quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Cirurgias eletivas em pacientes Testemunhas de Jeová em hospitais de pequeno porte.


(Íntegra do Parecer n. 28.019/16 do CREMESP) 
Data Emissão: 31-01-2018

Consulta nº 28.019/16

Assunto: Cirurgias eletivas em pacientes Testemunhas de Jeová em hospitais de pequeno porte.

Relator: Conselheiro Antonio Pereira Filho e Dr. Marco Aurélio Guimarães, membro da Câmara Técnica Interdisciplinar de Bioética.

Ementa: Em casos de cirurgias eletivas em pacientes Testemunhas de Jeová em hospitais de pequeno porte, envolvendo pacientes estáveis, não há infração ética na admissão pura e simples de tais pacientes. Uma vez admitidos, a instituição, em parceria com a equipe médica devem diligenciar em busca do melhor atendimento para o paciente, o que pode incluir a obtenção de segunda opinião médica, transferência entre equipes e até mesmo transferência para outra instituição. Para o uso de técnicas cirúrgicas que evitam transfusões de sangue, é recomendável que tanto cirurgião e anestesiologista estejam de acordo entre si com a estratégia a ser utilizada e cabe à administração hospitalar facilitar ou intermediar o encontro de ambos os profissionais, ainda que sejam de outras instituições e/ou indicados pelo paciente.  É dever do médico esgotar todas as opções terapêuticas em benefício do paciente, recomendando-se que o profissional documente devidamente a conduta a ser adotada, bem como a opção do paciente em um Termo de Consentimento específico e, se o paciente possuir, a juntada de um documento de diretivas antecipadas. Com relação à privacidade do paciente, o médico não cometerá ilícito ou falta ética ao solicitar diálogo sobre as opções terapêuticas única e exclusivamente com o(a) paciente maior, lúcido(a), orientado(a) e autônomo(a), em local reservado e sem a presença ou acesso de outras pessoas, de forma a resguardar sua privacidade e o sigilo profissional. Na possibilidade do(a) paciente manter a não aceitação da proposta terapêutica, cabe ao médico acatar a decisão do paciente considerado autônomo e capaz. No caso de aceitar a proposta terapêutica apresentada pelo médico, isso deve ser registrado de forma a salvaguardar a atuação profissional, mas também ser mantido em mais absoluto sigilo. Por fim, é recomendado o acesso a profissionais e equipes médicas que atuam com opções terapêuticas às transfusões através do Departamento de Informações Sobre Hospitais (HID) das Testemunhas de Jeová através do telefone de plantão do HID - (15) 98125-8625 disponibilizado.

O consulente, Dr. O.L.S., encaminha Consulta através da Delegacia Regional de Bauru do CREMESP, sobre cirurgias eletivas em pacientes Testemunhas de Jeová em hospitais de pequeno porte, envolvendo pacientes estáveis, apresentando arrazoado complexo sobre o tema, abordando diferentes temáticas e reiterando a necessidade de orientação consolidada por parte do CREMESP sobre como proceder frente a estes casos, solicitando inclusive uma possível listagens de hospitais de referência do Sistema Único de Saúde (SUS) para atendimento de pacientes.
PARECER
Preâmbulo
Primeiramente, ressalta-se que o parecer a seguir não trata sobre casos envolvendo crianças ou sob responsabilidade legal de pessoas Testemunhas de Jeová. Quaisquer casos dentro destas situações específicas deverão ser tratados em outra situação de Consulta Bioética. Não obstante a posição religiosa deste grupo, o exercício do consentimento informado e os princípios expostos neste parecer são aplicáveis a qualquer paciente que deseja exercer suas opções terapêuticas, independentemente da motivação.
Análise da Consulta
O consulente expõe em seu texto de encaminhamento da Consulta diversos questionamentos que envolvem a possibilidade de se respeitar ou não a recusa de pacientes Testemunhas de Jeová em receber transfusões de sangue no caso de procedimentos eletivos em hospitais de pequeno porte. Com base no arrazoado anteriormente apresentado procura-se nesta sequência discutir os questionamentos com um enfoque legal e bioético, não necessariamente seguindo a ordem em que foram apresentados, mas de forma construir uma sequência lógica e inteligível.
O primeiro questionamento versa sobre hospitais de pequeno porte admitirem pacientes Testemunhas de Jeová para cirurgias eletivas sem que estas instituições disponham da maioria dos procedimentos terapêuticos aceitos por estes pacientes como alternativas ao uso de transfusões. 
Não há infração ética na admissão pura e simples de tais pacientes. Uma vez admitido, a instituição, em parceria com a equipe médica devem diligenciar em busca do melhor atendimento para o paciente, o que pode incluir a obtenção de segunda opinião médica (artigo 39 do Código de Ética Médica), transferência entre equipes e até mesmo transferência para outra instituição (art. 36 do Código de Ética Médica), na hipótese de não ser possível prestar o atendimento.
Cabe ponderar que a disponibilidade de condições terapêuticas para atender pacientes que recusam transfusões de sangue, não necessariamente está ligada ao porte da instituição ou a uma elevação de custos. Como exemplo, cita-se a hemodiluição normovolêmica aguda, procedimento regulado pelos artigos 221 e 222 da Portaria 2.712/13, do Ministério da Saúde, e que apresenta baixo custo. 
De acordo com Marini (2016) um hospital não pode recusar a internação de um paciente pelo fato do mesmo recusar transfusões como recurso terapêutico, uma vez acordado entre o paciente e a equipe médica (10). Cabe a inserção no Termo de Internação(TI) ou no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) ou Termo de Consentimento Informado (TCI) a informação da recusa, refletindo perfeitamente o que for acordado entre médico e paciente (seja pela transfusão ou seja pelo protocolo não transfusional). A adoção de tais termos - que reflitam o acordo entre paciente e equipe médica - é uma garantia jurídica tanto para o paciente, quanto para o médico e o hospital, havendo mais segurança jurídica, pois a praxe forense tem evidenciado que os contratos de adesão (termos padronizados) geram mais controvérsias e tendem a ser relativizados pelo Judiciário, conforme citado por Marini, 2016(10).Independente do pactuado, permanece válido o artigo do Código de Ética Médica que preconiza a transfusão em caso de risco de morte.
Portaria 2.712/13, do Ministério da Saúde - Redefine o regulamento técnico de procedimentos hemoterápicos.
Portaria 2.712/13, do Ministério da Saúde:
"Art. 221. O sangue autólogo, em situações excepcionais, poderá ser coletado do paciente imediatamente antes da cirurgia, hemodiluição normovolêmica, ou recuperado do campo cirúrgico ou de um circuito extracorpóreo, recuperação intraoperatória.
Art. 222. As unidades de sangue obtidas no pré-operatório imediato, por hemodiluição normovolêmica, permanecerão na sala de cirurgia em que o paciente está sendo operado durante todo o ato cirúrgico.
§ 1º. As unidades de sangue de que trata o "caput" poderão ser utilizadas no doador-paciente até 24 (vinte e quatro) horas depois da coleta, desde que mantidas à temperatura de 4 ± 2ºC, ou por até 8 (oito) horas, se as bolsas forem mantidas à temperatura entre 20ºC e 24ºC.
§ 2º. A transfusão das bolsas autólogas depois que o doador-paciente deixou a sala de cirurgia poderá ser realizada, desde que haja protocolo escrito que defina como serão feitos a identificação e o armazenamento destas bolsas.
§ 3º. O procedimento de hemodiluição pré-operatória poderá ser realizado mesmo em unidades de assistência à saúde que não disponham de serviço de hemoterapia."
Com isso, responde-se também a um segundo questionamento apresentado, se constituiria imprudência, negligência e imperícia internar ou admitir pacientes para procedimentos eletivos sem condições de suporte adequadas para o quadro clínico.
A instituição hospitalar não pode recusar a internação conforme mencionado acima, ou aí sim cometeria falta ética, que poderia ser caracterizada como omissão. Caberia, após a avaliação específica do paciente feita pela equipe médica, principalmente no que tange às transfusões em Testemunhas de Jeová, informar ao paciente quais os recursos terapêuticos substitutivos às transfusões que estejam ou não estejam disponíveis na instituição, garantindo ao paciente a autonomia em não aceitar a internação e procurar outra instituição que atenda seus desejos e necessidades. Respeita-se assim, a menção feita ao Código de Ética Médica na Consulta:
Capítulo V - RELAÇÃO COM PACIENTES E FAMILIARES
"É vedado ao médico:
Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.
Art. 32. Deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente."
Em suma, não há infração ética no simples acolhimento do paciente, com internação. Concluindo-se pela impossibilidade de tratá-lo de acordo com suas opções terapêuticas, pode-se operacionalizar a transferência regular do mesmo (mas não o abandono), nos termos do artigo 36 do Código de Ética Médica.
Como terceiro item de análise, o consulente expõe uma situação de conflito entre duas categorias de profissionais médicos: cirurgiões e anestesiologistas. O conflito exposto se baseia nas situações nas quais cirurgiões colocam que os pacientes Testemunhas de Jeová aceitam o procedimento cirúrgico em si, só não aceitando a transfusão, que podem oferecer um procedimento com sangramento mínimo, mas sem poder garantir que não ocorrerão complicações hemorrágicas inerentes a qualquer procedimento cirúrgico - mesmo os mais simples - às vezes até "urgenciam" a situação do paciente, ou seja, demandam maior urgência ao procedimento sem real necessidade. O consulente afirma que, como os anestesiologistas são os responsáveis pela anestesia e equilíbrio hemodinâmico do paciente, ocorre por parte dos cirurgiões uma transferência da responsabilidade em caso de demanda judicial, questionando se não seriam os cirurgiões, assim como a instituição que aceita o paciente, os responsáveis pela situação.
Nesta situação, fica evidente um problema de relação entre médicos que cria um conflito de interesses que pode prejudicar em última instância, o paciente. A partir do Código de Ética Médica, pode-se citar:
Capítulo III - RESPONSABILIDADE MÉDICA
"Art. 3º Deixar de assumir responsabilidade sobre procedimento médico que indicou ou do qual participou, mesmo quando vários médicos tenham assistido o paciente.
Art. 4º Deixar de assumir a responsabilidade de qualquer ato profissional que tenha praticado ou indicado, ainda que solicitado ou consentido pelo paciente ou por seu representante legal."
Capítulo VII - RELAÇÃO ENTRE MÉDICOS
"É vedado ao médico:
Art. 52. Desrespeitar a prescrição ou o tratamento de paciente, determinados por outro médico, mesmo quando em função de chefia ou de auditoria, salvo em situação de indiscutível benefício para o paciente, devendo comunicar imediatamente o fato ao médico responsável."
Desta forma, sendo o equilíbrio hemodinâmico do paciente de responsabilidade do anestesiologistas como foi exposto, o cirurgião não poderia, a priori, interferir na tomada de decisão sobre transfundir ou não o paciente. Mas nessa situação de dilema, o que se nota é o fato de um profissional (o cirurgião) assumir a execução de um procedimento médico, expondo outro profissional (o anestesiologista) a uma hipotética responsabilização por ato profissional do qual este último não optou por assumir os riscos.
Mas como é previsto no Código de Ética Médica acima citado, o cirurgião, ao indicar e praticar o procedimento cirúrgico assume a responsabilidade pelo mesmo como um todo, mesmo com a assistência prestada por outro médico, no caso, pelo anestesiologista. Ou seja, não há como separar a responsabilidade de ambos os profissionais, cirurgião e anestesiologista, pois o paciente é um só e deve ser o alvo da atenção dos dois, independentemente dos papéis assumidos por cada um, pois se trata de trabalho em equipe. Qualquer divergência entre cirurgião e anestesiologista não pode prejudicar o principal alvo de atenção da Medicina, o paciente.
Como quarto questionamento o consulente coloca que concorda com a utilização de transfusões somente como último recurso no caso de pacientes que recusem este procedimento, como no caso das Testemunhas de Jeová. Mas que, para isso, se torna necessário esgotar as outras possibilidades e recursos para controle de sangramento e equilíbrio hemodinâmico antes que a transfusão seja utilizada, de forma a respeitar a autonomia do paciente e o Código de Ética Médica (artigos 22, 24, 31 e 32 anteriormente citados), permanecendo a dúvida de como garantir a legitimidade dessa atuação.
Retoma-se aqui a necessidade, previamente mencionada, de fornecer ao paciente que recusa a transfusão informações em quantidade e qualidade adequadas, para a tomada de decisão sobre a realização do procedimento, ainda mais por ser considerado eletivo. Do mesmo modo, a necessidade de assinatura de termo (TI, TCLE ou TCI) que conste de maneira clara e precisa as restrições advindas dos recursos disponíveis ou da capacidade técnica dos médicos responsáveis pela execução dos procedimentos. 
É ético da parte do médico esgotar todas as opções terapêuticas em benefício do paciente (Código de Ética Médica - Princípios fundamentais, V). Recomenda-se que o profissional documente devidamente a conduta a ser adotada, bem como a opção do paciente.Um termo de consentimento específico, anotações diárias em prontuário médico e, se o paciente possuir, a juntada de um documento de diretivas antecipadas,documentarão e salvaguardarão a atividade médica (vide Resolução CFM n.º 1.995/12, art. 2º §§ 3º e 4º).
Resolução CFM n.º 1.995/12 - Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes.
"Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade.
§ 3º As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares. 
§ 4º O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente."
Como quinto questionamento o consulente coloca que entidades religiosas fazem a divulgação de substitutos do sangue e pacientes têm dificuldade em entender outras orientações, adicionando-se o fato de que visitas de familiares e religiosos acabam por funcionar como coação, inibindo ou impedindo a liberdade de escolha e a privacidade do paciente, ou seja, questiona como lidar com a possível interferência na tomada de decisão por parte do próprio paciente.
A divulgação de tratamentos e procedimentos médicos que podem dispensar o uso de transfusão não é exclusividade de entidades religiosas. Um exemplo é The National Blood Authority do governo da Austrália - https://www.blood.gov.au/patient-blood-management-pbm(11). Trabalhos científicos são divulgados por meio de sites como o da Scientific Electronic Library Online (Scielo) contendo artigos médicos publicados em revistas de renome sobre técnicas e medicamentos que podem ser utilizados para evitar a administração de hemocomponentes (http://www.scielo.org/php/index.php). No mesmo sentido, há o site http://bloodless.com.br/pt/. O Ministério da Saúde também divulga e regula por meio da Portaria n.º 2.712/2013 alguns procedimentos que podem reduzir ou evitar a transfusão de sangue alogênico, como a hemodiluição normovolêmica aguda e a recuperação intra-operatória de células.
Portanto, não se trata exclusivamente de informação com viés religioso. A situação de que pacientes têm dificuldade "em entender outras orientações" realmente pode ocorrer, mas diferencia-se da situação da dificuldade em "aceitar outras orientações", o que também deve ser fato. Deve-se relembrar a ideia de que questionamentos por parte de médicos sobre a capacidade de consentir e impor limitações a autonomia de um paciente somente ocorrem quando há discordância deste último com a conduta proposta.
Com relação à privacidade do paciente, o médico não cometerá ilícito ou falta ética ao solicitar diálogo sobre as opções terapêuticas única e exclusivamente com o(a) paciente maior, lúcido(a), orientado(a) e autônomo(a), em local reservado e sem a presença ou acesso de outras pessoas, de forma a resguardar sua privacidade e o sigilo profissional, além de minimizar a possibilidade de coação externa.
Na possibilidade do(a) paciente manter a não aceitação da proposta terapêutica, cabe ao médico acatar a decisão do paciente considerado autônomo e capaz. No caso de aceitar a proposta terapêutica apresentada pelo médico, isso deve ser registrado de forma a salvaguardar a atuação profissional, mas também ser mantido em mais absoluto sigilo. Independente do pactuado, permanece válido o artigo do Código de Ética Médica que preconiza a transfusão em caso de risco de morte.
Por fim, há o questionamento sobre a possibilidade de uma lista de instituições ou hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) de referência para o atendimento a pacientes que recusem transfusões como as Testemunhas de Jeová.
Consultada a Sede no Brasil das Testemunhas de Jeová, obteve-se a informação de que não há uma lista formal de instituições ou hospitais para referenciar pacientes desta religião pelo motivo de recusa a transfusões.
Utilizar um protocolo médico específico e aprimorar técnicas são práticas que integram a liberdade profissional do médico (Código de Ética Médica - Capítulo II, Inc., II; Capítulo I, Inc. V). Tratar um paciente que recusa transfusão de sangue não depende em geral da implementação de algum programa específico pelas instituições de saúde.  Por esta razão, existem médicos e equipes em diferentes localidades que realizam os mais diversos procedimentos sem transfusões de sangue, vinculados a diferentes instituições e em especialidades diversas. Além disso, a já citada Portaria 2.712/13, coloca no seu artigo 225:
Portaria 2.712/13, do Ministério da Saúde - Redefine o regulamento técnico de procedimentos hemoterápicos.
"Art. 225. No serviço de hemoterapia haverá um médico que seja responsável pelo programa de transfusão autóloga pré-operatória e de recuperação intraoperatória."
Ou seja, os procedimentos então chamados de "alternativos" à transfusão estão não somente previstos na referida Portaria 2.712/13, como é previsto que os serviços de hemoterapia devam ter um profissional habilitado responsável pelos mesmos.
É recomendado o acesso a profissionais e equipes médicas através do Departamento de Informações Sobre Hospitais (HID) através do site www.jw.org, na sessão "Informações para Profissionais da Medicina", ou com as Comissões de Ligações com Hospitais (COLIHs), localizadas em grandes áreas urbanas com centros hospitalares. O telefone disponibilizado para contatos sobre informações regionais é o do plantão do HID - (15) 98125-8625.     

Este é o nosso parecer, s.m.j.

Conselheiro Antonio Pereira Filho

APROVADO NA REUNIÃO DA CÂMARA TÉCNICA INTERDISCIPLINAR DE BIOÉTICA, REALIZADA EM 27.10.2017.
APROVADO NA REUNIÃO DA CÂMARA DE CONSULTAS, REALIZADA EM 19.01.2018.
HOMOLOGADO NA 4.819ª REUNIÃO PLENÁRIA, REALIZADA EM 23.01.2018.
Fonte:

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

A influência dos animais de estimação na nossa saúde



Evidências mostram que os Pets influenciam na pressão sanguínea dos humanos. Testes mostraram que o simples fato de ter uma companhia, mesmo que humana, pode minimizar as consequências do estresse, entretanto, a presença de um animal de estimação está associada a benefícios cardiovasculares significativos, quando comparadas entre pessoas com pressão sanguínea normal e pessoas com pressão alta. 

O poder de cura dos animais de estimação varia desde a cura da solidão e alienação à redução de casos de hipertensão e dos riscos de um ataque cardíaco. Considerando o número de animais de estimação existentes e os gastos envolvidos em seus cuidados, é razoável se perguntar por que as pessoas possuem animais de estimação. 


Cerca de 90% dos tutores descrevem que há um importante vínculo emocional entre eles, os consideram como membros da família, os fazem se sentir calmos, felizes e capazes de lidar melhor com o estresse. Estudos mostram que ter um animal de estimação está associado à maiores chances de sobrevivência após um ataque cardíaco, independentemente da severidade das sequelas pós ataque, das características demográficas do paciente e dos fatores psicossociais, além de estar associado à redução dos níveis de lipídios (gorduras) e de outros fatores de riscos cardiovasculares. 

Pacientes com fibromialgia que fazem terapia com um cão de terapia, ao invés de uma terapia ambulatorial em uma instalação de gerenciamento de dor, mostraram melhorias significativas na dor, humor e outras formas de sofrimento. Os idosos que possuem Pets sofrem menos impacto com os estressantes problemas da vida e vão menos ao médico quando comparados aos que não tem um Pet. 


A presença de um animal pode melhorar significativamente comportamentos sociais entre crianças com autismo. Crianças melhoraram sua motivação para participar do protocolo de tratamento de câncer e permaneceram mais otimistas com tratamento com animais. 




Possuir um animal de estimação foi associado a um risco reduzido de linfoma não-Hodgkin e linfoma difuso de grandes células. Pessoas com AIDS que possuem animal de estimação sofrem menos de depressão do que os que não possuem um Pet. 


Pensava-se que um dos efeitos benéficos dos Pets era o fato de serem meramente uma distração, eliminando a fonte da situação estressante, mas os pesquisadores concluíram que não, mesmo diante de situações estressantes ou tarefas difíceis, as pessoas que estavam na presença de um animal de estimação concluía melhor e mais rápido a sua tarefa, ou seja, parece que os Pets agem como um facilitador social, talvez eles ajudem no relaxamento trazendo o que há de melhor para a performance dos seus tutores. 


Os animais, diferentemente dos humanos, não julgam, portanto são candidatos ideais para ajuda em intervenções psicológicas com o objetivo de melhorar o convívio social do indivíduo. A posse de um animal de estimação pode ser um antídoto para a solidão, pode melhorar nossa motivação em aceitar um determinado tratamento e pode diminuir nossa preocupação, ansiedade e dor. Os animais podem influenciar não apenas na nossa saúde, mas também na nossa felicidade. 

Importante lembrar que os animais jamais podem ser vistos como um medicamento ou uma simples terapia temporária, é preciso ter respeito à vida e ter a posse com responsabilidade. Eles não são objetos para serem dados como presente ou descartados quando não nos interessar mais. Os animais são nossos amigos e os benefícios dessa linda amizade devem ser recíprocos!



Fonte:

sábado, 20 de outubro de 2018

Direito de recusa de Transfusão de Sangue

Aspectos bioéticos e legais


A Medicina sem Sangue já é uma realidade no cenário mundial. A ampla divulgação do Programa de Gerenciamento do Sangue do Paciente (em inglês PBM - Patient Blood Management) tem mudado a maneira em que o sangue é administrado. Com base nas novas técnicas e em experiências positivas da medicina sem sangue, os profissionais começaram a ampliar esse novo e melhorado método de tratamento para pacientes em escala global, de modo que não é mais possível afirmar que a transfusão de sangue é o único método de tratamento para a estabilização do paciente. 

Segundo a Bioética, o direito à vida não pode ser apartado da dignidade da pessoa humana, princípio fundamental de um Estado Democrático de Direito, sendo que as questões humanas só podem ser consideradas sob a égide dos princípios bioéticos fundamentais da autonomia, beneficência, não-maleficência, justiça e equidade. O direito à vida é garantido constitucionalmente e pressupõe não apenas o direito de existir biologicamente, mas o direito de existir com autonomia, liberdade e dignidade. Portanto, vida sem dignidade não é vida com qualidade. 

O paciente tem direito de consentir ou recusar procedimentos, diagnósticos ou terapêuticas a serem nele realizados. Deve consentir de forma livre, voluntária e esclarecida por meio de informação adequada e detalhada.

  • Quando o paciente é adulto e capaz, e expressa sua vontade de forma livre, consciente, inequívoca e legal, não se exige a tutela do Estado; 
  • O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) isenta os médicos, equipe e hospital de qualquer ação judicial, desde que se respeite a vontade do paciente; 
  • A informação adequada sobre os riscos do procedimento que o paciente será submetido tem por objetivo justamente seu consentimento ou sua recusa, caso contrário, não seria necessário o consentimento informado; 
  • Desrespeitar a vontade do paciente é uma grave violação dos Direitos Humanos; 
  • Independente de crença, o paciente tem o direito de decidir livremente qual tratamento deseja para si, assim como tem o direito de recusar livremente o tratamento que não deseja receber;
  • Mesmo sob a alegação de convicções religiosas, a Constituição Federal garante a inviolabilidade de consciência e crença; 
  • Seu direito de escolha com base na autonomia de vontade não fere nenhum direito alheio, mas diz respeito apenas a si próprio; 
  • O tratamento com sangue agride sua integridade física, moral e espiritual, trazendo-lhe malefícios; 
  • Não há colisão de direitos entre a vida e a liberdade, uma vez que a escolha de tratamento não é repúdio à vida, além de ser leviano dizer que a transfusão de sangue salva vidas; 
  • A transfusão de sangue não é e nunca foi garantia de vida, além de trazer inúmeros riscos para o paciente.

Tribunais de outros países, há muito tempo têm decidido em favor dos pacientes que desejam ter seus direitos de escolha respeitados, bem como rejeitado apelações de médicos que desrespeitaram esses direitos, como por exemplo:

Recurso de Apelação na Suprema Corte da Carolina do Sul, Estados Unidos da América
HARVEY v. STRICKLAND, 350 S.C. 303 (2002)

O paciente alega ter recebido transfusões de sangue de forma não desejada dois dias após cirurgia eletiva da artéria carótida. O paciente é Testemunha de Jeová; O apelante moveu ação contra os médicos, alegando descumprimento de contrato, falta de consentimento livre e esclarecido, erro médico e violação intencional dos seus direitos. O tribunal de primeira instância determinou não haver base probatória suficiente para que o júri pudesse chegar a uma conclusão.
O paciente assinou formulários intitulados "Recusa de Tratamento / Isenção de Responsabilidade" e "Consentimento para a Cirurgia". Os documentos indicam que ele se recusou a aceitar transfusão de sangue ou hemoderivados, e que compreendeu plenamente os riscos associados referentes à sua recusa, isentando os médicos e equipe de ações judiciais de qualquer natureza. No dia anterior à cirurgia, o paciente assinou um outro termo de consentimento, indicando que "não autorizava o médico a utilizar sangue ou hemoderivados, mesmo em caso de necessidade." A Suprema Corte reconhece que a doutrina do consentimento implícito se aplica aos médicos da Carolina do Sul e que o erro médico é causa de ação judicial decorrente da falta de consentimento. Sob essa doutrina, o médico tem o dever de revelar ao paciente o diagnóstico, os riscos, os benefícios, as alternativas, etc., de quaisquer procedimentos que o médico se proponha a realizar. A informação deve ser dada a "um paciente consciente, para que na ausência de consciência em caso de emergência, seja garantido ao paciente um tratamento médico imediato". Como o paciente estava inconsciente e uma situação de emergência foi apresentada, o médico afirmou que foi obrigado a buscar o consentimento da mãe do paciente para que a transfusão de sangue pudesse ser realizada, fato que a Suprema Corte discordou. A Suprema Corte dos Estados Unidos entende que não há direito mais valioso e que deva ser resguardado pela “Common Law”, do que o direito de cada indivíduo de exercer sua autodeterminação. O direito à liberdade de escolha de tratamento já é há muito tempo reconhecido nos Estados Unidos. Todo ser humano adulto e capaz tem o direito de determinar o que será feito com seu próprio corpo. O direito individual de tomar decisões vitais afeta a vida privada, de acordo com a consciência individual e esse é o fundamento principal do país. A Suprema Corte dos Estados Unidos reconhece que um paciente adulto e capaz, tem o direito de rejeitar qualquer ou todas as formas de intervenção médica, inclusive tratamento para salvar ou prolongar a vida. O tratamento dado ao paciente foi contrário às instruções claras e inequívocas que o paciente expressou em tempo, quando estava plenamente apto a consentir. O paciente alegou ter recebido instruções claras e estava plenamente ciente dos riscos, inclusive sabia que sua chance de recuperar sua saúde para uma vida normal seria reduzida. O paciente ainda isentou o médico e sua equipe de quaisquer responsabilidades pela sua decisão de recusar transfusão de sangue. A transfusão não era necessária e procedimentos alternativos sem sangue estavam à disposição dos médicos.
A Suprema Corte acolheu o recurso de apelação, concordou que houve descumprimento de contrato, entendeu que a decisão da primeira instância foi incorreta e determinou que fosse encaminhada para um novo julgamento, reconheceu que houve danos emocionais causados pela má conduta do médico e que qualquer violação de um direito legal incorre em danos, autorizando a propositura de uma ação de reparação de danos.

Suprema Corte de Tokyo, Japão Date of the Judgment 2000.2.29 
Case Number 1998(O)Nos.1081, 1082

A Suprema Corte rejeitou recurso de apelação de médico processado por responsabilidade civil por ter realizado transfusão de sangue sem consentimento da paciente.
A paciente foi informada que tinha um tumor maligno no fígado. Como o médico lhe disse que era impossível realizar a cirurgia sem transfusão de sangue, a paciente procurou uma outra instituição médica onde seria capaz de fazer a cirurgia sem sangue. O médico desta instituição disse que seria possível realizar a cirurgia sem transfusão de sangue, se não houvesse metástase. Antes da cirurgia, a paciente fez uma declaração que foi devidamente assinada por ela e pelos médicos, onde afirmava que se recusaria a receber transfusão de sangue, isentando a equipe médica, funcionários e o hospital de quaisquer danos decorrentes por sua recusa. Durante a cirurgia para a retirada do tumor, a paciente perdeu cerca de 2.245 mililitros, e os médicos decidiram transfundir. Após receber alta do Hospital a paciente faleceu.O médico estava ciente de que a paciente havia entrado no hospital com a intenção de fazer a cirurgia para a retirada do tumor, e que não aceitaria transfusão de sangue sob hipótese alguma por razão de suas convicções religiosas. Embora o médico estivesse ciente de que uma transfusão pudesse ser necessária durante a cirurgia, ele não explicou para a paciente da possibilidade de transfundir, se não houvesse outro jeito de salvar a sua vida, de modo que optou por fazer a transfusão de sangue na paciente sem o seu consentimento. Diante das condições indicadas, o médico privou a paciente do seu direito de decidir livremente em fazer ou não a cirurgia. Portanto, o médico deve ser responsabilizado civilmente pelos danos morais em compensação ao sofrimento mental provocado na paciente por conta desta situação.
A Suprema Corte entendeu que quando um paciente expressa sua recusa em receber qualquer tratamento médico, envolvendo uma transfusão de sangue por causa de suas crenças religiosas, o direito de tomar tal decisão deve ser respeitado, por se tratar de direitos pessoais. Os médicos deveriam ter explicado para a paciente que a política do Hospital era a de transfundir em casos emergenciais, deixando que a paciente pudesse decidir se faria a cirurgia ou não. Uma pessoa que viola intencionalmente ou de forma negligente o direito de outra pessoa, é obrigada a indenizá-la por danos decorrentes dessa violação. O acórdão foi proferido de forma unânime.

A fundamentação dessas decisões se baseia adicionalmente no fato de que diante dos avanços tecnológicos e das pesquisas médicas atuais, não é mais possível aceitar a afirmação de que as transfusões de sangue sejam a única opção para o paciente. 

O próprio Código de Ética Médica declara que os médicos têm o dever de se manterem informados e atualizados com relação às novas técnicas disponíveis e por isso, eles precisam deixar de lado qualquer preconceito com relação à religião, pois se por um lado há uma motivação religiosa por parte das Testemunhas de Jeová, por outro lado, novas técnicas em opções terapêuticas não tem qualquer relação com religião, mas sim, diz respeito à uma ampliação do conhecimento do profissional da saúde.

Como já dito anteriormente, assim como qualquer profissional que deseja atingir a excelência, o médico deve tornar-se perito na arte médica, sendo imprescindível o estudo e a atualização constante, de modo a estar ciente de todos os meios disponíveis e atuais de diagnósticos e tratamentos cientificamente reconhecidos, a fim de usá-los em benefício do paciente.



Julgados disponíveis em:


http://www.courts.go.jp/app/hanrei_en/detail?id=478

Nota: Também publicado no site Jusbrasil:

https://elainefrancoadv.jusbrasil.com.br/artigos/640178941/direito-de-recusa-de-transfusao-de-sangue

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

BIOÉTICA e as questões controversas em cuidados da saúde



A bioética é um estudo interdisciplinar e seu tema abrange muitos dos assuntos mais controversos e importantes que a sociedade contemporânea enfrenta, incluindo questões éticas difíceis relacionadas à autonomia do paciente em escolhas de tratamento médico, autonomia do médico, recursos escassos para tratamentos de saúde, morte assistida, clonagem humana, aborto, reprodução artificial, engenharia genética, transplante de órgãos, uso da maconha medicinal, etc.

Os bioeticistas profissionais vêm de uma ampla variedade de origens. Muitos eram filósofos acadêmicos ou médicos, mas atualmente os profissionais podem incluir enfermeiros, assistentes sociais, clérigos, advogados, cientistas pesquisadores e demais interessados. O trabalho real dos bioeticistas transcende as esferas pública e clínica.

O papel público dos bioeticistas envolve escrever e discutir sobre as controvérsias mais desafiadoras existentes atualmente, muitas vezes lidando com o impacto de novas tecnologias, como xenotransplantes ou reprodução assistida. Em ambientes hospitalares, os bioeticistas consultam os profissionais da saúde, pacientes e familiares para ajudá-los a abordar as questões éticas que surgem durante a prestação de cuidados médicos.

Quatro princípios geralmente orientam as decisões da bioética: 
  • Autonomia, o direito dos pacientes de tomar suas próprias decisões e determinar os cuidados de saúde que desejam receber de forma livre e esclarecida; 
  • Não-maleficência, a regra de que os médicos não devem “causar danos” aos pacientes; 
  • Beneficência, a obrigação dos profissionais da saúde de contribuírem para o bem-estar dos pacientes; 
  • Justiça, o objetivo de tratar todos os pacientes de forma justa e garantir acesso equitativo aos serviços médicos. 

O princípio da Autonomia é um dos princípios orientadores da bioética contemporânea, garantindo aos pacientes a ampla liberdade para tomar suas próprias decisões médicas.

Uma questão controversa surge, por exemplo, quando os pacientes recusam determinados cuidados ou querem deixar o hospital contra o conselho de seus médicos. Muitas vezes, recorre-se aos tribunais para que se determine quando e sob quais circunstâncias um paciente ou sua família pode recusar o atendimento.

Nas décadas de 1960 a 1990, esse foi um dos assuntos mais debatidos na bioética. Uma série de casos da Suprema Corte estabeleceu como regra geral que pacientes adultos competentes podem recusar atendimento médico indesejado. As Testemunhas de Jeová, por exemplo, têm permissão para rejeitar transfusões de sangue.

Uma questão relacionada foi se as famílias de pacientes com métodos de suporte à vida tinham o direito de remover tubos de alimentação ou ventiladores se seus parentes tivessem pouca chance de recuperação. O caso mais famoso foi o de Karen Ann Quinlan (1954-1985), uma jovem de New Jersey que estava em coma, cuja família tentou remover seu respirador para que ela pudesse morrer “com graça e dignidade”. A Suprema Corte de Nova Jersey decidiu a favor da família e o respirador foi removido, mas Quinlan viveu mais 10 anos sem recuperar a consciência.

Em um segundo caso semelhante, o de Nancy Cruzan (1957-1990) do Missouri, a Suprema Corte dos Estados Unidos determinou que sua família tinha o direito de retirar o suporte de vida apenas se existisse evidência “clara e convincente” de que isso era o que a paciente tinha assim desejado.

Durante os primeiros anos do século XXI, a questão do direito de retirar os cuidados médicos tornou-se altamente politizada, com envolvimento de figuras nacionais incluindo o presidente George W. Bush, como no caso de Terri Schiavo (1963-2005).

As diretrizes antecipadas de vontade permitem que as pessoas especifiquem com antecedência quais cuidados elas gostariam ou não de receber se perdessem a capacidade de tomar suas próprias decisões médicas. Uma pessoa também pode nomear um procurador para sua assistência médica: um parente ou amigo que tomará decisões por ele ou ela nos casos de inconsciência.

As questões bioéticas podem ser melhor compreendidas se utilizarmos a empatia e fizermos a nós mesmos perguntas, tais como:

O que é qualidade de vida para você?
Qual o mínimo de qualidade de vida você considera aceitável?
Você desejaria permanecer em suporte de vida (por exemplo, um ventilador) se não tivesse chance de recuperar a consciência?
Você gostaria de receber tratamento ativo para mantê-lo vivo se tivesse demência avançada?
Se você não fosse mais capaz de se comunicar com seus entes queridos?
Você desejaria ser mantido vivo por meios artificiais se fosse paralisado do pescoço para baixo?
Você gostaria de viver permanentemente em um lar de idosos?
Qual pessoa você gostaria que tomasse decisões sobre cuidados de saúde para você?
O que deveria ser incluído no testamento vital ou nas diretivas antecipadas de vontade?
Até onde os médicos devem ir para salvar a vida de alguém?

Os pacientes estão cada vez mais informados e querem decidir sobre o tratamento a que serão submetidos, e a bioética tem por objetivo incentivar as participações colaborativas entre médicos e pacientes, buscando levar em consideração a boa comunicação, os medos, as dúvidas e os desejos dos pacientes, para que, diante de sua vulnerabilidade, tenham a garantia de um tratamento digno segundo a sua consciência.
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Fonte:

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Programa de gerenciamento do sangue reduz com segurança as transfusões em pacientes ortopédicos


20 de agosto de 2018, Sociedade Americana de Anestesiologia.


Um programa de gerenciamento do sangue do paciente criado para limitar a quantidade de transfusões de sangue em pacientes ortopédicos que se submetem à cirurgias comuns, como a artroplastia de quadril e joelho foi associado à diminuição do número de transfusões,  à redução do uso de sangue e à melhora nos resultados, relatou um estudo publicado na primeira edição online de Anestesiologia, um periódico revisado em parceria com a Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA).

"Um número crescente de literaturas mostra que reduzir o uso de sangue em cirurgias reduz os riscos para os pacientes, além de reduzir também os custos", disse Steven M. Frank, M.D., principal criador e diretor do Programa de Gerenciamento do Sangue (PBM - Patient Blood Management) do Sistema de Saúde Johns Hopkins.

"Entretanto, há uma impressão persistente de que os pacientes cirúrgicos ortopédicos requerem um nível maior de hemoglobina para não transfundir do que em outros tipos de pacientes."

As diretrizes da AABB (antiga Associação Americana de Bancos de Sangue) indicam para a maior parte dos pacientes que as transfusões de sangue devem ser administradas quando os níveis de hemoglobina atingirem 7 gramas por decilitro (g/dL) de sangue. Entretanto, para pacientes cirúrgicos cardíacos ou ortopédicos, as diretrizes indicam a administração da transfusão quando os níveis atingirem 8g/dL.

"Pode parecer uma pequena diferença, mas antes do nosso programa de gerenciamento do sangue ser implementado, um terço do sangue utilizado em nosso hospital era transfundido em níveis entre 7 e 8 g/dL, então muito sangue era administrado naquela zona intermediária", disse o Dr. Frank. 

"Um número substancial de transfusões poderia ser potencialmente evitado diminuindo o limite para 7g/dL".

Possíveis riscos e resultados adversos associados às transfusões de sangue incluem lesão pulmonar aguda; sobrecarga circulatória associada à transfusão (TACO), que causa excesso de líquido nos pulmões; reações transfusionais hemolíticas (ruptura de hemácias), que na maioria das vezes ocorrem a partir de unidades de sangue erradas ou incompatíveis; e transmissões infecciosas ou virais.

No estudo, os pesquisadores avaliaram a prática transfusional e os resultados clínicos em todos os pacientes ortopédicos adultos por um período de quatro anos, englobando o período em que o hospital implementou o programa de gerenciamento do sangue. O estudo incluiu 1.507 pacientes antes do programa ser implementado e 2.402 após a implementação.

O programa de gerenciamento do sangue consistiu em 10 estratégias para reduzir as transfusões, incluindo a administração de uma única unidade de sangue, a menos que o paciente estivesse com hemorragia, a administração do ácido tranexâmico durante a cirurgia para reduzir o sangramento, a manutenção da temperatura corporal normal durante a cirurgia para reduzir o sangramento, a colocação de alertas nos registros médicos eletrônicos, a fim de notificar os médicos quando a quantidade de sangue requisitada para uma transfusão estivesse acima dos níveis recomendados, a auditoria em conformidade com as diretrizes para prover o resultado, tubos menores para reduzir a perda sanguínea nos testes laboratoriais, além da utilização de novas técnicas cirúrgicas para reduzir o sangramento.

Depois que o programa de controle de sangue foi implementado, a porcentagem de pacientes cirúrgicos ortopédicos que receberam transfusões de sangue diminuiu de 16,1% para 9,4%. O limite médio de hemoglobina utilizado para desencadear uma transfusão diminuiu de 7,8g/dL para 6,8g/dL. O uso geral de sangue durante as transfusões diminuiu em 32,5%. As complicações adquiridas em hospitais caíram de 1,3% para 0,54%, e as readmissões de 30 dias caíram de 9% para 5,8%. A melhora nos resultados foi reconhecida principalmente em pacientes com 65 anos de idade ou mais.

"Descobrimos que em pacientes ortopédicos, mesmo com um gatilho menor de hemoglobina de 7g/dL para transfusões de sangue, os pacientes tiveram um desempenho tão bom quanto ou melhor do que com um nível mais alto de hemoglobina", disse o Dr. Frank. 

"Este é o primeiro estudo realizado para mostrar que para a maioria dos pacientes ortopédicos - mesmo para pacientes idosos - um nível de hemoglobina de 7g/dL parece ser seguro".

O Dr. Frank disse que, embora o estudo sugira que a maioria dos pacientes ortopédicos possa ser transfundida em um nível de hemoglobina de 7g/dL em vez de 8g/dL, ainda não foram feitos testes clínicos randomizados. 

"Um teste que avalia formalmente esse menor fator de hemoglobina como gatilho para a transfusão ainda deve ser conduzido antes que as orientações sejam alteradas para se recomendar um nível de 7g/dL para todos os pacientes ortopédicos", disse ele.

"Além disso, tratamos todo o paciente, não apenas seus valores laboratoriais, então os sinais e os sintomas de anemia também devem ser considerados".

As transfusões de sangue foram estabelecidas como o procedimento hospitalar mais frequentemente realizado nos Estados Unidos e um dos cinco principais procedimentos utilizados em excesso pela Joint Commission em 2012.

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Fonte:

Tradução do artigo disponível em:

sábado, 18 de agosto de 2018

O Aborto e o Direito de Nascer



                
A Defensoria Pública de São Paulo entrou com um pedido na Justiça para acabar com o processo contra 30 mulheres acusadas de terem praticado o aborto, sob a alegação de que essas mulheres são em sua maioria pobres, já possuem outros filhos, são cuidadoras e provedoras dos lares, não possuem antecedentes criminais e que o direito à vida não pode ser compreendido apenas na perspectiva de se estar vivo, mas de viver com dignidade.

A Defensoria argumenta que a criminalização do aborto é incompatível com a Constituição de 1988, como em seu princípio da dignidade da pessoa humana, do qual deriva o direito à autodeterminação sobre o próprio corpo. Também aponta que a criminalização viola os direitos à inviolabilidade da intimidade e da vida privada e ao livre planejamento familiar.

A dignidade da pessoa humana é um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil e está relacionada com a própria condição humana, é uma qualidade inerente aos seres humanos enquanto entes morais e éticos, é sua integridade moral, inspira respeito e consciência de si mesmo, sendo a origem de todos os direitos fundamentais. A dignidade humana é um conceito evolutivo, dinâmico e abrangente. É o direito de viver, de viver bem, direito de ser reconhecido e respeitado como pessoa perante a lei, e de ter seus direitos preservados e garantidos.

Muito embora a lei garanta personalidade civil apenas após o nascimento com vida, não deixa de garantir os direitos do nascituro, ou seja, daquele que irá nascer, que foi gerado mas ainda não nasceu.

O artigo 2º do Código Civil[1] declara:

A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

O direito à vida é superior aos demais direitos dos homens e é pré-requisito para o exercício de quaisquer direitos inerentes ao indivíduo, portanto, deve ser respeitado preliminarmente como sendo de indiscutível importância, de modo que atinge o nascituro mesmo nesta condição suspensiva de direitos.

Segundo a visão genética da ciência, a vida começa com a fertilização, quando o espermatozoide e o óvulo se encontram combinando seus genes para a formação de um novo indivíduo com um conjunto genético único. Embora a fecundação seja necessária, porém, não suficiente para o embrião se desenvolver, todos nós começamos a partir da fecundação de um óvulo. A vida que o direito protege é a vida desde a sua concepção, a partir daí o óvulo fertilizado se torna integrante da humanidade e é digno de respeito, tem o direito de evoluir e de se tornar um indivíduo adulto com vontade própria.

Sendo uma vida de fato, o nascituro possui os mesmos direitos de qualquer pessoa como ser humano. Se o embrião se desenvolver e nascer com vida, a ele serão assegurados todos os direitos inerentes aos já nascidos, deve ser protegido pelo que representa como viabilidade autônoma de um ser humano.

Uma vez que o nascituro é também detentor do direito à vida, porém ainda dependente, a responsabilidade de protegê-lo cabe à genitora, sendo que ao Estado cabe a sua proteção para que nada atente contra a vida do feto, interrompendo a vida que se desenvolve em seu útero.

O Código Penal[2] assim prevê o crime de Aborto:

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena - detenção, de um a três anos.

Aborto provocado por terceiro
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de três a dez anos.
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência

Forma qualificada
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

Ser favorável ao aborto é ser favorável à lei do mais forte, é desconsiderar o direito de um ser dependente e indefeso. O aborto é crime e assim deve ser considerado para que não se minimize o valor da vida.

A pobreza não pode ser desculpa para o cometimento de um crime. Trata-se de um problema do Estado, quando o dever jurídico de um sujeito é desviado de sua função, seja por abuso ou por omissão, caberá intervenção do Estado para atender os direitos de quem a ele estava sujeito, mas o Estado não pode legalizar o aborto como forma de solução para a questão da incapacidade de criar mais um filho. Cabe ao Estado respeitar a autonomia da genitora enquanto não resulte em abuso do poder.

Há a necessidade de uma política eficaz no que se refere ao planejamento familiar. Deve haver uma política de prevenção e educação sexual com medidas razoáveis a fim de se evitar doenças e gravidezes indesejadas.

A Constituição Federal, no artigo 5º caput[3] declara: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida,..”. 

Em virtude do princípio da inviolabilidade do direito à vida, é vedada a pena de morte, a tortura e o tratamento desumano ou degradante. Sendo a vida inviolável, a prática do aborto de forma legalizada anularia o artigo acima referido como cláusula pétrea dos direitos e garantias fundamentais.

A descriminalização do aborto faz parte de algumas bandeiras do movimento feminista, que luta pelo direito da autodeterminação sobre o próprio corpo. Algumas bandeiras em particular do movimento merecem grande atenção, como a violência contra a mulher, a diferença salarial entre gêneros, pouca inserção feminina no meio político, casos de assédio e preconceito contra a mulher, necessidade de exames preventivos e maior informação, acesso a métodos contraceptivos gratuitos e amamentação em lugares públicos, etc.

Entretanto, em decorrência das suas conquistas, o movimento tornou-se o câncer metastático da sociedade atual, onde espalham suas vontades a todo custo desconsiderando o direito alheio. O princípio da autodeterminação sobre o próprio corpo jamais pode ser alegado em detrimento do direito de outrem. A autonomia da vontade jamais pode interferir no direito alheio. A famosa frase  "A liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro", atribuída ao filósofo inglês Herbert Spencer, indica que a verdadeira liberdade respeita o próximo, e o seus direitos. Portanto, a liberdade da autodeterminação sobre o próprio corpo não deve suprimir o direito do bebê por nascer, pois este já é sujeito de direitos.

As feministas não estão preocupadas com as mulheres pobres que se submetem à abortos clandestinos, mas estão preocupadas apenas com a sua liberdade de decidirem  sobre seus próprios corpos em detrimento de vidas inocentes concebidas sem critérios ou responsabilidades.

Além do mais, há inúmeros métodos contraceptivos disponíveis já conquistados por elas para garantir a liberdade sexual e o planejamento familiar sem a necessidade da prática do aborto.

A indução do aborto no Brasil é um problema de saúde pública, de responsabilidade do Estado e, embora seja crime, é uma prática livre e recorrente. O Estado tem o dever de criar políticas públicas a fim de conscientizar a população tanto feminina como masculina sobre o planejamento familiar e sobre a educação sexual.

A descriminalização do aborto apenas fará com que as mulheres o utilizem como método contraceptivo e planejamento familiar por meio de um homicídio legalizado.

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Fonte:

AZEVEDO, Álvaro Villaça; LIGIERA, Wilson Ricardo; et al. DIREITOS DO PACIENTE. Editora Saraiva. 2012.


[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm
[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm
[3] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Hospital é condenado por não informar ao paciente os riscos de uma cirurgia



Íntegra da matéria publicada em 2 de agosto de 2018.

A 4ª turma do STJ garantiu indenização para um jovem e seus pais após sequelas resultantes de uma cirurgia. O caso não tratou de erro médico, mas sim da falta de informação adequada para o paciente sobre os riscos do procedimento. O colegiado acompanhou o voto-vista divergente do ministro Luis Felipe Salomão.

O jovem submeteu-se a procedimento cirúrgico anos após um acidente de trânsito por conta de tremores nas mãos. A cirurgia foi feita nos dois lados do cérebro, e com ela o paciente perdeu a capacidade de realizar atividades básicas e passou a depender de cadeira de rodas, entre outras sequelas.

O TJ/DF entendeu pela inexistência de culpa do médico e afastou a responsabilidade do hospital, afirmando que a ausência de registro da comunicação de informação ao paciente não significa que não foi alertado dos riscos, uma prática na atividade médica.

Para dizer que não houve falha no dever de informação a Côrte de origem assentou que (i) sempre há risco nos procedimentos; (ii) a família tinha boa condição socioeconômica e por isso deveria ter conhecimento dos riscos; e que (iii) a não existência de documentação das informações passadas não quer dizer que não foram transmitidas.

O relator do recurso no STJ, desembargador convocado Lázaro Guimarães, manteve o acórdão.

Dever de informação - Exercício da autodeterminação

O ministro Salomão apresentou voto-vista na sessão desta quinta-feira, 2, divergindo do relator. O ministro citou doutrina atestando a importância do reconhecimento da autonomia do paciente e sua capacidade de se autogovernar, fazendo escolhas e agindo conforme suas próprias convicções.

Além da Constituição (art. 5º, II), de documentos internacionais (Parecer sobre Direitos dos Pacientes, Declaração de Lisboa) e dos princípios do código de ética médica, o ministro destacou a previsão do CDC de informação clara e adequada ao consumidor.

“Inexiste no ordenamento jurídico brasileiro qualquer norma que imponha o consentimento escrito. Não há necessidade de ser escrito, e sim de ser provado e expresso. Pode até ser verbal. No código consumerista o direito à informação é considerado direito fundamental do consumidor.”

Conforme o voto de Salomão, o consentimento informado é manifestação do direito fundamental de autodeterminação do paciente e confere legitimidade ao ato médico. S. Exa. narrou que a doutrina que trata do tema invoca precedente do ministro Rui Rosado (de 2002) no qual já se falava em obrigação do consentimento informado.

“O acórdão [de origem] adota conjecturas sem nenhuma base na prova dos autos. O voto vencido, esse sim, disse com base na perícia, que houve crônica dificuldade de comunicação ou entendimento entre as partes. Foram utilizadas ilações e conclusões sem nenhuma base direta. A indenização é decorrente da falta de esclarecimentos acerca dos riscos que interferem na decisão de escolha de realizar o procedimento ou não.”

O ministro Luis Felipe Salomão asseverou que os fundamentos e fatos das instâncias ordinárias não se mostram aptos a demonstrar o cumprimento pelo médico do dever de informação dos riscos.

Quanto ao valor da indenização, manteve o que foi concedido no voto-vencido no Tribunal de origem: R$ 100 mil para o paciente e R$ 50 mil para seus pais. “Pela cirurgia, que poderia não ter acontecido, e levou ao sensível agravamento do seu estado de saúde. São limitações físicas muito mais severas.”

O recurso foi parcialmente provido para deferir apenas a indenização por dano moral. Os ministros Marco Buzzi, Antonio Carlos Ferreira e Isabel Gallotti acompanharam a divergência. A ministra Gallotti destacou:  
   
“Como enfatizou o ministro Salomão, não está em discussão se houve ou não erro médico. O voto-vencido na origem até disse que não se comprovou erro médico. A questão se prende ao direito de dever informação e competia ao médico demonstrar isso. E não foi falta de informação apenas sobre os riscos, mas a própria especificação de que seriam feitos dois procedimentos, um de cada lado do cérebro. Não se tratou de procedimento em caráter de emergência – para salvar uma vida – não há mesmo como se colher uma assinatura ou prestar informação detalhada nessa situação. Seria de todo possível e necessário que fosse feito esclarecimento, se houvesse, de que seriam dois e não apenas um procedimento, e dos dois lados do cérebro, e possíveis riscos, poderia ter sido tomada outra opção pelo paciente e seus pais, de se submeter a um e não aos dois concomitantemente. Evidenciado que não houve prova do cumprimento do dever de informação.”

Processo: REsp 1.540.580
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Fonte:

Direito de Escolha do Menor em Lisboa

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