser competente para tomar uma decisão voluntária sobre a realização de tal procedimento. Trata-se de uma obrigação tanto ética quanto legal dos médicos nos Estados Unidos e também no Brasil, e tem sua origem no direito que o paciente tem de decidir sobre o que acontece com o seu corpo.

                O consentimento informado é uma avaliação do entendimento do paciente, que faz uma recomendação real e uma documentação do processo.

Natureza Jurídica do Consentimento Informado

                É um ato jurídico voluntário unilateral com base no direito à autodeterminação do paciente, direito de dispor sobre seu próprio corpo, e que apenas terá os efeitos pretendidos em função da relação estabelecida na prestação de serviços de saúde, não gerando direitos para a parte prestadora do serviço de saúde.

                O art. 15 do Código Civil Brasileiro diz: “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.”

                É uma manifestação de vontade do paciente, seu direito de autodeterminação, de assentir ou não com o tratamento de saúde, após ser devidamente esclarecido. O termo de consentimento informado deve ser composto de certos requisitos para que seja válido juridicamente, ou seja, para que produza efeitos no mundo jurídico.

                Art. 104,CC. A validade do negócio jurídico requer:
                I - agente capaz;
                II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
                III - forma prescrita ou não defesa em lei.

                O primeiro pressuposto de admissibilidade é a capacidade; o segundo é o dever de apresentar um objeto lícito, que não traga desabono às partes contratantes, no caso, a informação e, o terceiro e último é o consentimento propriamente dito, livre e esclarecido na forma da lei. Para que a manifestação de vontade seja “relevante e eficaz”, deve ser prestada por agente capaz. A capacidade é a aptidão das pessoas para realizar atos com valor jurídico. No Brasil, entende-se que a capacidade é a regra e a incapacidade é a exceção, pois os considerados incapazes estão elencados nos artigos 3º e 4º do Código Civil, como segue:

                Art. 3º  São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.
                Art. 4º  São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:
                I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
                II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
                III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;            
                IV - os pródigos.
                Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.

                Logo, para que o consentimento informado seja válido e eficaz ele tem que ser consentido por pessoa capaz, ou seja, por pessoa que não esteja elencada pelos artigos 3º e 4º do Código Civil Brasileiro. A The Joint Commission[1],  exige a documentação com todos os elementos do consentimento informado, que são:
    1. natureza do procedimento,
    2. riscos e benefícios eo procedimento,
    3. alternativas razoáveis,
    4. riscos e benefícios das alternativas,
    5. avaliação do entendimento do paciente dos elementos 1 a 4.
                É obrigação do prestador  deixar claro que o paciente está participando do processo de tomada de decisão e evitar que o paciente se sinta forçado a concordar com o prestador que apenas deve fazer uma recomendação e fornecer seu raciocínio para essa recomendação.

                O dever de informação é elemento fundamental para que o paciente possa declarar a sua vontade de forma consciente e isenta de vícios e essa informação deve ser prestada de maneira fiel ao que se pretende realizar. O importante é fornecer informações relevantes e compreensíveis para prevenir ou eliminar quaisquer entendimentos equivocados.

                O objetivo da informação e do esclarecimento ao paciente é proporcionar a opção entre consentir ou não consentir determinado tratamento de saúde, de acordo com sua condição econômica, princípios religiosos, situação profissional (afastamento do trabalho), urgência do procedimento (diante de prognóstico de gravidade), efeitos colaterais, alternativas (tratamento cirúrgico, ambulatorial, fisioterápico), riscos e benefícios.

                O termo de consentimento informado encontra amplo respaldo no ordenamento jurídico brasileiro e se legitima como instrumento que assegura a efetivação de princípios constitucionais e infraconstitucionais que asseguram o direito à autodeterminação, liberdade, integridade física e moral, saúde e principalmente a dignidade da pessoa humana. Não é mais possível aceitar aquela visão paternalista da medicina, em que o médico fala e o paciente tem de aceitar.

Adequação do consentimento informado

                O padrão exigido para o consentimento informado é determinado por cada país. A elaboração e a aplicação inadequada do termo de consentimento podem trazer problemas jurídicos para os profissionais e as instituições. O objetivo fundamental de um termo de consentimento é dar autonomia ao paciente para que ele escolha se quer ou não aquela intervenção.

                As três abordagens legais aceitáveis ​​para o consentimento informado adequado são:
    • Padrão subjetivo: O que esse paciente precisa saber e entender para tomar uma decisão informada?
    • Padrão de paciente razoável: O que o paciente médio precisa saber para ser um participante informado na decisão?
    • Padrão médico razoável: o que um médico típico diria sobre esse procedimento?
                Muitos países usam o "padrão razoável do paciente", porque se concentra no que um paciente típico precisaria saber para entender a decisão em questão. No entanto, esta é a única obrigação do prestador de serviços em saúde em determinar qual abordagem é apropriada para uma determinada situação. O Brasil adota o padrão de informação da “pessoa razoável”, que se fundamenta nas informações que uma pessoa razoável, mediana, necessitaria saber sobre determinadas condições de saúde e propostas terapêuticas ou preventivas a lhe serem apresentadas.

                O termo é uma manifestação de vontade do paciente. Não é possível obrigar o paciente a aceitar todas as cláusulas porque não se trata de um contrato de adesão onde o cliente não pode discutir as cláusulas, sob pena de se tornar inválido, pois o paciente pode falar que foi obrigado a aceitar todas as cláusulas que estavam ali, incluindo as que ele não as aceitava, fazendo com que o termo perca sua validade jurídica.

                O Código de Ética Médica assim declara:
                É vedado ao médico:
                Art. 24 - Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.

Exceções ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

               Várias exceções à exigência de consentimento informado incluem:
    • Quando o paciente está incapacitado,
    • Em emergências com risco de morte, com tempo inadequado para obter o consentimento,
    • Consentimento de isenção voluntária - Se a capacidade do paciente de tomar decisões for questionada ou não for clara, uma avaliação por um psiquiatra para determinar a competência pode ser solicitada.
                Pode surgir uma situação em que um paciente não possa tomar decisões de forma independente, mas não tenha designado um tomador de decisão (procurador/mandatário). Nesse caso, a hierarquia dos tomadores de decisão, que é determinada pelas leis de cada Estado, deve ser buscada para determinar o próximo procurador legal substituto. Se isso não der certo, um responsável legal pode precisar ser indicado pelo tribunal. Havendo procurador, a decisão do paciente expressamente indicada por meio de procuração[2] ao mandatário deverá ser respeitada.

Crianças e Consentimento Livre e Esclarecido

                Crianças não têm a capacidade de fornecer consentimento informado. Como tal, os pais devem dar permissão para tratamentos ou intervenções. Neste caso, não foi denominado "consentimento informado", mas "permissão informada". Uma exceção a essa regra é uma criança legalmente emancipada que pode fornecer consentimento informado para si mesmo. Alguns, mas não todos, exemplos de um menor emancipado incluem menores que são:
    • menores de 18 anos e casados,
    • servindo nas forças armadas[3],
    • capazes de provar independência financeira, ou
    • mães de filhos (casados ​​ou não).
                A legislação sobre menores e o consentimento informado também é baseada nas leis de cada país. O Código Civil Brasileiro (artigos 654 a 692) dispõe sobre o mandato e diz que “todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, inclusive os maiores de 16 anos e menores de 18 anos, mesmo não emancipados.”

                Vale ressaltar que segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 15, caput e inciso II, a criança e o adolescente têm o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas e têm o direito de se expressarem e de oferecerem a sua opinião, de modo que a criança deve ser livre para ter opiniões sobre todas as questões que lhe digam respeito, opinião essa que deve ser devidamente tomada em consideração de acordo com a sua idade e maturidade. Este princípio se baseia na ideia de que as crianças têm o direito de serem ouvidas e que as suas opiniões sejam seriamente levadas em consideração, incluindo qualquer processo judiciário ou administrativo que as afetem.

Significado clínico

                O consentimento informado é necessário para muitos aspectos dos cuidados de saúde. Estes incluem o consentimento para:
    • tipo de tratamento indicado,
    • disseminação da informação do paciente,
    • discussão das leis de Portabilidade e Responsabilidade de Seguro Saúde,
    • procedimentos específicos,
    • cirurgia,
    • transfusões de sangue,
    • anestesia.
                A obtenção do consentimento informado na medicina é um processo que deve incluir:
    • descrição da intervenção proposta,
    • o papel do paciente na tomada de decisão,
    • as alternativas à intervenção proposta,
    • os riscos da proposta intervenção
    • a preferência do paciente (geralmente com assinatura)
                Segundo a Recomendação do Conselho Federal de Medicina de Nº 1/2016, o termo de consentimento livre e esclarecido deve, obrigatoriamente, conter:
    • Justificativa, objetivos e descrição sucinta, clara e objetiva, em linguagem acessível, do procedimento recomendado ao paciente;
    • Duração e descrição dos possíveis desconfortos no curso do procedimento;
    • Benefícios esperados, riscos, métodos alternativos e eventuais consequências da não realização do procedimento;
    • Cuidados que o paciente deve adotar após o procedimento;
    • Declaração do paciente de que está devidamente informado e esclarecido acerca do procedimento, com sua assinatura;
    • Declaração de que o paciente é livre para não consentir com o procedimento, sem qualquer penalização ou sem prejuízo a seu cuidado;
    • Declaração do médico de que explicou, de forma clara, todo o procedimento;
    • Nome completo do paciente e do médico, assim como, quando couber, de membros de sua equipe, seu endereço e contato telefônico, para que possa ser facilmente localizado pelo paciente;
    • Assinatura ou identificação por impressão datiloscópica do paciente ou de seu representante legal e assinatura do médico;
    • Duas vias, ficando uma com o paciente e outra arquivada no prontuário médico.
                A discussão de todos os riscos é fundamental para o consentimento informado nesse contexto. A maioria dos consentimentos incluem riscos gerais, riscos específicos do procedimento, riscos de ausência de tratamento e alternativas ao tratamento. Além disso, muitos formulários de consentimento expressam que não há garantias de que o procedimento proposto irá fornecer uma solução para o problema a ser tratado. A segurança do paciente é um fator importante nos cuidados de saúde, e o consentimento informado efetivo é considerado uma questão de segurança para o paciente.

                A The Joint Commission abordou recentemente os desafios para garantir o consentimento informado e efetivo. A ênfase da assinatura do paciente como indicação de compreensão está sendo questionada. O processo do consentimento informado está mudando para se concentrar mais na comunicação (relação médico-paciente) e menos nas assinaturas.

                Estudos sobre consentimento informado descobriram que existem muitas barreiras para se obter um consentimento informado efetivo. Uma das principais barreiras é que alguns formulários de consentimento contêm uma linguagem com um nível de leitura muito alto para muitos pacientes. O uso de ferramentas de comunicação visual e digital está sendo incentivado a abordar algumas das ineficiências no processo de obtenção de consentimento. Os pacientes devem ser ativamente envolvidos como forma de melhorar a comunicação e garantir a segurança e a compreensão do paciente. O médico e o paciente devem ter uma conversa clara, em uma linguagem em que o paciente compreende. É possível perceber se o paciente está entendendo se ele faz perguntas ou se ajuda a elaborar alguma das explicações em sua própria linguagem.

                O consentimento informado pode ser dispensado em situações de emergência, se não houver tempo para obter consentimento ou se o paciente não puder se comunicar e não houver nenhum procurador substituto disponível. Além disso, nem todo procedimento requer consentimento informado explícito. Por exemplo, medir a pressão sanguínea do paciente faz parte de muitos tratamentos médicos. No entanto, uma discussão sobre os riscos e benefícios do uso de um esfigmomanômetro geralmente não é necessária.

Significado clínico em pesquisas clínicas humanas

                O consentimento informado é obrigatório para todas as pesquisas clínicas humanas. O processo de consentimento deve respeitar a capacidade do paciente de tomar decisões e aderir às regras hospitalares individuais para os estudos clínicos. A adesão à padrões éticos no estudo e na sua execução é geralmente monitorada por um Comitê de Revisão Institucional. O Comitê foi estabelecido nos Estados Unidos em 1974 pela National Research Act (Lei Nacional de Pesquisa), que exigia regulamentação em pesquisas com seres humanos, motivada por práticas questionáveis ​​de pesquisa usadas nos experimentos da sífilis de Tuskegee e outras. Os padrões de pesquisa éticos e seguros têm sido uma área de interesse federal e presidencial desde então, com o desenvolvimento de muitas organizações e forças-tarefa desde 1974 dedicadas somente a esse tópico.

                O consentimento informado válido para a pesquisa deve incluir três elementos principais:
    • divulgação de informações,
    • competência do paciente (ou substituto) para tomar uma decisão
    • natureza voluntária da decisão. As regulamentações federais dos Estados Unidos exigem uma explicação completa e detalhada do estudo e seus possíveis riscos.
                O Comitê de Revisão Institucional pode renunciar ao consentimento informado se determinadas condições forem cumpridas. Para isso, é fundamental haver um "risco mínimo" para os participantes da pesquisa. Um exemplo de pesquisa de risco mínimo é a avaliação de intervenções que normalmente ocorrem em situações de emergência. Exemplos disso incluem o estudo de medicamentos usados ​​para intubações na sala de emergência ou a realização de uma revisão retrospectiva de prontuários.

Tomada de Decisão Compartilhada

                O consentimento informado é um processo colaborativo que permite aos pacientes e profissionais de saúde tomar decisões em conjunto quando existe mais de uma alternativa razoável, considerando as preferências e prioridades exclusivas do paciente e as melhores evidências científicas disponíveis.

                O Códico de Ética Médica tem como um dos princípios fundamentais:
                V –Compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente e da sociedade.

                É mais apropriado pesar os benefícios e malefícios de procedimentos invasivos, como transfusões de sangue, tomografia computadorizada (TC) e disposição pós-emergência, incluindo o uso de trombolíticos para acidente vascular cerebral isquêmico agudo, punção lombar para excluir hemorragia subaracnoide e tomografia computadorizada para traumatismos cranianos pediátricos menores.

                Os desafios da tomada de decisão compartilhada em Medicina de Emergência incluem o paciente, o prestador de serviços de saúde, o sistema hospitalar e a evidência de limitações. Os exemplos incluem:
    • se os pacientes são capazes ou estão dispostos a tomar decisões
    • se os provedores sentem que a decisão fornece mais ou menos proteção médico-legal,
    • se o Departamento de Emergência está sobrecarregado e há tempo suficiente para tomar decisões
    • se a instalação possui ou não ferramentas de previsão de risco bem validadas para orientar a tomada de decisão.
                A vida humana é feita de escolhas e enquanto saudáveis todos nós temos o direito de escolher o que comer, o que vestir, qual medicamento tomar e assim por diante. Quando enfermos, não perdemos esse direito, continuamos com o direito de saber detalhes dos procedimentos médicos que seremos submetidos e continuamos com o direito de consentir ou não o tipo de tratamento que desejamos receber, especialmente quando se trata de procedimentos que possam nos trazer malefícios. O consentimento informado é necessário para determinar a livre escolha do paciente de decidir o que será feito com seu corpo, mas perderá totalmente sua necessidade e eficácia se for desrespeitado. 

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Referências:


[1] The Joint Commission - Organização independente sem fins lucrativos que tem por objetivo o contínuo aprimoramento dos cuidados com a saúde. Website: www.jointcommision.org. 
[2] A procuração é um contrato por meio do qual uma pessoa, que não pode praticar o ato pessoalmente, autoriza outra a realizar um determinado ato ou negócio jurídico em seu nome.
[3] No Brasil, o alistamento é obrigatório à partir dos 18 anos.

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